Com critérios geopolíticos de ordem e desordem mundial, o século XIX pode ser caracterizado relativamente pacífico, enquanto o século XX, absolutamente conflituoso. A pergunta que nasce com o ingresso do mundo na segunda década do século XXI é como os historiadores do futuro o batizarão finalmente.

Após as Guerras Napoleônicas, as potências vencedoras concordaram no Congresso de Viena (1814-1815) em adotar uma atípica, mas essencial cooperação das grandes potências que foi denominada Acordo Europeu. Reconheceram que futuros conflitos entre as grandes potências (Grã-Bretanha, França, Áustria, Rússia e Prússia) poderiam concluir somente em prejuízo coletivo.

Assim, comprometeram-se em regularizar, de comum acordo (em prolongadas e cansativas conferências) conflitos que, de tempos em tempos, eclodiriam no perímetro do sistema internacional eurocentral. Cânone básico para salvação da paz seria que as grandes potências não tentariam reivindicar a hegemonia mundial e que reconheceriam direitos iguais aos demais membros do Coletivo das Grandes.

O cânone da consulta ao Coletivo das Grandes foi violado absolutamente no século XX. As principais razões desta histórica transgressão foi o incontido antagonismo entre as colonialistas e qualitativamente deficientes lideranças, assim como o gradual crescimento de ideologias expansionistas e polarizadoras, cujo alvo era a revolucionária reestruturação do sistema internacional.

O custo para a humanidade provou-se tremendo: duas guerras mundiais (com mais de 100 milhões de mortos) seguidas por 45 anos da Guerra Fria. Esta última não evoluiu em uma terceira (e, talvez, a última) guerra mundial graças à macabra equalização de equilíbrio do terror nuclear. Entretanto, o cânone de responsabilidade coletiva para a estabilidade do sistema internacional permaneceu inativo em um mundo bipolarizado, com um lado tentando "enterrar" o outro.

Guerra preventiva

Após a implosão do sistema soviético e o fim da Guerra Fria, no início da década de 1990, vários analistas travestidos em profetas sinalizaram a hipotética reinstituição de uma "nova ordem das coisas". Aliás, o sempre super-otimista historiador norte-americano Francis Fukuyama publicou um livro com o provocador título O Fim da História, em cujas páginas proclamava que "a paz se congelaria em um mundo de viável democracia e livre mercado".

A Rússia passou de um período de transição de introspecção e adequação ao anárquico modelo capitalista. O centro de peso geopolítico foi transferido ao Golfo Pérsico (invasões no Iraque e Kuwait) e aos Bálcãs Ocidentais (guerras de sucessão na ex-Iugoslávia).

Foi quando alguns analistas norte-americanos, supostamente sérios, particularmente os neoconsrvadores de Washington, também travestidos em profetas, formularam super-otimistas previsões sobre o iminente "Século da América", atribuindo aos EUA o papel de "única superpotência".

O amanhecer do século XXI foi marcado pelo atentado da Al Qaeda contra as Torres Gêmeas de Nova York. Era, exatamente, o pretexto que esperava o então presidente dos EUA, Bush Jr., para declarar "guerra ao terrorismo internacional" e promover a "exportação de Democracia", adotando as doutrinas do unilateralismo, da "guerra preventiva" e de formação da aliança dos bem dispostos.

Suas decisões envolveram o Ocidente nas prolongadas guerras no Afeganistão e no Iraque, provocando sérios atritos entre os EUA e seus tradicionais aliados, como a Alemanha e a França, que consideraram feridos seus brios de justiça, liberdade e autodeterminação (na realidade, por causa de sua exclusão da divisão do butim energético).

Hoje, com presidente o Barack Obama, os EUA tentam encontrar a forma para desvincular-se dos teatros de guerra que eles mesmos criaram com objetivo de apoderar-se das ricas reservas de petróleo e gás natural do Iraque e da Ásia Central, sem ter que se submeter à humilhante experiência de uma desordenada retirada tipo Vietnã.

Ao amanhecer da segunda década do século XXI, pode-se projetar o "retorno" a um sistema de "acordo mundial das superpotências" que garantirá a paz por longos anos entre os "grandes" do planeta.

Como atípica existência de coordenação das ações das superpotências oferece-se o Grupo dos 20 (G20), assim como uma reestruturação de instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Banco Mundial (Bird), o Fundo Monetário Internacional (FMI) a Organização Mundial do Comércio, e outras.

Em uma época crítica, quando a geopolítica cede seu lugar à geoeconomia, será – de fato – estupidez para a humanidade envolver-se, novamente, em conflitos bíblicos e guerras religiosas.

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Fonte: Monitor Mercantil