Somente na década de oitenta começamos a ter um conjunto mais denso de publicações no setor (o que não quer dizer que não existissem outras antes desse marco temporal). Podemos citar, por exemplo: O que é política cultural de Martin Cezar Feijó (1983); Estado e cultura no Brasil organizado por Sergio Miceli e Política cultural de Marilena Chauí, Antonio Candido, Lelia Abramo e Edélcio Mostaço, ambos de 1984; Política cultural comparada de Sergio Miceli e Maria Alice Gouveia (1985) e Usos da cultura. Políticas de ação cultural de Teixeira Coelho (1986).

Não é o caso de sair indicando as publicações que se seguiram sobre a temática desde então. Seria um trabalho exaustivo e insosso para o leitor desta resenha. Para os interessados, vale consultar o site do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (CULT – http://www.cult.ufba.br) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) que disponibiliza uma bibliografia atualizada sobre política cultural.

É justamente do CULT que vem a motivação dessa reflexão inicial. O Centro realiza um dos mais importantes encontros acadêmicos sobre cultura, o "Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura – ENECULT", onde os trabalhos sobre política cultural têm encontrado espaço generoso para o debate.

Mas também é responsável por uma coleção de livros, editada pela EDUFBA, que aborda as questões culturais a partir de vários ângulos de análise. Um deles é o das políticas culturais. Já foram publicados dois títulos sobre o assunto (Políticas culturais no Brasil e Políticas culturais na Ibero-América), fortalecendo nossa ainda capenga bibliografia, como afirmei acima. Agora sai um terceiro livro, organizado por Albino Rubim e intitulado Políticas culturais no Governo Lula.

Como explica o organizador, a idéia da coletânea surge inicialmente da pesquisa "Políticas culturais no Brasil: Itinerários, atualidades e desafios contemporâneos" desenvolvida por Rubim com apoio do CNPq. Mas também dos trabalhos de graduação em Produção em Comunicação e Cultura e de pós-graduação em Cultura e Sociedade, ambos cursos da UFBA. Daí a presença de inúmeros alunos entre os autores dos textos reunidos.

São 14 capítulos que exploram diversos programas e ações do Ministério da Cultura (MinC) durante as gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira. Na impossibilidade de comentar todos eles, enumero os temas abordados: a questão da participação social; o Plano Nacional de Cultura; a formação em organização cultural; as políticas de financiamento; o Programa Cultura Viva; as políticas para o audiovisual e para a cultura digital; as políticas para o livro e a leitura; as políticas de museus; a presença do MINC nas políticas internacionais, inclusive na Convenção sobre a Diversidade Cultural; as políticas para a diversidade da cultura brasileira, com destaque para a capoeira (aliás, o artigo que trata das políticas culturais para a capoeira, com seu recorte bem específico, destoa do restante que possui abordagem mais generalista).

Há certamente um desnível entre os textos, resultado dos diferentes momentos de formação de seus autores que são desde graduandos até doutores. Assim, alguns conseguem aprofundar mais o debate, ousando interpretações densas e categorizações. Outros permanecem em um nível mais descritivo, sem descolar muito dos dados empíricos. Contudo, todos têm o mérito de discutir uma experiência que ainda está em curso, o que é sempre muito arriscado.

Independente do resultado, há uma socialização de informações que são fundamentais para futuras reflexões e pesquisas sobre este momento fundamental das políticas culturais no Brasil. Afinal, somente em épocas de autoritarismo (Estado Novo e Regime Militar) tivemos tamanho investimento por parte do governo federal no campo da cultura. Daí a necessidade do olhar atento para percebermos o funcionamento desta política setorial em tempos de democracia.

Muitas das questões a serem observadas são levantadas por Albino Rubim em seu texto que abre a coletânea, com destaque para o modo como o governo Lula vem (ou não) enfrentado o que Rubim denomina de três tristes tradições das políticas culturais no Brasil: 1. ausências; 2. autoritarismo; e 3. instabilidades. Outro ponto a ser explorado é o dos deslocamentos que a atual gestão provocou no MinC. Como, por exemplo, a sua maior institucionalização; a sua atuação mais republicana, portanto, menos restrita ao eixo Rio-São Paulo; sua atuação transversal na articulação com outros Ministérios.

Portanto, o livro Políticas culturais no Governo Lula é obra imprescindível para a compreensão não apenas das políticas culturais no Brasil, mas para o entendimento desde momento ímpar da vida política brasileira como um todo. Longe de ser a análise de um setor, temos aqui questões fundamentais para o debate acerca da cultura política nacional.

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Alexandre Barbalho Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFB. Professor dos Programas de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UECE e em Comunicação da UFC, onde pesquisa sobre políticas de cultura e de comunicação. Autor, entre outros, de: Relações entre Estado e cultura no Brasil (Unijuí, 1998) e A modernização da cultura (EDUFC, 2005).

Fonte: Terra Magazine