No Brasil, são vários os programas que destinam recursos para pesquisa e desenvolvimento (P&D) em pequenas empresas. Mas, dentre eles, destaca-se um modelo adotado, em 1997, pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e contemplado, a partir de 2002, pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

O programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas, ou PIPE, da Fapesp, dá apoio à pesquisa inovadora em pequenas empresas de São Paulo. Os projetos, voltados para áreas tecnológicas, são selecionados e, conforme vão cumprindo normas, objetivos e prazos, passam de estágios (são três ao todo), recebem mais recursos e, finalmente, alcançam o mercado. O mesmo ocorre no âmbito federal, por meio do Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (PAPPE), executado pela Finep.

As semelhanças entre os dois programas não são casuais. O segundo foi influenciado pelo primeiro, estadual, que, por sua vez, é uma adaptação do Small Business Innovation Research (SBIR), maior programa dedicado à inovação de MPEs nos Estados Unidos. Para compreender o mecanismo desses programas, Brasilianas.org procurou, antes, responsáveis pelo programa nos EUA e também microempresários de lá, que permitiram estabelecer paralelos entre os sistemas brasileiro e norte-americano.

O pai ianque

A XIA LLC, localizada em Hayward, Califórnia, e a Voxtel, instalada em Beaverton, Oregon, são duas pequenas empresas que se originaram do ambiente acadêmico e que, sem os recursos que receberam do SBIR, não poderiam existir.

O programa norte-americano já incentivou a inovação de 19.069 MPEs desde sua criação, em 1982. Só em 2011, o orçamento disponível será de US$ 2,6 bilhões, dissolvido nas dez agências que executam o SBIR pelo país. Esse valor representa 2,5% que deve ser repassado a MPEs, por meio das agências, o que está estabelecido na Public Law 97-219. Entre as agências está o Departamento de Defesa (DOD, na sigla em inglês), a National Aeronautics and Space Administration (Nasa), a National Science Foundation e o National Institute Of Standards and Technology (NIST).

Considerado o maior produtor de padrões do mundo, o instituto nacional de metrologia norte-americano, o NIST, é também tido como um dos principais braços do SBIR. Suas ações, dentro do programa, são relacionadas às ciências e engenharias relativas aos processos de normatização e medições, o que garante a qualidade de muitos novos produtos. As duas empresas em questão receberam os benefícios do NIST.

Especializada no desenvolvimento e fabricação de dispositivos fotônicos, fotodetectores e nanocristais, a Voxtel recebeu, por cerca de 10 anos, mais de US$ 1 milhão. De acordo com o porta-voz da empresa, George Williams, muitos produtos apoiados pelo SBIR são depois aproveitados pelo governo federal, que acaba se tornando um cliente. Isso facilita o desenvolvimento de algumas pequenas empresas, mas não favorece muito a competição.

Para William Warburton, da XIA, o produto produzido graças ao SBIR, para medir a emissão de raios Alpha, mostra os problemas de se enfrentar os grandes mercados. A empresa recebeu recursos do SBIR a partir de 2006 e, desde então, já foram gastos mais de US$ 1,5 milhão neste único projeto.

“No nosso caso, tivemos sorte de ter dinheiro suficiente vindos de outras vendas, que ajudaram a compensar o novo projeto. Os instrumentos serão vendidos por aproximadamente US$ 60 mil e, para daqui a cinco anos, são projetadas vendas entre US$ 10 e US$ 15 mil, o que é muito pequeno para atrair a atenção de capitalistas de risco”, explica Warburton.

O problema a que se referem tem a ver com a estrutura do programa, que é dividido em três fases. Na primeira, são abertas concessões acima de US$ 100 mil durante aproximadamente 6 meses. Nesta etapa, a empresa deve provar a viabilidade tecnológica do projeto.

Na próxima fase, as concessões são acima de US$ 750 mil, durante 2 anos, e é quando o trabalho de P&D é desenvolvido, assim como uma avaliação do potencial de comercialização do protótipo. Na última etapa, o SBIR deixa de financiar o projeto; é quando a inovação sai do laboratório e vai para o mercado. A partir daí, a empresa precisa encontrar fundos no setor privado, ou de outros programas, o que geralmente traz dificuldades para muitas delas.

Segundo Warburton, essa transição da segunda para a terceira fase é problemática, o que seria amenizada caso se disponibilizasse também assistência no processo de comercialização, capaz de conectar os inovadores com o mundo dos negócios. Mesmo assim, Williams, da Voxtel, acredita que “o programa é importante, pois ainda é o único jeito para MPEs sobreviverem no país”.

O nosso SBIR

Longe do Oregon e da Califórnia, mas mantendo sotaque de estrangeiro – mais precisamente de alemão -, Volkmar Ett administra a Electrocell, pequena empresa fundada em São Paulo, nascente do Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec).

Em 2005, a firma foi aprovada pelo PIPE, da Fapesp, para desenvolver um projeto para a fabricação de placas de grafite, utilizadas em células de combustível. A necessidade surgiu depois de Ett desistir da importação de uma das matérias-primas, oriunda dos EUA e da Alemanha, por ser de alto custo e qualidade inferior.

