Keynes mostrou que as decisões de investimento, variável-chave na determinação dos níveis de renda e emprego são sensíveis a elementos de ordens objetivas e subjetivas que ditam o compasso de uma economia empresarial-monetária. Esses elementos determinam o grau de preferência pela liquidez dos atores econômicos em determinado momento. No capitalismo, a incerteza radical impõe a incognoscibilidade do futuro, o que lança instabilidades diversas e imanentes à dinâmica econômica.

O desenvolvimento, nas economias capitalistas, tende a caracterizar-se como estruturalmente instável, pois as decisões empresariais são descentralizadas e tomadas a partir de meras expectativas quanto à evolução das variáveis-chave do sistema. Não estão, assim, assegurados estágios de desenvolvimento articulados e irreversíveis. O ritmo de crescimento e de investimento, bem como o grau de capacidade ociosa planejada das empresas, apenas de forma coincidente (e rara) atinge proporcionalidade ajustada entre os diferentes setores. Como as decisões empresariais são influenciadas pelas perspectivas de crescimento da demanda agregada, políticas monetárias restritivas podem obstaculizar o desenvolvimento.

A arte da política macroeconômica, assim, consiste em promover o desenvolvimento e, ao mesmo tempo, fazer com que as instabilidades imanentes a esse processo não sejam tais a ponto de comprometê-lo. As flutuações tendem a ser mais acentuadas nas situações em que prevalecem sistemas produtivos heterogêneos. No curto prazo, o aumento do investimento mostra-se condicionado pelo crescimento esperado da demanda e contribui para acentuar a procura corrente. Embora não convenha permitir que o ritmo de expansão da demanda agregada supere a capacidade de oferta – que se tem expandido-, é inegável que a existência de pressões de demanda constitui “per se” fator condicionante das decisões de inversão e preços das empresas.

Logo, a taxa de inflação a ser perseguida pelo Banco Central e o arranjo institucional que orienta a condução da política monetária são determinantes para a viabilização de um projeto nacional de desenvolvimento em bases sólidas.

O regime institucional de metas para a inflação, notadamente em seu formato atual não reconhece os desafios ensejados pelo processo tardio de desenvolvimento capitalista brasileiro. Sua assunção acrítica impõe um debate alienante de política macroeconômica e monetária, em particular. Transforma a taxa de câmbio em simples instrumento de desinflação, ao invés de um mecanismo essencial para a execução de uma política de desenvolvimento – condição que, ademais, restringe a tão propalada “autonomia da política monetária”, pseudo-resultante da comunhão entre câmbio flutuante e liberdade de capitais. Pode, em determinadas circunstâncias, impor um ônus demasiado à sociedade, abortando trajetórias de expansão econômica.

Não se trata, claro, da recomendação de um arranjo de política econômica leniente com a inflação. Trata-se, sim, de compreender o processo de desenvolvimento brasileiro a partir de uma abordagem capaz de transcender os limites impostos pelo saber convencional – cada vez mais questionado depois da crise global recente -, com vistas a superar o atual “triângulo de ferro” da política macroeconômica. De um entendimento que aponta para a necessidade de políticas públicas estruturantes (reforma fiscal, sistema financeiro de longo prazo, desindexação financeira, etc.) voltadas à superação de obstáculos ao crescimento da renda e do emprego, capazes de solidarizar a política econômica a um projeto nacional e socialmente inclusivo de desenvolvimento.

No âmbito da política macroeconômica, requer-se, ainda, a adoção de um regime pautado no compromisso com a estabilidade do poder de compra da moeda – que pode ser realizado sem o regime de metas para a inflação -, no câmbio administrado e na política fiscal anticíclica – isso para não mencionar, evidentemente, a necessidade da política industrial enquanto instrumento de desenvolvimento. A sociedade brasileira merece um debate eleitoral que vislumbre alternativas ao atual “triângulo de ferro” da política macroeconômica.

____________________________________________________________

José Carlos Braga é professor livre-docente do Instituto de Economia da Unicamp.

Giuliano Contento Oliveira é professor-doutor do Instituto de Economia da Unicamp

Fonte: jornal Valor Econômico