Evidentemente, ali não se pôde criar a nova subjetividade e a nova cultura que tanto reclamava Che Guevara, nem a hegemonia socialista que pensava Antonio Gramsci. O marxismo oficial desses países já não tinha nem a autoridade, nem o poder de convencimento, que nunca deveriam ter perdido. Como alertava Roque Dalton, nós, marxistas revolucionários, podemos aceitar todas as clandestinidades, menos a clandestinidade moral (NESTOR KOHAN, 2005).

O CONTEXTO DAS MUDANÇAS

A revolução cubana tem demonstrado, ao longo de mais de meio século, uma grande resistência à invasão promovida desde os EUA, ao bloqueio contra a ilha e às centenas de ataques terroristas, que vitimaram mais de 3000 civis cubanos. Com a queda da URSS e dos regimes do leste europeu, Cuba segue em pé e para tal teve que buscar seu próprio modelo econômico e as transformações necessárias. Em 1991, quando foram arriadas as bandeiras da URSS, surgiu a “teoria” das circunstâncias. Segundo esta, a diligência soviética provocaria um tabuleiro de dominó: tocou-se a primeira peça e, em cadeia, todas as demais iriam caindo. Nessa lógica, Cuba também deveria sucumbir. Entretanto, quem imagina que Cuba alguma vez esteve estagnada ou impotente diante das crises, desconhece a determinação dos cubanos. Como aponta o professor Luiz Carlos de Freitas, o desaparecimento da URSS não foi uma derrota do projeto socialista, mas dos liberais socialistas, que ficaram prisioneiros da própria proposta de transformação do Estado, levando o socialismo nos países da região para o campo das teses do liberalismo.

Na última década do século passado, Cuba passou por uma etapa particularmente complexa como nação, denominada eufemisticamente de Período Especial em Tempos de Paz, ocasião em que, muitos disseram: “Cuba não cai porque não tem para onde cair”. Permeado por câmbios em todas as esferas da sociedade, esse contexto foi desencadeado pelo desmoronamento do antigo campo socialista e dos signatários do Consejo de Ayuda Mutua Económica (CAME), com os quais o país mantinha relações comerciais que alcançavam um percentual significativo de aproximadamente 85%, tanto na importação como na exportação.

A recuperação de Cuba baseou-se em dois eixos: o desenvolvimento do turismo, por falta absoluta de outra saída, e o investimento em biotecnologia. O país se obrigou, em razão da perda de seus mercados do açúcar, a fechar a maior parte das centrais açucareiras e, bruscamente, os campos de cana forma convertidos em culturas de subsistência.

O turismo, na forma atualmente desenvolvida, não foi uma opção do governo, do Estado ou da revolução cubana. Essa constituiu a única solução, quando no começo da década de 90, Cuba estava praticamente sem o mínimo combustível necessário. As cidades às escuras com apagões, algumas indústrias, termoelétricas e fábricas fechadas, pois o fornecimento (compra) de petróleo da antiga URSS acabou e nenhum país queria vender petróleo a Cuba, que não dispunha da suficiente entrada de divisas em moedas fortes para buscar no mundo o que era necessário. Provavelmente, poucos países teriam resistido a condições tão adversas. A recuperação, que veio em um crescente de 1994 a 2003, foi combinada com as estratégias internas e com condições externas favoráveis: as mudanças nos governos de direita na América Latina, para regimes de centro e centro-esquerdo, assim como a radicalização do governo na Venezuela. A China atualmente é a maior parceira comercial de Cuba.

Tal como mostram estudos de muitos analistas, incluindo aqui os adversários do povo cubano – reacionários burgueses e esquerdistas –, Cuba tem devolvido um sistema de saúde e educação universais, apesar de todas as pressões. Nas questões de segurança, Cuba é uma dos países do mundo com baixíssima criminalidade. O formato societário cubano não inclui a incerteza brutal que nos mantém em estado de alerta contra assaltos à mão armada, sequestros, balas perdidas e outras formas de crimes frequentes nos países alinhados ao capitalismo da era globalizada.

Esta análise não exclui o registro da precariedade de moradias, especialmente nas zonas de grande concentração urbana de Havana, as deficiências no abastecimento de água e energia elétrica, as dificuldades no serviço de transporte e no recolhimento de lixo urbano. Salienta-se ainda que as limitações engendradas na crise surgida com o Período Especial não acarretaram o abandono de prédios escolares, o fechamento de hospitais, o fenômeno dos “meninos de rua” e de populações excluídas pelo sistema de saúde.

