A erradicação da miséria é uma das metas da presidenta Dilma Rousseff, que já anunciou a criação de um PAC para cuidar desta missão. Para que todos os brasileiros tenham condições de viver com dignidade, especialistas apontam que o governo federal terá de dar atenção especial às desigualdades regionais. Os estudos mais recentes mostram que as zonas rurais das regiões Norte e Nordeste ainda são importantes bolsões de miséria. Mas a pobreza extrema é também um problema em todo o país, especialmente nas áreas periféricas das grandes cidades. Nestas localidades o desenvolvimento econômico já chegou, mas não incluiu a todos. É preciso apostar, principalmente, na qualificação destes excluídos, por meio da educação.

Os estudos mais recentes mostram que as regiões Norte e Nordeste ainda apresentam as maiores incidências de miserabilidade. Estados como Alagoas e Maranhão em 2008 apareciam ainda com mais de 30% de extremamente pobres segundo pesquisas de instituições como o IPEA e o Centro de Políticas Sociais da FGV. O estudo “Geografia da Pobreza”, da FGV, aponta que o Nordeste, em 2008, tinha 30,69% de miseráveis (cerca de 16 milhões de pessoas), e o Norte, 19,07% (pouco mais de três milhões de cidadãos), considerando a faixa de miséria ter renda domiciliar per capita abaixo de R$ 137.

Entretanto, em números absolutos, a região Sudeste é a segunda região com mais pobreza extrema. Os 9,68% de miseráveis no Sudeste significam quase oito milhões de pessoas. E as regiões Sul e Centro-Oeste também apresentam números significativos de extremamente pobres. O Sul tem cerca de dois milhões de miseráveis (7,29%), e o Centro-Oeste, 1,5 milhão de cidadãos (10,49%).

“Do ponto de vista da presença de pessoas pobres no total de sua população, o Norte e o Nordeste são as regiões com maiores bolsões. Por outro lado, é necessário considerar que mesmo as regiões ricas como São Paulo ainda tem um contingente absoluto de pobres considerável”, afirma Márcio Pochmann. Ex-diretora da Sudene e integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social durante os oito anos de Governo Lula, a economista Tânia Bacelar chega a conclusão semelhante. “A pobreza no Brasil tem dois endereços: o Norte e o Nordeste, em especial na zona rural, e as grandes cidades em todo o país”.

Desigualdade histórica

Bacelar e Pochmann também concordam no diagnóstico para os altos índices de pobreza extrema nas regiões Norte e Nordeste. Segundo ambos, o olhar especial dado pelo Governo Lula a estas regiões não foi suficiente para colocá-las em igualdade com as demais, porque a desigualdade histórica era muito grande. “Na transição de um país rural para a sociedade urbana e industrial nós tivemos uma concentração das oportunidades econômicas nas regiões Sul e Sudeste do país. Nos anos setenta tivemos uma expansão da fronteira agrícola que permitiu ao Centro-Oeste ser o celeiro agroalimentar brasileiro. As regiões Norte e Nordeste convivem ainda com mazelas herdadas deste baixo dinamismo historicamente acumulado”, explica Pochmann.

“No século XX o Nordeste perdeu o trem do desenvolvimento industrial. Não houve investimentos em infraestrutura e em ciência e tecnologia”, afirma Tânia Bacelar. A economista diz que o presidente Lula “deu um empurrão” para a região ao realizar investimentos, como a construção de estradas, da ferrovia Transnordestina e a transposição do Rio São Francisco. Além disso, a Petrobras passou a ter no Governo Lula atuação bem mais significativa no Nordeste. Bacelar explica ainda que as políticas sociais como o Bolsa-Família tiveram grande impacto nas regiões menos desenvolvidas do país.

Desenvolvimento regional e qualificação

Para o presidente do IPEA, Márcio Pochmann, após o avanço das políticas sociais de âmbito nacional, o país está diante de um ‘núcleo duro’ da pobreza, que precisa ser combatido com foco em políticas regionais em paralelo às políticas nacionais. “Estamos observando uma convergência entre expansão econômica e melhor repartição destes ganhos na sociedade. Mas para os próximos anos, a continuidade desta trajetória implica em maior sofisticação das políticas públicas, considerando que estaremos diante de um núcleo duro da pobreza extrema. É preciso ter em vista especificidades regionais, é difícil chegar a esta pobreza consolidada em determinados lugares”, afirma o presidente do IPEA Márcio Pochmann. Para o pesquisador, o compromisso político assumido por Dilma Rousseff só será concretizado se for feito um esforço comum entre o governo federal, os poderes executivos estaduais e municipais, e a sociedade civil.

Segundo o estudo “Geografia da Pobreza”, da FGV, em 2008, mais de 34% dos moradores de áreas rurais no país estavam abaixo da linha da miséria. Tânia Bacelar afirma que esta questão se aprofunda ainda mais nas regiões Norte e Nordeste. “Há um hiato em termos de padrão de vida, especialmente entre as zonas rural do Norte e do Nordeste e o resto do país. Na zona rural do Nordeste há, por exemplo, 33% de analfabetismo enquanto a média nacional é de 9%”. A doutora em economia aponta que há também em outras regiões do país localidades com menor dinâmica produtiva.

No Rio Grande do Sul, isto se aplica às metades Sul e Oeste do estado e, em especial, à Região Noroeste. O economista da FEE Adelar Fochezatto explica que os últimos dados que mostram índices de pobreza por município do estado se baseiam no censo de 2000. Entretanto, os dados do censo de 2010 já mostram que há um êxodo populacional nestas regiões, o que dá fortes indícios de que elas continuam sendo as regiões com maior índice de pobreza extrema.

