Serra, o candidato, aventurou-se em território exótico. Foi ser figurante de programa policial, o do Datena. Em ambiente muito distinto dos que costuma frequentar o alto tucanato, decidiu jogar o jogo. E era um tal de engaiola p’ra cá, malditos p’ra lá, que a empolgação o levou à derrapagem: sacou, à queima-roupa, um tal Ministério da Segurança.

Surpreendido por essa crise de “inchaço da máquina”, súbita e distoante, seu entorno foi rápido no gatilho. Até editorial crítico Serra ganhou, publicado por jornal que o apóia, com o título de “Desafinado”. Era inaceitável, para seus pares, um discurso que, ainda que obviamente eleitoreiro, fazia ruído na campanha pelo “estado mínimo; esbelto, porém musculoso”.

Chamado às falas, o candidato perdeu o eixo. Improvisou um mercado de “breganha”, como se diz em Taubaté, e anunciou que, “para compensar”, eliminaria, entre outras, a Secretaria de Assuntos Estratégicos – a SAE -, caso inverta a onda e logre ser eleito.

Para além da evidente irresponsabilidade de conduzir uma campanha para tentar ser presidente de um país, da importância e porte do Brasil, à base de um troca-troca de ocasião, há que se examinar as razões reais da escolha do alvo.

Afinal, um Serra “ex-ministro do Planejamento”, “homem de visão de futuro”, “economista, engenheiro e gestor científico” sempre foi o modelito cantado, em verso e prosa, pelos marqueteiros que se dedicam à montagem de sua imagem pública.

Logo ele, o planejador par excellence, querendo desmontar o principal instrumento de elaboração de estratégias para o Estado brasileiro? Estranho. Porém facilmente explicável.

Recorra-se, por exemplo, à recente entrevista do Ministro Samuel Pinheiro Guimarães, titular da SAE. Ele narra a encomenda que lhe fez, em outubro de 2009, o presidente Lula: um projeto abrangente, articulado e factível para o Brasil aos duzentos anos de sua independência política. A Secretaria dedica-se, desde então, à elaboração e discussão pública, com toda a sociedade, do Plano Brasil 2022.

Estão em circulação, neste momento, apenas as linhas mestras de formulação do Plano. E já bastam para eriçar as penas da “turma dos 30%”, aquela que gosta e quer um Brasil aos pedaços, em que só parte dos brasileiros e trechos do território nacional fazem parte do círculo dos incluídos. O que Lula pediu – e a SAE colocou em debate – é um projeto de Brasil includente e dinâmico, um Brasil que pode muito mais do que imagina ou deseja o pensamento de asas curtas dos tucanos.

Quais são as questões estruturantes desse projeto? De início, aumentar significativamente a participação dos salários na renda nacional. Ou, traduzido para o tucanês, pisar no freio da orgia de ganhos financeiros sem risco, das sobretaxas de lucros, derivadas de oligopólios ou monopólios privados, e distribuir renda de forma mais justa. Em economês neoliberal, heresia.

Outra meta é trazer o Brasil de volta às suas taxas históricas de crescimento – 7% ao ano – e libertar-nos dos “vôos de galinha”, típicos do período 1995-2002, quando atingir um patamar de expansão anual do PIB da ordem de 3% era objeto de comemoração – e de início de pânico nas hostes do “inflacionismo”, pois não concebem um Brasil à altura de seus potenciais.

Mais idéias que alicerçam o Brasil 2022: erradicar o analfabetismo pleno e o funcional; eliminar a pobreza absoluta (pessoas com renda diária abaixo de US$ 2/dia, hoje 21% dos brasileiros); incorporar os beneficiários do Bolsa-Família ao setor produtivo; e reduzir a zero o déficit de seis milhões de moradias.

Nessa entrevista, o ministro Samuel afirmou: “Durante muito tempo, segundo os estudos da OCDE, o Brasil foi um dos países que mais cresceram no mundo, até que entrou em estagnação. Portanto, não são metas irreais. Em determinados momentos de nossa história, nós crescemos de forma muito superior a 7%. Outros países crescem a esse nível. Não é fora da capacidade do povo brasileiro.”

Já o douto Maílson da Nóbrega, apoiador explícito de Serra, faz coro com os que querem parar o Brasil. Em declaração à imprensa “[…] diz que esse ritmo de expansão é improvável num horizonte tão curto [sic; o horizonte é 2022] e, caso se confirme, pode gerar desequilíbros […] Quem fez esse estudo estava no mundo da lua.”

Para os brasileiros, que estão com os pés na Terra e os olhos no futuro, não é nada difícil entender porque Serra não gosta da SAE.

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Artur Araújo é consultor especializado em gestão pública e empresarial

Fonte: Carta Maior