É precisamente sua habilidade em atender às demandas necessárias, porque o povo detém o poder, que a revolução dá respostas às suas necessidades. Enquanto muitos regimes caíram nas urnas ou foram derrotados no terreno ideológico, dos valores, da ética e da cultura, a Ilha se mantém firme na construção de seu socialismo, tão autóctone quanto as suas palmeiras.

Apenas para citar algumas iniciativas, em 2007, a frota dos ônibus da Viação Astro, disponível à população, foi totalmente remodelada com novas unidades. O governo cubano adquiriu da China, entre 2001 e 2002, um milhão de televisores em cores, o que, para uma população de pouco mais de dez milhões de habitantes, atinge potencialmente cerca de um terço dos domicílios. Não se trata simplesmente de uma compra isolada, mas o reconhecimento do novo papel da televisão dentro de um conjunto de medidas para enfrentar os novos desafios da Revolução Cubana, como parte do movimento de universalização da cultura.

Nos últimos anos todos os refrigeradores antigos fabricados na URSS foram substituídos por novos, vindos de vários países, em especial da China, distribuídos para todas as regiões do país e integralmente (na ilha inteira) as casas receberam o direito de fazer a troca de qualquer refrigerador antigo. Para implementar a racionalização do consumo de energia em 2006, foram distribuídas em todo o país, pois lá a solução não é para beneficiar poucos apenas, panelas elétricas conhecidas como ‘reinas’, o que facilitou muito o trabalho de cozinhar. Para o início do ano escolar de 2003-2004, os programas de computação beneficiavam cem por cento das matrículas de educação básica, incluídas as rurais, com 46290 computadores instalados, para o que foi necessário eletrificar com coletores solares 2368 escolas, das quais 93 contavam com apenas um aluno.

A associação entre Cuba e as empresas de diversos países ocorre dentro do sistema de joint venture, com empreendimentos conjuntos entre o Estado cubano e os empresários do México, Brasil, Itália, França, Portugal, Canadá e Espanha, entre outros, que se dispuseram a enfrentar o bloqueio. Difere de uma sociedade comercial simples, porque se relaciona a um único projeto, onde a associação é dissolvida automaticamente após o término do contrato. As empresas entram com o material de construção, que não há em Cuba, montam o hotel e têm o direito de exploração conjunta com o Estado, por certo tempo. Por exemplo, o Hotel Habana Libre, um edifício de quase 20 andares, que foi construído pela rede Hilton, antes da revolução, foi se deteriorando e não havia de onde obter internamente o necessário para a reforma geral.

Elevadores, carpetes, revestimentos, peças sanitárias e muito mais estavam em franca decomposição, desde o início dos anos 90. Isso tem que pesar nas análises que se faz de Cuba, uma ilha, bloqueada, onde existe muita beleza natural, pouca matéria prima e raras fontes alternativas viáveis de energia. Esse hotel, ainda que integrado à Rede Trip, pertence ao Estado cubano. A cadeia não é proprietária, mas apenas tem o direito de explorar parte do negócio. Quando os cubanos conseguiram – a duras penas – quebrar o bloqueio, que se acirrou fortemente com o fim do CAME e da URSS, e fizeram esses contratos, as brigadas de construção civil foram de imediato a Varadero, uma vez que era uma questão de sobrevivência.

Localizada no privilegiado Mar do Caribe, a amena temperatura e o regime de chuvas tropicais modelaram uma paisagem motivadora, que Cristóvão Colombo, em 1492, descreveu como la tierra más hermosa que ojos humanos jamás vieron. O célebre geógrafo Alejandro Humboldt, no século XVIII, observou as extensas e lindas praias, a diversidade da flora e fauna, como um espaço de abundância e rico em belezas naturais. Nos campos da Sierra de Escambray, entre montes cobertos por uma profusão de palmas reais, o céu é fortemente azul. Apenas quem nunca passou dificuldades na vida pode imaginar que Cuba teria que decretar um auto-bloqueio. Nesse contexto vem uma indagação: de onde Cuba poderia tirar as divisas imprescindíveis ao país, para importar o que a Ilha não produz: trigo, leite em pó, carne bovina, algodão, enfim, tudo que é necessário, abrindo mão do turismo? Cuba é cercada de cayos, conjuntos de pequenas ilhas, mas esses deveriam permanecer desertos?

