Luziânia foi a cidade escolhida pelo governo federal por simbolizar no território nacional o critério do programa – uma cidade com mais de 200 mil habitantes e sem uma única sala de cinema. Foi promovida uma caravana de exibidores, produtores, cineastas e políticos de todo o país para o Centro de Convenções de Luziânia. O presidente Lula ouviu atentamente todos para, depois, sempre em grande estilo de comunicador, fechar o encontro com o seu dom peculiar de encantador de plateias, contando “causos”, provocando os seus interlocutores e transferindo a eles o desafio de ações mais efetivas.

A chegada a Luziânia acentuou o sentimento de tempos perdidos que sempre volta ao se cruzar como forasteiro uma cidade do interior. Vê-se na passagem do centro comercial a selvageria predatória em edifícios históricos e bucólicos, todos tomados pela anarquia de fachadas e marcas gigantes. A Lei Kassab de cidade limpa bem que podia ser nacional. Mas, enquanto ela não contagia prefeituras Brasil adentro, segue-se nivelando por baixo o gosto popular.

Para não ficar com a impressão de estarmos em uma cidade exemplar de povo sem cultura cinematográfica, lá estão pelas calçadas do comércio os indefectíveis ambulantes com suas ofertas de DVDs piratas. A contravenção tolerada vai corroendo o status quo.

Na sua vez de falar à plateia e ao presidente, o prefeito Célio Antônio da Silveira (PSDB) apontou com orgulho o nosso ponto de encontro, o Centro de Convenções, dizendo que, sim, ele estava também equipado para exibir filmes. Os arquitetos do Brasil deveriam estudar melhor as plantas de cinemas.

Na maioria das vezes, enterram para sempre o sonho de cinema no auditório que projetam. Ou seja, não os projetam nem com cabines de projeção nem com pé-direito suficiente para que na sua distância até o palco a abertura de um ângulo de projeção permita uma imagem em tela grande ou grande proporcional ao tamanho da sala e ao número de assentos. O prefeito se equivoca ao dizer que o seu novo centro também era um cinema, sem cabine de projeção, com uma tela retrátil acanhada e um projetor digital para passar DVDs à plateia.

É esse atraso que o programa lançado pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) quer enfrentar. Seu presidente, Manoel Rangel, trouxe para mostrar uma apresentação ilustrada e deve ter deixado os seguranças de Lula de cabelos arrepiados ao pedir que se deixasse a sala no escuro para projetar o seu Power Point. É por ele que fomos lembrados de tempos melhores que as plateias tiveram no Brasil – em 1975, por exemplo, com uma população de 75 milhões de habitantes, foram vendidos 275 milhões de ingressos. Era também quando tínhamos 3.300 salas magníficas de cinema espalhadas pelo país, uma para cada 30 mil habitantes. É o que se quer voltar a ter hoje nos bairros periféricos e na maioria das cidades do interior.

Rangel lembrou que decaímos em 1997 para pouco mais de mil salas de cinema, que essa defasagem foi recuperada nos últimos 12 anos, mas ainda é pouco pelo espaço perdido. Que hoje somos o 60º país em número de habitantes por sala (80 mil), atrás da Argentina (38 mil), do México (27 mil), da França (11 mil) e dos Estados Unidos, obviamente a plateia mais culta cinematograficamente falando, com 8 mil habitantes por sala.

Esse novo arranjo brasileiro de salas de cinema nos últimos 12 anos, na observação de Rangel, ocorreu de forma concentrada e privilegia áreas de renda mais alta nas grandes cidades. Assim, “populações inteiras foram excluídas do universo do cinema e continuam mal atendidos o Norte e o Nordeste, as periferias urbanas, as cidades pequenas e médias do interior”. A lei da oferta e procura não parece relevante nessa discussão.

O ministro da Cultura, Juca Ferreira, como palestrante seguinte, voltou a lembrar o seu empenho pela descentralização da produção cultural do eixo Rio-São Paulo.

De acordo com o gráfico da Ancine, considerando que até 2014 teremos 114 milhões de pessoas na classe C, seria preciso aprontar 900 novas salas de cinema só para atendê-las. Descentralizar, expandir a oferta de serviços audiovisuais e ampliar o parque exibidor são as novas palavras de ordem dessa política cultural. Para isso, as suas metas até 2014 são abrir 600 novas salas de cinema, não deixar nenhum município com mais de 100 mil habitantes sem sala de cinema, crescer em 30% na venda de ingressos, atingir a meta de 60 mil habitantes por sala e digitalizar metade das salas de cinema existentes.

A garantia da nova linha de crédito para salas de cinema veio na presença do presidente do BNDES, Luciano Coutinho. A taxa de juros do FSA irá de 0% ao máximo de 4% ao ano, dependendo da prioridade do projeto. A prioridade A, com juros de 0% de empréstimos, fica para cidades sem salas de cinema, do Norte e Nordeste, e centros históricos das grandes cidades.

Ao tomar o microfone, Lula conquistou o público ao contar que chorou ao assistir a “Cinema Paradiso” (1988), do italiano Giuseppe Tornatore. Depois, falou que os brasileiros têm de enfrentar as adversidades no setor: “É preciso que a gente mapeie, sem o ar de lamentação, o problema brasileiro”. Esse mapeamento diz respeito à possibilidade de retorno financeiro a quem decidir investir nas salas de cinema.

Lula lembrou que o público tem de ser atraído para o cinema, principalmente nestes tempos em que há opções de qualidade na televisão. “Penso que nós somos um pouco vítimas, também, da qualidade da televisão brasileira”, disse. Segundo ele, programas como as novelas prendem as pessoas em casa. “Então, se nós quisermos tirar a pessoa de casa, nós não podemos apenas dizer: ‘Vá para o cinema!’ Nós precisamos oferecer algumas vantagens: a vantagem na qualidade e a vantagem no que a pessoa vai ganhar ao sair de casa”.

“Temos que oferecer uma coisa chique, que eu aprendi a falar há pouco tempo: porque nós podemos oferecer uma sala ‘multiuso’ Precisa chegar a ser presidente para falar ‘multiuso’…”, brincou Lula. De acordo com o presidente, o espectador precisa ter a certeza de que sairá para frequentar um lugar confortável e seguro.

Quase ao fim do discurso, muito aplaudido em várias passagens, Lula pareceu sugerir a volta da Embrafilme, empresa estatal produtora e distribuidora de filmes brasileiros criada pelo regime militar em 1969 e destruída em 1990 pelo então presidente Fernando Collor. São do tempo da estatal os maiores recordes de público do cinema brasileiro. “O Cinema perto de Você é apenas o primeiro passo. O segundo passo vai depender da criatividade de cada um de nós, inclusive das pessoas do cinema. Porque eu, sinceramente, acho que nós precisamos, se for o caso, ter empresa pública para distribuir, porque senão as de Hollywood vão ocupar todo o espaço”, afirmou Lula.

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Fonte: jornal Valor Econômico