Cito, a título de ilustração, empresas nacionais ícones que fecharam ou foram vendidas a estrangeiros, tendo recebido substancial apoio governamental e subsídios financeiros, principalmente da FINEP e do BNDES: Villares, Eletrometal, Engesa, Mafersa, Gurgel, Cobra, Gradiente (tenta um prosaico renascer), Metal Leve, bem como nos exemplos mal sucedidos nos setores de construção naval, eletrônicos, telecomunicações, instrumentação e automação, consumo duráveis e microeletrônica (a Transit, na década de 70, antecedeu aos atuais sucessos internacionais de fabricantes de chips na Coreia, Taiwan e China).

Os raríssimos casos de sucesso tecnológico e empresarial (que receberam substancial apoio institucional e financeiro), como no caso da Biobras (Insulina), foi vendida à Novo Nordisk, sem qualquer centavo de ressarcimento aos cofres públicos. Tal fato seria inconcebível de ocorrer nos países asiáticos. Recentemente, a Votorantin Novos Negócios vendeu (R$ 300 milhões) para a multinacional Monsanto a Cana Vialis e a Alellyx (biotecnologia), após receber subsídios governamentais.

Mais trágico nesse processo é que a quase totalidade das empresas nacionais que foram “perdidas” é anterior ou contemporânea das atuais exitosas potências coreanas (Samsung, LG, Hyundai), e nos exemplos, mais recentes, das empresas chinesas situadas nos mais variados setores industriais (Huawey, ZTE, Lenovo, Haier, BYD, Chevry) que concorrem em pé de igualdade com as gigantes internacionais. Vale mencionar, igualmente, o destaque indiano no setor de software (Infosys, Tata, Wipro).

No contexto da presente discussão, vale destacar alguns fatores que colocaram o Brasil em desvantagem em relação aos asiáticos:

1) Falta de coesão governamental; falta de cultura de cooperação e coordenação da burocracia; mudança constante de direção; superposição de áreas de atuação; com as trocas de governo apaga-se o já feito ou trocam-se os nomes dos programas para justificar os egos dos novos entrantes (”Nova” Política Industrial e Tecnológica); recorrente risco dos órgãos governamentais não disporem das informações mais relevantes, e serem capturados ou adotarem decisões que beneficiem empresas ou grupos politicamente influentes;

2) A China e a Índia (e os países asiáticos de forma geral) crescem mais que o Brasil há quase trinta anos; ademais, a perda de terreno do Brasil no desenvolvimento industrial e tecnológico deve-se, também, a um conjunto de restrições de políticas econômicas adotadas, representando a “planilha de custos” para as empresas (inflação, infraestrutura, excesso tributário, juros elevados e câmbio sobrevalorizado);

3) O comodismo empresarial no país, ocasionado pela ajuda generosa do governo e sem exigir contrapartidas e limite temporal, acabou enfraquecendo o conjunto das empresas, uma vez que elas não foram forçadas a competir para ganhar competitividade; cabendo, ainda, salientar, que o poder político do setor privado no Brasil sempre foi maior que nos países asiáticos;

4) No Brasil, a empresa privada não tem tradição de investir em capacitação tecnológica e inovação, importando até pouca tecnologia; é alarmante o pequeno número de patentes registradas; e mesmo quando a empresa importa tecnologia (absorção), permanece indefinidamente atualizando as cópias, ficando o processo de desenvolvimento tecnológico bloqueado;

5) Sabe-se que a geração de inovação tecnológica está nas empresas e não nas universidades e centros de pesquisa, além de quase inexistir uma ligação entre as empresas privadas e a base de pesquisa local (institutos e universidades); ressalte-se que, nos últimos anos, de forma geral, o avanço no processo de capacitação tecnológica e de inovação no Brasil, andou para trás, o que torna claro que incentivar a capacitação tecnológica e a inovação nas empresas privadas é um dos grandes desafios do país – não é casual que multinacionais (GE, Siemens, Novartis, Samsung) tenham centros de pesquisas na China e na Índia e não exista nenhum exemplo no Brasil;

6) É fato que as multinacionais investem no Brasil visando quase exclusivamente o mercado interno, enquanto que na China, elas investem, visando, basicamente, às exportações. Além disso, são raríssimos os casos de sucesso de empresas brasileiras no setor exportador de manufaturas: Embraer, Marcopolo, Taurus e WEG. É conhecido o exemplo da Zona Franca de Manaus que, por seu formato, visa concentradamente o mercado interno, provocando distorção econômica permanente. Por outro lado, a predominância de multinacionais na ZFM torna o discurso de processo de inovação ocioso nos seus setores de atuação.

Como foi visto, o Brasil tem um longo e penoso trabalho a fazer, ou refazer. Não basta formular e implementar políticas corretas por certo tempo, elas devem ser perseguidas permanentemente. Esse processo iniciado há décadas, parece longe de tomar o rumo adequado, a despeito de nossa já longa maturidade industrial e de iniciativas recente animadoras, como a criação pelo setor público dos Fundos Setoriais, marco no incentivo ao processo de inovação pelo setor privado.

A lição dos países asiáticos é que suas políticas foram importantes para sustentar o crescimento acelerado e a participação crescente de produtos com maior conteúdo tecnológico nas suas pautas de exportação. Desde a ascensão do Japão, vindo depois a da Coreia, Cingapura, Taiwan e Malásia e agora com a entrada da China (manufaturas) e da Índia (serviços), o Brasil vem amargando crescente perda no mercado de manufatura e em capacitação tecnológica. A comparação do desempenho brasileiro em relação a esses países asiáticos mostra uma expressiva falta de dinamismo, contrastando com o fato de que até a década de 70, o Brasil estava à frente deles, exceto o Japão. É hora de olhar o futuro e corrigir nossos graves equívocos. Oremos.

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Sergio Alves é engenheiro e consultor

Fonte: jornal Valor Econômico