Morumbi, bairro nobre de São Paulo. Na antevéspera do primeiro turno da eleição presidencial de 2010, um morador da região vai à banca de jornal e resolve fazer política (ou algo próximo a isso) enquanto se arma de suas leituras favoritas. Na hora de acertar a compra das publicações – Veja, Folha e Estadão, claro! – aproveita para avisar aos funcionários da banca de jornal o que eles podem e devem fazer. “Vocês podem votar em qualquer um, mas na Dilma de jeito nenhum. Na Dilma não, hein, não dá para eleger essa mulher!”.

E assim, sem desenvolver qualquer argumento, a não ser o da intimidação, o rapaz se vai. Moço rico, bem arrumado, quase 2 metros de altura, simpático que só ele. Mas destilando preconceito – contra uma candidata, contra a política, contra os próprios eleitores. Esbanjando autoritarismo. Despertando o que há de pior em cada um de nós e em nossa sociedade.

É, meus caros. É assim que a elite brasileira está fazendo política hoje. A cena, infelizmente, foi real. E tive o desgosto de presenciá-la. Foi um dos motivos que me fez participar mais da política nesse segundo turno, em defesa do direito das pessoas em votar nos candidatos que julgarem os melhores para o país. Em defesa da livre consciência. Em defesa dos direitos políticos mais essenciais de cada brasileiro e brasileira.

No Brasil colonial, o voto era censitário. Só votavam os mais ricos. Durante muito tempo, mulheres não podiam votar, ao lado de soldados rasos, indígenas e outros grupos sociais. O voto universal foi um direito conquistado a duras penas e que só se tornou efetivo a partir da segunda metade dos anos 1940, após a queda da ditadura de Vargas. E, mesmo com a ampliação dos grupos que tinham direito a votar, durante longos anos os brasileiros votaram sob medo, constrangimento, controle. Sob o voto de cabresto.

Nas eleições deste ano, há setores no país que querem voltar a esse tenebroso passado. Desqualificam o voto dos mais pobres. Pergunto a eles: esses não deveriam votar, agora que criaram autonomia para votar de forma diferente à dos patrões? O ideal seria a volta do voto censitário, portanto? E, se tal caminho não se pode percorrer em retorno, voltemos ao voto de cabresto?

Na minha visão, é disso que se trata. Há grupos trabalhando novamente a política no Brasil por meio da intimidação, do constrangimento, da coação, do preconceito, da discriminação. A demissão de Maria Rita Kehl do Estadão, por escrever artigo discutindo tais problemas, é situação exemplar e lamentável nesse sentido.

Mas uma coisa é certa. O povo brasileiro, que lutou para derrubar uma ditadura, não se calará tão facilmente. Quem lutou para conquistar sua dignidade e uma vida melhor não aceitará a volta da “lei do mais forte”. Quem quer, realmente, um Brasil melhor, que trabalhe por ele, se organize por ele, participe dos debates e embates por ele. Que não se intimide. E que respeite o direito de todos – bem como respeite cada pessoa, cada eleitor, cada cidadão, cada irmão.

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Tonho Biondi, 32 anos, é jornalista e estudante de Direito na USP

Fonte: Carta Maior