Dou por mim a perguntar-me quantos Estados há a Sul da faixa de terra aparentemente estreita e cortada por um canal que liga a América do Norte à América do Sul, e é com vergonha que reconheço não saber quantos são eles.

Talvez pudesse chegar lá contando-os pelos dedos, mas até duvido de que os dedos das duas mãos chegassem, pois tenho a imprecisa ideia de que só as antigas Guianas colonizadas por países europeus, e agora com designações que me parecem surpreendentes, são três, e por causa delas me restariam apenas sete dedos para a contagem, o que poderia não ser bastante. E, como é natural e corrente, trato de transferir para costas alheias a responsabilidade pela minha ignorância. Neste caso, as costas serão as da TV portuguesa que com frequência me fala de países do distante Oriente, das inundações, terramotos e outras calamidades que por lá vão abundando, e pouco ou nada me diz da América dita Latina que julgo ser mais negra e índia que verdadeiramente latina, sendo contudo esse dado mais uma parte da minha ignorância.

Tenho como certo que quem sabe tudo dessa parte do mundo é um amigo que por lá muito andou e cujo nome deixo à adivinhação dos leitores que seguramente o conhecem, pelo menos por leituras dos seus sempre importantes textos. Mas ele não tem a mínima intervenção nos critérios informativos da televisão portuguesa, infelizmente para mim e para o País inteiro, pelo que a minha ignorância não encontra fáceis vias de saída.

Há dias, porém, aconteceu qualquer coisa de surpreendente e que, espero, virá minorar a minha ignorância sobretudo em certas matérias que muito me importam: ia eu televisor fora a praticar o zapping habitual nos que sempre vivem a esperança de poderem escapar às mediocridades e toxinas dominantes quando, de súbito, zás!, me surge no ecrã a televisão da Venezuela.

Fiquei espantado, naturalmente, não estou nada acostumado a que o meu televisor se entregue a um pluralismo tão arrojado, mas é claro que fiquei cliente, como é costume dizer-se. Convém dizer que aquele canal é um chato: tanto quanto eu tenha visto, não tem concursos, não tem doze telenovelas, não tem publicidade a carros topo-de-gama, não tem casas-de-segredos, não tem nada de excitante.

E tem muito Hugo Chavez e gente que, não sendo chavista, assume uma posição de unidade com o presidente sem prejuízo de eventuais divergências. Foi, pelo menos, o que lá ouvi. Mas ouvi mais coisas.

Ouvi, por exemplo, notícias da Bolívia e de como o presidente Evo Morales foi obrigado a retirar a medida que faria subir substancialmente o custo dos combustíveis até agora muito subsidiados pelo Estado. A intenção terá sido mesmo a de retirar esse subsídio por razões de gestão dos recursos públicos que facilmente se entendem, mas a contestação ao aumento (talvez estimulada pela direita a sonhar com o derrube de Morales, talvez não) obrigou ao recuo. Mas o canal explicou-me mais: disse-me que um dos motivos determinantes do tentado aumento foi o contrabando de combustíveis da Bolívia para países limítrofes onde o baixo preço dos carburantes bolivianos proporciona negócios ilegais mas muito rendosos.

E então, sim, com esta explicação que nunca ouvira nos canais portugueses que se referiram ao caso, percebi melhor o que se passara.

É certo que o meu televisor já recebia um canal cubano formalmente pouco atraente: afigura-se-me, aliás, tratar-se de um óbvio exemplo de televisão pobre, com estúdios acanhados e abaixo do discreto, imagem baça, coisas assim. É entendível que assim seja, de resto; sabe-se que o dinheiro não dá para tudo e que Cuba não exporta petróleo, mas os factores eventualmente limitativos não impedem o desejo de que um canal cubano surja com o brilho que Cuba merece. Resta esperar que haja outros canais que não chegam a minha casa.

Quanto à VTV, cujo inesperado encontro me excitou um pouco, tal como quanto à Telesur que também descobri a andar pelo ecrã do meu televisor, não tenho dúvidas em admitir que não são os canais com que sonho. Mas são televisão patriótica e de esquerda, para usar aqui uma fórmula que tem sido nos últimos tempos recorrentemente usada, e isso é qualquer coisa de raro e mesmo de precioso para quem vive cercado por canais de facto de direita e que nem sequer dão sinais de saber o que é ser patriótico.

Por isso me senti obrigado a registar aqui a minha descoberta.

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Correia da Fonseca é amigo e colaborador de odiario.info.

Fonte: O Diario.info