Existem várias teorias e abordagens no campo da economia que procuram analisar os efeitos das expectativas criadas pelos chamados “agentes econômicos” sobre as principais decisões nesse domínio, tais como o consumo, o investimento, a poupança e a formação de preços de uma forma geral.

A sofisticação dos modelos vai desde a definição de termos como “expectativas racionais” até o descontrole de atuação dos indivíduos ou empresas em momentos como o do chamado “efeito manada”. Assim, em um extremo haveria comportamentos determinados por uma suposta característica de racionalidade, que seria um elemento intrínseco aos processos de tomada de decisão. Afinal, como somos todos “homo sapiens”, esperar-se-ia que ao fim e ao cabo imperaria o domínio do ser racional como ente coletivo e social. Na outra ponta explicativa, haveria um comportamento irracional e descontrolado, sempre causador de aprofundamento negativo de tendências potencialmente presentes em momentos e espaços de decisão econômica.

Ocorre que, como todos sabemos muito bem, a realidade social e a dinâmica econômica são muito mais complexas do que esses modelos supõem. Assim, quase nunca eles conseguem antever como será o comportamento dos agentes frente a um determinado quadro conjuntural. Estão aí todas as profundas crises conjunturais e sistêmicas que o capitalismo enfrenta no nível local e global. Entre as expectativas racionais de alta previsibilidade e a irracionalidade absolutamente imponderável do espírito animal há um universo de tonalidades intermediárias. É nesse espectro intermediário que se movimentam aqueles que decidem a respeito de variáveis que se revelam essenciais para o desempenho da economia nacional.

Por que o investimento privado não se realizou?

Para o nosso raciocínio cabe destacar as decisões do investimento a ser realizado pelo setor privado. Afinal esse é um dos aspectos mais relevantes da grave recessão que estamos enfrentando atualmente em nosso País. Na verdade, o grande paradoxo – que ainda vai merecer muito debate e reflexão – refere-se justamente a esse ponto. