De fato era necessária uma reação da política econômica em contrapartida a um processo econômico muito aquecido que se desenvolvia no período, mas duas questões deveriam merecer uma análise mais aprofundada do governo. A primeira, diz respeito ao instrumento de política a ser acionado para modular o ritmo da demanda: era adequado “calibrar” economia exclusivamente através do manejo da taxa básica de juros? A segunda é atinente ao diagnóstico do impulso do primeiro trimestre de 2010: a grande evolução aí ocorrida passou a ser a norma da economia ou pode ser considerada consequência de um momento econômico especial e atípico?

No primeiro tema, a observação pertinente é que o governo talvez tenha postergado demais o término dos incentivos fiscais concedidos na compra de automóveis e outros produtos e que colaboraram de forma relevante para uma superação mais rápida da crise internacional. O fim dos benefícios fiscais se deu na virada do ano para bens duráveis e em março para automóveis. Também deveria ter reduzido gastos de custeio como viria a fazer mais tarde. Nesse ponto, cabe ressaltar a conhecida inflexibilidade de contenção de despesas públicas no país, dada uma rígida estrutura de gastos devido a inúmeras vinculações. Mas, pelo menos, a política econômica deveria ter adotado medidas para a contenção da evolução do crédito que entre fins do ano passado e início desse ano foi excessivamente forte no financiamento das famílias e conferiu um extraordinário impulso ao consumo. Foi esse o mais destacado fator de “aquecimento” da economia na entrada de 2010.

Em parte, faltou, portanto, uma maior coordenação da política econômica para articular as ações das áreas fiscal e de crédito com a política monetária. O aumento pelo Banco Central da taxa de juros em abril e novamente em junho foi a providência central para atacar o problema que, a propósito, não apresenta a gravidade que muitos querem crer.

De fato, o tratamento da segunda questão deve relevar que no primeiro trimestre de 2010 houve uma descompressão nas expectativas dos agentes econômicos após um ano em que a precaução dominou as decisões de famílias, empresários e banqueiros devido ao receio dos efeitos da crise internacional. Sendo assim, o período foi único em termos de vigor do crescimento, já que assistiu ao retorno simultâneo e intenso do consumo, do investimento e do crédito.

Nesse trimestre ainda teriam lugar eventos com grande repercussão no nível de atividade econômica, mas que não se repetirão ao longo do ano, caso da perspectiva do fim das reduções de impostos para automóveis e outros produtos que aceleraram tanto a produção industrial quanto as vendas do comércio entre fins de 2009 e meses iniciais desse ano. A Copa do Mundo também impulsionou a produção e as vendas de televisores no primeiro e no segundo trimestre de 2010.

Em função desses fatores e de uma base deprimida devido à retração do ano anterior a produção industrial e o volume real de vendas do varejo aumentaram extraordinariamente na comparação do primeiro trimestre desse ano com o mesmo período do ano passado: 18,2% e 12,8%.

Mas a análise dos últimos resultados da indústria e do comércio mostra que já há uma acomodação do crescimento econômico Em ambos os setores, o mês de abril registrou queda na comparação com o mês anterior. No primeiro caso, a redução foi de 0,7%. Ainda refletindo uma base de comparação muito baixa no ano passado, em relação a abril de 2009 o aumento da produção da indústria chegou a 17,4%. No comércio, os eventos atípicos causaram maior impacto. Em abril, na comparação com março, houve diminuição de 3%, e a variação em relação a abril de 2009 foi positiva em 9,1%. No conceito mais amplo de varejo, que inclui os setores de carros, motos e autopeças e de material de construção, a redução foi ainda maior, 4,7%, puxada pelo retrocesso nas vendas de automóveis após o fim da isenção de tributos.

A economia brasileira terá uma expressiva expansão em 2010, mas ela não justifica o choque de juros pretendido por tantos analistas financeiros. A economia ganharia muito se o governo exercesse um maior controle do crédito ao consumo.

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Julio Gomes de Almeida é professor da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

Fonte: Terra Magazine