Fochezatto ressalta, contudo, que o maior número de pessoas abaixo da linha da pobreza extrema está mesmo na Região Metropolitana de Porto Alegre. “A participação de famílias pobres no total de famílias dos municípios é maior na Região Noroeste. Mas o número é pequeno na Região Noroeste, porque são municípios pequenos. Se a gente for pensar onde estão os pobres em números absolutos, eles estão na Região Metropolitana”.

Fochezatto explica as diferenças entre a miséria da Grande Porto Alegre e a das regiões menos desenvolvidas do estado. “A gente pode falar de dois tipos de pobreza. A pobreza por insuficiência de desenvolvimento, lá daquela região (Noroeste), por exemplo. As pessoas são pobres porque não têm alternativa. Já a pobreza da Região Metropolitana é decorrente de exclusão do processo de desenvolvimento. O desenvolvimento não incorpora todo mundo. Muitos ficam excluídos. Boa parte destes excluídos sai, inclusive, das regiões de menor desenvolvimento”.

A explicação de Fochezatto, não é diferente do que diz Tânia Bacelar. “No meio urbano, geralmente você tem pessoas (abaixo da linha de pobreza extrema) que não têm qualificação para se inserir vida da cidade, que não tiveram oportunidade. Em regiões menos desenvolvidas, as pessoas até têm ocupação, mas a atividade econômica é muito frágil”, explica a ex-diretora da Sudene.

Para Fochezatto, as ações para combater a pobreza extrema precisam ser no sentido de levar o desenvolvimento para regiões de economia retraída. “Lá é preciso pensar em empreendedorismo. Criar e atrair empresas, fazer convênios para produção de merendas escolares no campo. Alternativas para promover o emprego”. Nas grandes cidades, segundo o economista, é preciso investir na qualificação da mão-de-obra e em criar frentes de trabalho, investindo, por exemplo, em obras públicas.

O investimento em educação é um dos pontos-chave para a redução da miséria segundo Adelar Fochezatto. Um estudo recente da FEE, em parceria com a Secretaria de Justiça e Desenvolvimento Social do estado, mostrou que a pobreza extrema aparece no Rio Grande do Sul em maior número entre os jovens de até 20 anos e em entre os que têm menores índices de escolaridade. “Fazer com que estes jovens se mantenham na escola e tenham ensino de qualidade é um dos grandes desafios”, aponta.

Como medir a pobreza

Uma das intenções da presidenta Dilma é criar uma linha oficial de miséria no país. O presidente do IPEA, Márcio Pochmann, foi um dos que sugeriu a criação do índice. “O critério é subjetivo. O que é miserabilidade? A gente (do IPEA) tem um critério, um quarto de salário mínimo per capita, outros têm outros valores”, explica.

Um dos índices é o dos Objetivos do Milênio das Nações Unidas, de um dólar per capita por dia – valor bem menor que os utilizados pelo IPEA e por outros institutos de pesquisa. Foi com base neste valor da ONU que o governo federal conseguiu retirar 28 milhões de pessoas da linha da miséria, o que não deixa de ser um grande feito. Pelo IPEA, os números são mais modestos. Entre 1995 e 2008, 13,1 milhões de brasileiros deixaram a pobreza extrema, segundo o instituto.

Mas um índice oficial de pobreza não é para saber se quem divulga dados está mais ou menos correto, e sim para que o governo possa estabelecer políticas para uma faixa determinada de pessoas. “Há governos que têm uma linha oficial de pobreza, como é o caso dos Estados Unidos. Pode-se achar que está errado, mas é sobre estes que o governo vai tratar como prioridade. Do ponto de vista do governo, o que interessa é ter um horizonte para que estabeleça qual é o segmento sobre o qual vai atuar de maneira mais privilegiada e para ter condições de saber se esta interferência é exitosa”, explica Pochmann.

Uma questão a ser analisada é que os índices que são geralmente utilizados para medir pobreza se baseiam apenas na renda. Assim, se o Brasil erradicar a miséria isto não significa que não haverá mais brasileiros analfabetos, ou vivendo ao lado de esgoto a céu aberto, por exemplo. E os serviços públicos costumam demorar mais para chegar do que a renda. “Os programas de transferência são os programas geralmente de menor custo, porque é tão somente a transferência da renda. Agora, um programa de saúde, por exemplo, precisa do equipamento necessário para operar, pessoas qualificadas”, explica Pochmann.

Ainda assim, o pesquisador defende que os indicadores de renda são eficazes para que mostrar quem vive em situação de vulnerabilidade social. “O indicador de renda é o indicador mais fácil de você identificar onde estão os pobres e os mais pobres entre os pobres. É claro que a pobreza não é só uma questão de renda. Mas você observando, atuando sobre aqueles que menos recebem, certamente estará atuando sobre os que têm mais dificuldades de acesso a outros aspectos que podem definir a pobreza de maneira mais ampla”, diz o presidente do IPEA.

Tânia Bacelar acredita que o governo federal deve utilizar vários índices para considerar a pobreza e a miséria. Ela ressalta, por exemplo, que o programa Luz Para Todos foi, para muitas pessoas, mais importante que o Bolsa-Família. “Acho que podemos ampliar o conceito de pobreza. Concordo que a renda é o aspecto prioritário, já que ela é necessária até para que se possa comer. Só que a pobreza é muito mais do que a renda. O pobre pode morrer, por exemplo, de uma doença que já não mata quase ninguém”.

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Fonte: Sul 21