Um conservador é alguém que, na tradição de Edmund Burke, parlamentar inglês do Século XVIII, acredita que a ordem estabelecida merece respeito, até mesmo reverência. Um liberal, ao contrário, é alguém disposto a mudar a ordem estabelecida em busca da visão de um mundo melhor.

Thomas Macaulay, historiador whig* do Século XIX também descreveu essa diferença. Havia "dois grandes partidos" na Inglaterra, escreveu ele, que manifestavam uma "distinção" que "sempre existiu e precisa sempre existir".

De um lado estavam os liberais, "uma classe de homens otimistas na esperança, ousados em especulação, sempre pressionando para a frente e dispostos a dar a toda mudança crédito de que seja uma melhoria". Do outro lado estavam conservadores, "uma classe de homens com apego por tudo o que seja antigo, e que, mesmo quando convencidos por razões avassaladoras de que inovações poderão ser benéficas, admitem-nas com muita dúvida e maus pressentimentos".

Por esse padrão, a direita americana – o campo da Fox News, do Tea Party e, cada vez mais, o próprio partido Republicano – já não são conservadores. São radicais.

Eles são ecologicamente radicais, negam o consenso científico do aquecimento global – estão dispostos a deixar a Terra ferver.

E com base em fantasiosas interpretações "originalistas" da Constituição, negam ao governo federal o poder de engajar-se em praticamente qualquer forma de regulamentação econômica ou de apoio ao bem-estar geral, inclusive na área de saúde pública.

Mas nada ilustra melhor o radicalismo da nova direita do que o recente ataque de Glenn Beck, comentarista da Fox News, ao financista e filantropo George Soros. Soros é de origem húngara e judaica, e o ataque de Beck, intitulado "O mestre titeriteiro?", recicla, quase identicamente, as afirmações figuradas das ideologias antissemitas mais virulentas dos movimentos totalitários da primeira metade do século XX.

Beck, que nega ser antissemita, é um teórico da conspiração de extração clássica, embora o conteúdo de suas supostas conspirações seja, para sermos franco, estranho. É verdade que algumas delas são clássicos da caça a comunistas da era macarthista. Sobre a composição da Casa Branca de Obama, diz ele, "há comunistas, marxistas, revolucionários – todos em torno desse presidente".

Os conservadores nunca deram maior importância às suas contradições. Afinal de contas, os nazistas acusaram os judeus de serem a força secreta por trás tanto do capitalismo como do comunismo – o que é não só uma contradição como uma mentira.
Mais estranho ainda é seu ataque contra o presidente americano Woodrow Wilson. Wilson é denunciado como sendo o criador do "progressivismo", que, por sua vez, é – acredite ou não – também identificado como o ponto de origem do nazismo e do bolchevismo. Beck habitualmente compara as políticas de Obama às de Hitler. (Recentemente, Roger Ailes, fundador e presidente da Fox, disse sobre a administração da sóbria National Public Radio: "Eles são, claro, nazistas".)

Wilson, Hitler e Obama são interligados por uma cadeia de associações extremamente permissivas e totalmente típica de teorias da conspiração em geral e de sua variedade antissemita, em especial: Wilson era um "progressivo", alguns progressivos envolveram-se com eugenia (pouco importa que alguns conservadores também o tenham feito); o movimento de eugenia influenciou Hitler, Obama também é um progressivista. Por isso os progressivistas, Hitler e Obama são iguais!

Agora, um novo epicentro para o eixo Wilson/Hitler/Obama foi identificado na pessoa de George Soros. Enquanto ouve-se música de filmes de horror e clipes de desastres da história são mostrados na tela, uma voz entoa: "Oitenta anos atrás, nasceu George Soros. Mal sabia o mundo, à época, que economias entrariam em colapso, moedas perderiam seu valor, eleições seriam roubadas, regimes cairiam. E um bilionário iria encontrar-se no centro de tudo".

Prosseguindo nas acusações, o programa de TV afirma que Soros criou um governo paralelo nos EUA e alega que isso "se assemelha bastante" a organizações similares que ele, supostamente, "criou em outros países", antes de instigar um golpe de Estado". Dessa forma, Beck falsamente acusa Soros de ter instigado golpes no exterior, ao mesmo tempo em que sugere que Soros planeja realizar um golpe nos EUA.

Beck não o diz, é claro, mas o que realmente Soros fez foi dar apoio, por meio de sua fundação Open Society, aos movimentos pró-democracia em muitos países. Muitos deles, como a Checoslováquia, Hungria e Polônia, eram governados por regimes comunistas, à época. Seria de esperar que um autoproclamado conservador como Beck apoiaria esse tipo de atividade.

Mas, desde quando os denunciadores de conspirações detiveram-se diante de contradições? De fato, historicamente, eles nunca deram maior importância às suas contradições do que a ignorar os fatos. Afinal de contas, os nazistas acusaram os judeus de serem a força secreta por trás tanto do capitalismo como do comunismo – o que é tanto uma contradição como uma mentira, ressuscitadas em "The Puppet Master".

Desde cerca de 1994, quando Newt Gingrich engendrou a tomada da Câmara dos Representantes dos EUA pelos republicanos, estes passaram a denominar-se "revolucionários" – não é uma palavra frequentemente encontrada nos lábios dos conservadores. Chegou o momento de aceitarmos o que dizem? O ataque de Glenn Beck contra Soros sugere qual tipo de revolução eles podem ter em mente.

*O Whig Party era o partido que reunia as tendências liberais no Reino Unido, e contrapunha-se ao Tory Party, de linha conservadora.

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Jonathan Schell é pesquisador no The Nation Institute e ministra curso sobre o dilema nuclear na Universidade de Yale. Ele é autor da "The Seventh Decade: The New Shape of Nuclear Danger" (a sétima década: a nova forma de perigo nuclear). Copyright: Project Syndicate, 2010.

Fonte: Valor Econômico