Assim como ocorre no SBIR, no PIPE a empresa também deve passar por três fases, obedecendo a critérios e exigências bastante semelhantes ao programa norte-americano. Na primeira fase, a Electrocell recebeu aproximadamente R$ 80 mil e, na etapa seguinte, mais R$ 200 mil.

Entretanto, ao chegar no último estágio, a empresa de Ett contou com aquela ajuda que tanto faltou a Warburton, na Califórnia. Graças à parceria que há entre a Fapesp e a Finep – ou seja, o PAPPE-PIPE III -, a Electrocell recebeu mais R$ 400 mil. Depois desse reforço, exatamente na etapa mais dramática, em que a empresa precisa firmar seu novo produto no mercado, a Electrocell passou a usar as placas inclusive para fabricar outros produtos.

Conforme afirma Ett, o programa de financiamento de fato não substitui o capitalista, nem a bolsa de valores, que ainda estão distantes das MPEs. Por esta razão, não significa que sem os programas de financiamento as pequenas empresas estejam fadadas ao fracasso, “elas apenas continuariam a ser sempre ‘micro”, avalia.

Em relação às críticas feitas pelos empresários dos EUA, Ett acredita que não haja problemas no SBIR, mas sim naqueles que se beneficiam dele. “Se a pesquisa realmente resulta num produto vendável, deve-se estar preparado para saber usar conhecimentos de administração”, ressalta. A saída que sugere seria haver também incentivos, desde o começo, para a formação de sociedades entre pesquisadores e pessoas com experiência em administração ou vendas, tanto aqui como nos EUA.

Diálogos entre os programas

A Finep hoje concentra os principais programas federais de incentivo à inovação de MPEs. Por meio de sólidas parcerias com fundações de amparo à pesquisa dos estados, e também com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a Financiadora possibilita o reforço de outros programas, como é o caso do PAPPE

Segundo dados fornecidos pela Finep, desde 2006, o PAPPE Subvenção já repassou para 17 estados cerca de R$ 150 milhões. O PAPPE Integração, lançado este ano e direcionado para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, tem disponível R$ 100 milhões. Esses recursos são repassados aos parceiros mencionados, e servem justamente para fortalecerem mais a musculatura de programas como o PIPE. Sem falar do Subvenção Econômica Nacional, que não é exclusivo para MPEs, mas que, em 2009, 81% dos projetos abarcados eram de MPEs.

De acordo com o ex-diretor científico da Fapesp, e atual presidente da Recepta Biopharma, José Fernando Perez, o PAPPE foi totalmente influenciado pelo programa que ajudou a implementar em São Paulo. Ele conta que, após a diretoria científica ter tido contato com o projeto do SBIR, para fazer um parecer, foi tida a idéia de trazê-lo ao Brasil. “Pela primeira vez a palavra ‘empresa’ entrava no dicionário da Fapesp”, conta.

Em entrevista ao Brasilianas.org, o chefe do Departamento de Parcerias Tecnológicas do NIST, Paul Zielinski, explica que a inovação trazida pelo SBIR é o fato dele focar o setor empresarial, onde a maioria das novas tecnologias prospera.

“Devido ao fato dos riscos e das despesas na condução de políticas para P&D estarem muitas vezes além dos meios que as MPEs possuem para sobreviverem, o repasse de recursos públicos as protege e as coloca no mesmo nível das grandes empresas”, explica Zielinski.

Perez afirma que, aqui no Brasil, não havia iniciativa semelhante a essa. Logo de início, a versão brasileira do SBIR enfrentou resistências. Uma, de natureza ideológica, não concebia a idéia de se repassar dinheiro público para empresas privadas. Outra, como diz Perez, “mais perigosa”, que afirmava que o programa não daria certo. “Fizemos adaptações para o Brasil e no fim superamos as expectativas”, afirma.

As diferenças entre o SBIR e o PIPE (e também o PAPPE) são muito pequenas. As normas são muito parecidas, até mesmo com relação à propriedade intelectual. Na França, por exemplo, o modelo é deferente. Lá, se a empresa dá certo, o Estado deve compartilhar os benefícios com as empresas. Mas, segundo Perez, “isso é besteira”, pois a última coisa que uma empresa quer ter é um sócio estatal. Aqui, assim como nos EUA, a propriedade intelectual é da empresa, o que representa o retorno social do investimento.

Ao saber das críticas que os dois empresários dos EUA fizeram à reportagem, Perez é categórico: “Não se trata de uma muleta eterna”. Para o ex-diretor científico da Fapesp, o empurrão serve para que a empresa possa depois buscar financiamentos de empresas de capital de risco. E ainda coloca que, nos EUA, a situação é melhor, pois a empresa de capital de risco brasileira tem disponibilidade de recursos menor e são um pouco mais avessas a riscos mais ousados.

O problema a que se deveria deter atenção é com relação à desarticulação que há entre os diversos atores institucionais no Brasil. Para Perez, seria importante que se articulasse programas do CNPq, da Finep, da Fapesp etc, a fim de se gerar uma sinergia entre eles.

“Os programas acabam ficando pulverizados pelos estados, o que dá muito trabalho para as empresas, pois muitas vezes você tem que apresentar um mesmo projeto para finalidades diferentes. E ocorre de ter aprovação em um programa, e no outro não”, avalia.

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Fonte: Brasilianas.org