Em janeiro de 1961, Washington, unilateralmente, ao romper as relações diplomáticas com Cuba, proibiu seus cidadãos de visitar a ilha. As ações exercidas contra Cuba não se enquadram na definição de “embargo”, ao contrário, transcendem e tipificam um bloqueio. No bloqueio, guerra de baixa intensidade, sem bombas e estado de sítio, morte lenta por asfixia, se afeta o comércio, a saúde, a educação e o ensino, o transporte, as comunicações, a tecnologia, a ciência, a produção energética, a produção industrial, a produção agrícola e, certamente, tudo isso incide de forma desfavorável na qualidade de vida do povo. Sobre a Lei de Ajuste Cubano, promulgada em agosto de 1966, mediante a qual os Estados Unidos admitem a entrada ilegal dos cubanos, lhes concede residência e a possibilidade de trabalhar. O seu objetivo é transformar o tema em ferramenta de permanente desestabilização.

Quando entrou em vigor, em 1996, a Lei Helms-Burton, de caráter extraterritorial, estabeleceu a suspensão de fundos às instituições financeiras que fizessem negócios com Cuba. Essa legislação viola não somente as leis internacionais, mas os próprios princípios dos EUA.

Em seu artigo IV – “Proíbe o acesso ao território dos EUA a todos os traficantes: diretores de empresas, assessores, familiares destes, etc”. Este título não pode ser suspenso ou negociado pelo presidente dos EUA, sendo a primeira vez que ao chefe da Casa Branca é retirado o poder no âmbito das relações internacionais. Entre os tais “traficantes” estariam os dirigentes e acionistas das empresas, que fazem negócios com o Estado cubano: Stet/Itália; Demos/México; Sherrit/Canadá; Sol-Meliá/Espanha e Pernod-Ricard/França. Ainda em 1996, a União Européia apresentou uma queixa na OMC contra os EUA, alegando a ilegalidade da lei Helms-Burton, que violaria muitos acordos internacionais sobre o livre comércio, até mesmo os que os próprios EUA haviam forçado aprovação, tempos atrás, em instituições internacionais. Perante esta acusação, os EUA responderam que se condenados pela OMC recorreriam a uma das cláusulas dessa organização que permite não aceitar a decisão, por colocar em perigo a própria segurança nacional.

AS TRANSFORMAÇÕES RECENTES

Cuba está no mundo e com o mundo: somos parte orgânica e protagonista da sociedade planetária que nasce hoje, nos umbrais no novo milênio (CASTELLANOS SIMONS).

No segundo semestre de 2010, o governo cubano anunciou a demissão de 500 mil funcionários dos serviços estatais nos próximos seis meses. Em contrapartida, as autoridades em Havana determinaram a ampliação do número de permissões para se trabalhar por conta própria e abrir pequenas empresas, com medidas para legalizar o que já existe na prática, relativo à utilização de mão de obra para o setor privado. Como foi anunciado, as demissões teriam o objetivo de "suprimir os enfoques paternalistas que desestimulam a necessidade de trabalhar”.

Na percepção de muitos analistas, essas mudanças ocorrem para retirar a população da inércia habitual e mobilizá-la coletivamente, transformando antigos traços culturais de acomodamento e expectativismo em relação à ação paternalista das autoridades. Sem dúvida, há setores onde a indisciplina laboral é grande. Uma pessoa, ao entrar numa loja em Cuba para fazer uma compra, não raras vezes, encontrará vendedores conversando e nenhum disposto a atendê-la. Ou passará pela experiência de ir a um banco no horário de funcionamento e encontrar um aviso na porta: fechado para inventário. Outra coisa são os desvios praticados contra a propriedade comum a todos. Trabalhar numa padaria e vender farinha, numa fábrica de charutos e comercializar desde caixas prontas, até a madeira que seria para fazer as caixas. Isso já foi apontado pelas autoridades e por muitos setores sensíveis da sociedade cubana: o maior inimigo de CUBA não é o imperialismo, mas a corrupção interna.

Segundo as estimativas, 25% da produção nacional atualmente são desviadas para o mercado negro. Aos membros do partido tudo se cobra e por vezes o chefe de uma corporação é penalizado com suspensão de meses, perda do cargo ou até prisão, pelas fraudes praticadas em uma empresa. Os casos de corrupção, em geral, são oriundos de esferas que nada têm com a revolução, com o PCC ou com o socialismo. Recentemente a Folha de São Paulo publicou matéria, apenas mais uma entre as centenas tendenciosas contra CUBA, onde se argumenta que no bairro de Guanabacoa, em Havana, há certa concentração de pessoas que vivem da venda de caixas de charuto. De onde saíram as folhas de tabaco, a madeira, os selos e as fitas?

