Além do petróleo (85% das exportações) e da importação de armas (1 bilhão de dólares) o tema da imigração aparece com uma das principais preocupações da Comunidade Européia em relação aos recentes acontecimentos na Líbia e norte da África.

Uma das palavras mais utilizadas pelos diplomatas europeus, nos últimos dias, para se referir à ação de Kadafi é "inaceitável". No entanto, nos últimos anos, tem sido perfeitamente aceitável para os governos da Comunidade Europeia terceirizar a proteção de suas fronteiras a esse mesmo ditador. Há mais de três anos o aparato policial da Líbia é usado para manter os imigrantes longe do sagrado solo europeu. “Estamos extremamente preocupados com a evolução da situação no Norte de África” – disse a porta-voz do Comissariado Europeu para Assuntos Internos -, Michele Cercone, que visitou a Líbia ano passado para a realização de acordos de cooperação, com a promessa de uma ajuda de 5 bilhões de euros anuais em troca da colaboração do coronel Kadafi que alertou: “Amanhã, talvez a Europa não seja mais europeia, mas sim negra”.

Há dois anos foi celebrado um acordo entre a Itália e Líbia que permitiu à marinha italiana interceptar os "boat people" e devolvê-los para a Líbia, uma das principais rotas de entrada na Europa por sua proximidade com o sul da Itália. Assim, estima-se que, enquanto em 2008, mais de 32 mil imigrantes ilegais entraram na Itália via Líbia, em 2009, após o acordo, apenas 7 mil imigrantes chegaram ao seu destino. Aqueles que não conseguiram entrar na Europa ficaram detidos em campos de refugiados na Líbia que apresenta casos graves de discriminação e xenofobia em relação a imigrantes africanos. De acordo com o governo italiano, a Líbia já interceptou mais de 2,5 milhões de imigrantes, nos últimos cinco anos. Os refugiados que não têm a possibilidade de pedido de asilo ou acesso a qualquer recurso efetivo correm o risco de serem forçados a regressar aos países de origem onde eles podem enfrentar a perseguição ou tortura.

Em contraste com a sua resposta inepta às revoltas na Tunísia e no Egito, Sarkozy, não apenas condenou o regime de Kadafi, mas foi o primeiro a reconhecer o provisório Conselho Nacional de Transição, em Benghazi, e tomar a iniciativa de aprovar a resolução na ONU dando inicio aos ataques aéreos. Avaliou que seria uma excelente oportunidade para se mostrar como alguém superior às politicagens nacionais, ser arrojado internacionalmente e colocar a França no “panteão das grandes nações”. com objetivo de aumentar sua popularidade. Além disso, a intervenção na Líbia é uma forma de reafirmar sua posição na Europa e, sobretudo, como contrapeso ao poder econômico e político da Alemanha na União Européia. É uma mensagem que diz que se a Europa pretende ser levada a sério como uma potência mundial o poder militar francês é um de seus esteios.

Em mensagens no rádio e televisão o presidente francês tenta, desesperadamente, melhorar sua imagem manchada por sua proximidade com regimes ditatoriais e corruptos ( Marrocos, Egito, Tunísia e Líbia), saudando a "grande esperança" trazida pelas revoltas árabes. Dominique Paille, Presidente do Serviço francês de Imigração e Integração, observou “Há semanas estávamos assistindo o trem passar pela história, já estava na hora de tornarmo-nos uma das locomotivas”. Por sua vez, Claude Guéant, ministro do Interior e da Imigração, homem de confiança do presidente, querendo competir no terreno ideológico da extrema direita (a nova líder da Frente Nacional, Marine Le Pen, aparece em primeiro lugar nas pesquisas) declarou que “por causa da imigração descontrolada, os franceses, por vezes, têm a sensação de que não estão mais em casa.”

Não podemos esquecer que Sarkozy passou cinco anos como ministro do Interior construindo a imagem de um combatente radical da criminalidade e da imigração (em áreas relacionadas às pessoas de origem muçulmana).

Ao que tudo indica Sarkozy quer repetir a estratégia política da campanha de 2007 quando procurou seguir o conselho de Karl Rove (estrategista de Bush). Em vez de tentar construir uma maioria é mais eficaz promover questões polêmicas como imigração, identidade, criminalidade e islamismo que podem provocar a fragmentação das oposições. O resultado, no longo prazo, é um maior nível de dissenso social ou de violência. A diferença, e isso é muito mais grave, é que agora esse foco da lei e da ordem doméstica está intimamente conectado à política externa francesa e européia. Em certo sentido, a França quer repetir seu papel do século XIX, quando as potências coloniais européias estavam à procura de projetar poder e proteger seus interesses fora do continente europeu.

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Professor de Relações Internacionais da PUC (SP) e do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP).

Fonte: Carta Maior