As avenidas amplas no centro da cidade e a arquitetura de seus prédios mais antigos remontam ao passado colonial, quando Saigon era parte da Indochina francesa. Fundado há mais de 300 anos, às beiras do rio que deu origem a seu nome, o município também foi tocado pelo dedo planificador de Georges-Eugène Haussmann, o barão que remodelou Paris entre 1852 e 1870.

Mas nas colônias tudo era impuro. Os funcionários do império, com suas roupas elegantes e costumes ocidentais, se misturavam à massa de camponeses que circundava e alimentava a cidade. A arquitetura que se pretendia imponente estava ilhada pelos campos de arroz e borracha.

A longa guerra pela independência, contra franceses e americanos, quebrou os muros que separavam aristocratas e camponeses na paisagem urbana. O desenvolvimento econômico, antes e bem depois do conflito, fez a sua parte. Os vietnamitas encravaram na antiga capital do sul seus edifícios estreitos e cumpridos, de dois ou três andares, sua lojinhas acanhadas, o comércio ambulante.

Depois que todas as levas de invasores foram empurradas da porta para fora, Saigon virou Cidade de Ho Chi Minh. Quando os últimos americanos escaparam de helicóptero, do telhado de sua embaixada, em 1975, pela primeira vez deixou de ter donos estrangeiros.

Os primeiros momentos foram dramáticos. Os empresários sulistas, ligados aos norte-americanos, levaram embora seu capital, tecnologia e muitos funcionários. O bloqueio ocidental interrompeu as artérias da economia. A miséria e a fome pareciam ser a vingança dos derrotados contra o burgo colonial que ganhara o nome do líder comunista.

Apenas o período de renovação, iniciado em 1986, tiraria Ho Chi Minh do cadafalso. Mais de 20 anos depois, transformou-se no principal centro econômico e urbano do país. Não disputa a primazia política com Hanói, a capital, mas é nas suas ruas que o mundo voltou a falar com o país da estrela dourada.

Um quinto do produto interno bruto do Vietnã sai da cidade. Um terço do orçamento federal por aqui é arrecadado. Quase 8 milhões de pessoas trabalham ou vivem em Ho Chi Minh, uma espetacular densidade demográfica de 3,4 mil habitantes por quilômetro quadrado. As bicicletas foram praticamente substituídas por vespas e pequenas motocicletas. Cinco milhões desses veículos com duas rodas transitam todos os dias.

A apenas 60 quilômetros do Mar da China, o porto fluvial de Ho Chi Minh tornou-se um atrativo para a instalação de grandes empresas importadoras e exportadoras. Os novos investimentos, associados às mudanças da vida no campo, promoveram a expansão de um amplo setor de serviços, da atividade turística e da produção industrial.

Motor do país

Hotéis de todas as categorias espetam a paisagem. Centros comerciais são construídos sem pausa. Ho Chi Minh pode não ter a elegância ou a organização de outras grandes cidades do mundo, mas não há nada no portifólio de suas congêneres que também não exista na velha Saigon.

Mais de 300 mil empresas foram criadas, algumas de grande porte, que atuam nas áreas de alta tecnologia, eletrônica, processamento de alimentos, construção civil e produtos agrícolas. Quinze parques industriais e zonas de exportação concentram as iniciativas de caráter estratégico.

Enquanto o Vietnã cresceu 5,3% em 2009, a cidade bateu nos 8%, repetindo a performance dos anos anteriores. Dos 3 milhões de turistas que visitaram o país, mais de 70% passaram pela ex-capital colonial.

“Nós somos o motor do país”, afirma Nguyen Trung Truc, integrante da comissão política do Partido Comunista. “Temos a responsabilidade de executar os principais projetos de infraestrutura e desenvolvimento”.

Os objetivos são ousados. O comitê popular da cidade, responsável por sua administração, desenvolveu um plano diretor que vai até o ano 2050, mas está detalhado para a próxima década. De acordo com esse planejamento, Ho Chi Minh terá de 20 a 22 milhões de habitantes em dez anos. Chegará ao fim do período estudado com 30 milhões de moradores.

Reforma

Além de sua área atual, a região do munício passaria a abarcar imediatamente oito províncias ao sul, formando uma área de 30,4 mil km2 – atualmente são apenas 2 mil km2. Esse território hoje responde por 57% da produção industrial vietnamita, 60% das exportações e 47% do orçamento estatal. A meta, nada modesta, é fazer de Ho Chi Minh o maior polo econômico da Ásia.

Toda a nova megalópole seria distritalizada, fixando distintas atividades econômicas e projetos habitacionais para cada núcleo. A região central, transformada em centro financeiro, seria descongestionada. Bairros industriais seriam construídos nos arredores, perto da moradia dos trabalhadores que atualmente se deslocam quilômetros para seus empregos. As fábricas mais poluentes ficariam distantes.

Sistemas de metrô e ônibus constituiriam uma alternativa de transporte coletivo entre os distritos. Grandes parques e jardins seriam erguidos, como espaços de lazer e para reduzir os danos ambientais. A área central acabaria esvaziada sem afetar a paisagem, os locais históricos e a herança arquitetônica.

Pressão demográfica

A ambiciosa reforma urbana permitiria à cidade acomodar a pressão demográfica e estabelecer novos satélites de desenvolvimento. Desde que começou a abertura, muitos vietnamitas migram para Ho Chi Minh atrás de emprego, formando cinturões de residências precárias. O atual desenho do município não permite mais a expansão da economia em ritmo adequado e a construção de moradias decentes.

Alguns criticam a solução que está sendo estudada. Alegam que milhares de camponeses dos anéis periféricos perderiam o usufruto da terra. Ainda que recebessem compensações financeiras, como é previsto, teriam seu futuro ameaçado.

As autoridades, no entanto, afirmam que a produção agrícola estaria preservada na reorganização dos distritos. Mas enfatiza que os agricultores menos produtivos, ou seus filhos, irão preferir trabalhar nas novas empresas, aproveitando a indenização prometida para investir em algum pequeno negócio paralelo ou na construção de casas. Além do mais, apostam suas fichas nos polos tecnológicos do distrito de Go Vap, já em funcionamento, e que incluem terras para agricultura orgânica e de alta tecnologia.

Imóveis

Outro perigo atende pelo nome de especulação. Os mais ricos poderiam promover uma forte concentração imobiliária. O governo relativiza essa hipótese. “Nós temos uma estrutura de impostos crescentes para quem compra mais de uma residência”, afirma Truc. “Além do mais, o direito ao usufruto de terras e terrenos só pode ser adquirido mediante projetos de investimentos aprovados pela administração.”

As intenções dos administradores de Ho Chi Minh ainda dependem do governo central. Depois de concluídos os estudos, Hanói precisa dar sua concordância. Apesar de arrecadar impostos sobre moradia e serviços, a cidade depende do orçamento nacional para implementar seus fabulosos planos.

Não é só isso. Os chefes do país vão ter de aceitar o risco de criar uma megalópole que pode desequilibrar a relativa harmonia entre as distintas regiões. Apesar da reunificação do país, o norte parece seguir vigilante para que o sul, ao erguer a ponte principal em direção ao ocidente e ao capitalismo, não acabe abrindo caminho para novos dissabores ao Vietnã socialista.

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Breno Altman é jornalista, editor do site Opera Mundi

Fonte: Opera Mundi