Segundo eles, são famílias que vivem desse comércio fora das lojas oficiais, como se isso fosse aceitável. É nesse sentido que as reformas devem ocorrer, na tentativa de evitar que a corrupção se expanda nos meios de produção. Os planos atuais não são apenas econômicos, uma vez que envolvem as esferas política, ideológica, social, cultural e comportamental. A participação dos trabalhadores, representativa, substantiva, decisória e cooperativa não está e nem poderia se tornar alheia ao processo que busca a ampliação das bases produtivas do país. A crítica que se faz é justamente essa: durante muitos anos os cubanos se acostumaram ao paternalismo, acomodados à espera dos benefícios vindos de cima.

A escola, em particular, vem apresentando lacunas na formação adequada de indivíduos verdadeiramente motivados à prática laboral. Esse fenômeno atingiria, particularmente, a geração mais jovem nascida após a Revolução, sem memória existencial do passado, acostumada a receber os serviços propiciados pelos organismos estatais, com pouco esforço pessoal. Paradoxalmente, muitas conquistas ocorridas após a Revolução no campo social, como a garantia de pleno emprego, os serviços médicos e educacionais gratuitos, o baixo preço das tarifas de transporte e dos programas culturais, enfim, as políticas de distribuição mais equitativa podem ser consideradas fatores responsáveis pela acomodação e pela indisciplina. Apenas com lições não se forjaria uma nova consciência, uma vez que é necessária participação no esforço coletivo.

Os meios de produção, considerados patrimônios do povo, não estão plenamente tomados pelo esperado sentimento coletivista. Os problemas não ocorreriam apenas pela oposição ao trabalho, porque, como valor, ele é aceito pela sociedade cubana, mas a questão se encontra na interiorização dessa idéia e sua transformação em convicção, que nem todos possuem, muito menos quando essa convicção necessita ser transformada em conduta efetiva. Assim sendo, são os cubanos, protagonistas das lutas de resistência no país, que exigem entre outras transformações, atitudes muito simples, como o cumprimento de horários e responsabilidade no trabalho. Um ponto final no descompromisso e falta de empenho é a tônica das mudanças. Muitas situações de descaso nos ambientes de trabalho são intoleráveis à população local.

A Central de Trabalhadores de Cuba (CTC) recentemente afirmou que o excesso de vagas é de mais de um milhão nos setores orçamentário e empresarial. A CTC alega que "o Estado não pode nem deve continuar a manter empresas com quadro de funcionários inflados, que criam empecilhos para a economia e deformam a conduta dos trabalhadores". A maioria das vagas cortadas será em setores burocráticos do governo, especialmente nos Ministérios do Açúcar, Saúde Pública e Turismo. Aos demitidos serão oferecidas vagas em atividades estatais nos setores com déficit de trabalhadores, como agricultura, magistério, polícia e construção. A idoneidade de cada operário será o quesito analisado para se decidir quem fica no cargo e quem será demitido. Para tal foram criadas comissões de estudo dos casos. Este trabalho de racionalização é uma necessidade imperiosa e será realizado por um grupo de especialistas do movimento sindical. Apenas a título de exemplo: a refinaria que se montará em Matanzas, a partir de 2011, requererá cerca de 5000 construtores.

O que se demonstra com essas medidas é uma nítida tentativa de oposição à irracionalidade burocrática e à tendência de negar espaços aos trabalhadores, que comprometiam de forma negativa os vínculos entre pensamento e ação, acirrando a distância entre as políticas oficiais e as necessidades do país. Ainda que o sistema, nos moldes atuais, apresente uma estrutura centralizadora, as pessoas nunca deixaram de demonstrar a tomada de consciência, quanto ao seu papel crítico aos questionamentos dos determinismos burocráticos, no estilo “se acata, pero no se cumple”, que foi a regra de ouro diante de decretos do colonialismo espanhol.

O governo revolucionário implementou medidas, com o intuito de fazer justiça e de conseguir o máximo de igualdade; entretanto, elas têm sido sistematicamente violadas pela população, uma vez que no entendimento de algumas correntes, as necessidades seriam uma questão de sobrevivência. Movendo-se entre acatar as leis e violá-las, o cubano concebeu um jogo de dupla moral, num par dialético equivocado e numa advertência aos legisladores que não conseguiram ao longo do tempo senão desacreditar a legalidade de algumas medidas concebidas para ser burladas, em razão de sua irrealidade. Por esse motivo, será emitido um número aproximado de 460 mil licenças para os cubanos abrirem seus próprios negócios e mais de cem tipos de atividades profissionais particulares passarão a ser permitidas, uma vez que na prática elas já existem. O propósito de tais mudanças é incrementar a produtividade e a eficiência.

