Cinquenta e dois anos após a instalação da ditadura militar, aproximadamente um milhão de pessoas se mobilizou apenas convocados pela aliança contida na Frente Brasil Popular. Mais uma vez, o circo midiático que patrocina primeiras páginas, telejornais em uníssono, mapas e horários das manifestações golpistas escondeu completamente o chamado para o dia 31.

Somando-se as inúmeras atividades das últimas duas semanas, quem nelas estiveram puderam constatar o seguinte: a) amplia-se a presença ativa das camadas médias incluindo juristas, intelectuais, artistas, e estudantes – estes passando a proliferar debates e atos em universidades do país, de modo autônomo ou em geral inorgânicos; b) massas populares não militantes que orbitam em torno das organizações sociais, moradores das periferias longínquas começaram a participar com decisão e entusiasmo; c) o ambiente unitário e democrático das manifestações dá coesão e combatividade de um arco muito plural de correntes mais ou menos organizadas, orgânicas.

As manifestações visivelmente massivas ocorreram logo a seguir ao espetáculo desastroso do anúncio de “rompimento” do PMDB com o governo Dilma, orquestração manietada às claras pelo insistente golpista e vice-presidente Michel Temer.

Resumindo, as imagens de lideranças degeneradas do partido à frente da reunião (de “três minutos”) foram assim descritas pelo ministro do STF Roberto Barroso: “Olhei e meu Deus do céu, essa é a nossa alternativa de poder”; por outro lado, para o jornalista Clovis Rossi – fiel cão de guarda da oligarquia Frias – aquelas fotos só podem fazer “suar frio” quem as vê, pois “o rompimento do PMDB apenas acrescenta anomalia à podridão” (FSP, 31/03/2016).

Não à toa o editorial do Estadão de 1º de abril – sempre entre ranger de dentes – acusou bem o golpe: “Ontem o panorama já era diferente: a despeito do Diretório Nacional determinar “a imediata saída”, todos os seis ministros passaram a demonstrar que gostariam de continuar ministros” referindo-se a seis dos sete ministros do PMDB no governo. Mas a questão não está equacionada e se remete a uma necessária reorganização do governo.

A “força-tarefa” do Estado de exceção

“Soberano é aquele que decide do estado de exceção” (Carl Shmitt, “Théologie politique”. Paris: Gallimard, 1988, p. 15.) 

A situação política criada, que evoluiu para uma definida campanha de “cerco e aniquilamento”, desenhou desta feita uma espécie de operação “em pinça”, a atingir Dilma e depois Lula.

O movimento golpista, sempre apoiado pelos liberais vira-latas nucleando as forças que atuaram em 1954 e 1964, foi amplamente tramado pelo juiz Sérgio Moro, comparsas do MPF, e a ala neofascista da Polícia Federal. O juiz parece pretender exercitar bem sua condição de discípulo do teórico que fundamentou as teses do nazismo, Carl Shmmit.

Note-se ainda: em 1998, Sérgio Moro e a colega juíza federal Gisele Lemke cursaram por um mês um “programa especial” na Faculdade de Direito da Universidade de Harvard; em 2007, Moro participou de um curso de três semanas no Departamento de Estado americano para “líderes em potencial” – informou o Washington Post!

Esse juiz de Curitiba, que de atabalhoado nada tem, andou justificando suas condenadas arbitrariedades declarando que “os partidos e os governos de hoje não tem condições de resolver a crise do país”; dias depois que “Até o príncipe está sujeito à lei”, numa menção às teorizações de Maquiavel, para justificar a prisão disfarçada – e impedida! – do ex-presidente Lula.

Ofensiva para liquidar a soberania nacional e os direitos conquistados

Ou seja, desde as tentativas de derrubada do ex-presidente Lula, a partir de 2005 (a farsa grotesca do “mensalão”) trava-se no Brasil verdadeira guerra para que se soerga um novo projeto nacional de desenvolvimento anti-hegemônico à globalização neoliberal comandada pelos imperialistas americanos.

Nos marcos de um ano e cinco meses de obsessiva, neofascista e caluniosa marcha pela derrubada do presidente Dilma Rousseff, o impeachment é absolutamente fraudulento e farsesco. Deve chamar a nossa atenção, sem qualquer firula, a postura guerreira e firme que a presidenta tem exibido, desde as primeiras tentativas dos golpistas da direita neoliberal contra seu legítimo mandato. Igualmente apoiada no PT, no PCdoB, no PDT e outros aliados, nas organizações de massas progressistas, estudantis e centrais sindicais, assim como também em numa franja crescente de importantes intelectuais que bem conhecem a história das lutas de classes no Brasil.

Diferentemente da campanha também sistemática, lembremos, contra Lula, agora até setores do grande capital (A FIESP comandada por Skaf; a Associação Comercial de São Paulo e outros) incitam e financiam sem qualquer pudor o golpe, à luz do dia. Opostamente, recordemos, o grande empresário José de Alencar, vice de Lula, foi fator de estabilidade e sustentação classista ao programa nos oito anos de mandato do ex-presidente.

Não tem sido tarefa fácil, bem ao contrário, enfrentar a calúnia sistemática do oligopólio midiático, o consórcio oposicionista, e os sérios problemas criados nas hostes íntimas do PT e de alguns seus ex-apoiadores. Notadamente a nítida divisão no comando desse partido.

O Congresso e as ruas sinalizarão o futuro do Brasil

Pensamos que o movimento das organizações sociais e de massas – tem sido – tem se empenhado no contraponto chave para a ruptura do quadro de forças e o rompimento da operação de “cerco e aniquilamento” que se abateu sobre o governo Dilma e tenta liquidar uma nova candidatura de Lula em 2018. Novas manifestações virão.

Evidente, por isso mesmo, as manobras das mais sujas de Eduardo Cunha, envolvido em inúmeros escândalos e processos instalados na própria Câmara e no STF, no sentido de acelerar a votação na comissão descaradamente imposta por ele. Claro que no Plenário a situação se apresenta bem mais favorável. Assim como no Senado tem sido outro o ambiente.

Por isso o rompimento do cerco não se completou. Conservador majoritariamente o Congresso Nacional, e as ruas serão o escoadouro de uma batalha crucial da luta de classes no Brasil, por muitos tida como a mais aguda de sua história moderna, excetuando a fenômeno inusitado da imparcialidade das forças armadas – até este presente momento -, um êxito da democracia brasileira. 

O golpe não vai passar!