Essa é uma interessante e, até certo ponto, provocativa tese sustentada por dois economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI), Jukka Pihlman e Han van der Hoorn, em estudo publicado há alguns dias. O trabalho não cita nenhum país em especial, mas a carapuça serve direitinho também no Brasil, que na época resgatou recursos de suas reservas internacionais aplicados em bancos estrangeiros.

Aos primeiros sinais de crise, em fins de 2007, o BC brasileiro sacou pelo menos US$ 17 bilhões em depósitos, “por medida prudencial e temporária, motivada pelo cenário internacional de crise de crédito”, segundo explicações fornecidas no balanço da instituição.

Do ponto de vista individual, sustentam os dois economistas, faz todo o sentido os bancos centrais protegerem os seus recursos. Quando é analisado o conjunto da obra, porém, eles fizeram exatamente o oposto do que se esperaria. Em tese, os bancos centrais devem contribuir para acalmar os mercados, e não para deixá-los mais nervosos. Nesta crise, eles agiram como qualquer investidor privado, tirando dinheiro de aplicações mais arriscada para aplicar em títulos do Tesouro americano, ainda considerado o ativo mais seguro do mundo.

Os dois economistas ressaltam que não falam, necessariamente, em nome do FMI. Mas, para entender todas as dimensões do estudo, é bom saber que o FMI tem combatido o acúmulo de reservas internacionais pelos países emergentes, como Brasil, China e Coreia.

Para os países emergentes, as reservas são uma espécie de seguro, que reduz o risco de revoadas de capital estrangeiro em períodos de incerteza. Mas, se os países acumularem reservas para se proteger das crises, para que servirá o FMI, se esse organismo multilateral foi criado para agir em crises de balanço de pagamentos?

A tendência de acúmulo de reservas foi inaugurada a partir de 1998, quando os países asiáticos quebraram. Para evitar novas crises, passaram a ter superávits em conta corrente e a acumular reservas. A soma das reservas internacionais mantidas pelos bancos centrais do mundo todo passou de US$ 1,8 trilhão para US$ 8,5 trilhões entre 1998 e 2009. O Brasil continua a acumular reservas, que cresceram US$ 14 bilhões neste ano, chegando perto de US$ 253 bilhões.

Inicialmente, as reservas eram investidas sobretudo em títulos de governos de países de baixo risco, como os Estados Unidos. O aumento dos volumes de reservas e a queda nos juros internacionais, porém, levaram os banqueiros centrais a aplicar as reservas em ativos de maior risco, como depósitos em bancos. Na crise, eles desmontaram rapidamente essas aplicações mais arriscadas.

Em fins de 2009, o economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, soltou um pequeno texto (”Reservas internacionais ajudam a evitar a crise?”) em que tenta derrubar a tese de que as altas reservas internacionais ajudaram algumas economias a atravessar a crise sem maiores estragos. A controversa conclusão de Blanchard é que países que acumularam mais reservas, como a Rússia, não se saíram melhor do que países que tinham menos reservas, como a República Dominicana, quando o termômetro é a desaceleração da atividade econômica depois da crise.

De fato, a Rússia é um bom exemplo de que altos volumes de reservas, por si só, não deixam os países imunes contra crises. Os russos gastaram altos volumes de reservas defendendo uma taxa de câmbio. O México também administrou mal suas reservas na crise. Daí a extrapolar para a conclusão de que as reservas não servem para nada vai um longo caminho. A experiência do Brasil na crise comprova que as reservas ajudam, desde que bem administradas.

O FMI argumenta que acumular reservas é muito caro e cria desequilíbrios entre as economias. O diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, advoga a ampliação das linhas de financiamento aos países em dificuldades, para torná-la menos dependente de condicionalidades, como apertos fiscais. Uma das ideias em estudo, é uma linha de “swap” de moedas similar àquela que os Estados Unidos ofereceram ao Brasil, Coreia e outros países durante a crise financeira mundial.

Na essência, o FMI tem razão. É muito caro e ineficiente acumular reservas e seria mais barato ter uma linha de contingência que pudesse ser sacada nos períodos de crise. O acúmulo de reservas também produz desequilíbrios entre as economias. Os superávits em conta corrente dos países emergentes tiveram como contrapartida os déficits e endividamento das famílias nos Estados Unidos, um dos responsáveis pela crise atual.

O problema é que os países emergentes simplesmente não acreditam no FMI, que é visto como um clube gerido pelos países ricos para impor seus interesses aos países menos desenvolvidos. Sem uma reforma que dê legitimidade ao organismo, os países emergentes tendem a acumular mais reservas internacionais.

__________________________________________________________________

Fonte: jornal Valor Econômico