Dentre as atividades amplamente exercidas, mas que não tinham regulamentação, é possível citar: marceneiro, encadernador de livros, encanador, pedreiro, amolador de facas, treinador de animais, cuidador de crianças e de enfermos, eletricista, manicure, cabeleireiro, barbeiro, fabricante de coroa de flores, fotógrafo, jardineiro, instrutor de automóvel, massagista, costureira, alfaiate, pintor, borracheiro, professor de música, professor particular, relojoeiro, consertador de bicicleta, reformador de colchões, consertador de óculos, tapeceiro, sapateiro, entre outras. O que busca o Estado é eliminar a prática comum em outros tempos, dos malfadados inspetores atuando para saber a forma como determinadas atividades se processavam e passar a outro patamar: dar às pessoas o direito de exercerem um trabalho, pagarem seus impostos e seguirem tão comunistas como sempre. Alguns exemplos:

• Na década de 90, quando foram liberados os pequenos restaurantes em casas (os Paladares), apenas se autorizavam 12 lugares para os clientes e a mão de obra no estabelecimento seria restrita ao interior da família, ainda que nem sempre, entre os parentes, haveria pessoas dispostas a participar dessa iniciativa. Isso criou uma situação de ilegalidade aos que trabalhavam nesses locais, sem registro, pois eram inexistentes para o Estado. Com a nova regulamentação, o olho severo prossegue, uma vez que os donos dos Paladares podem atender dispondo somente de 20 lugares e contratar mão de obra, com assentamento legal para os que realizam o trabalho nos referidos restaurantes.

• Outra atividade autorizada nas casas há quase 10 anos, com o pagamento de impostos, é o aluguel de até dois quartos, destinados a quatro pessoas, no máximo. Para tal, o dono da moradia tem que garantir as condições necessárias por lei. Uma delas é que nas residências não vivam menores de 18 anos. Essas normas estão mantidas e a inovação é que o dono da casa poderá contratar mão de obra para ajudar no seu funcionamento, como no caso dos restaurantes caseiros.

• Uma questão complicada nos últimos tempos é a dos táxis, até agora estatais. O uso desse meio de transporte tornou-se sensivelmente abusivo para quem depende dele: embora exista taxímetro, supostamente obrigatório, entre os motoristas há o hábito de não ligá-lo. As corridas ocorrem ao bel prazer e o preço também. E sem ter que nada investir em combustível, na manutenção ou na compra do carro, isso virou um negócio fantástico aos que querem viver de ataque aos bens públicos. A ideia presente nas transformações atuais é entregar o carro, mediante um contrato de venda, ao motorista, que será o proprietário, sem que ele possa vender ou especular com o veículo. E a gasolina também será administrada por conta própria.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na percepção de muitos, que conhecem e acreditam nos esforços de avaliar os erros para não repeti-los, o enfoque das mudanças está centrado no desenvolvimento das forças produtivas com o peso dos elementos históricos, culturais e sociais de Cuba. Essas mudanças em nada afastam o Estado do seu papel no socialismo, em clara contraposição às ações dessa instituição no capitalismo, num grande desafio que todos os marxistas do mundo deveriam assumir como seus. Como pediu Raúl Castro, em discurso pontuado por mensagens dirigidas aos líderes sindicais cubanos, que eles resistam à "tendência perniciosa" de esconder as falhas do regime.

O que se tem em vista é evitar equívocos como a cristalização de princípios, que impossibilite a interpretação da realidade atual, que ignore ou despreze as novas experiências. Nada de omnisciência dos clássicos, de dogmatismo e de extremismos, porque os partidos marxistas–leninistas jamais podem opor os textos à realidade, jamais podem desmentir as contingências que surgem no caminho. Nas palavras do cubano Guillermo Rodríguez Rivera:

Isla que ha sido y es encrucijada, tierra de ingravidez histórica, en la que soplan siempre vientos encontrados, impulsados por la borrasca o la calma del mar inacabable; lugar donde se escucha siempre el canto de las sirenas que nos convoca a ser lo que no somos, los cubanos persistiremos en esa identidad que nos hace incólumes a todas las influencias. Mientras más cerca se halla el cubano de una influencia devastadora, más reciamente se resiste a dejarse dominar por ella. Ahí opera esa ingravidez, esa volubilidad de un país regido por las brisas, por el oleaje del mar que fluye e refluye, siempre capaz de escapar de todo lo que intenta transformarlo, por tener un alma inalcanzable que ni él mismo conoce en su plenitud.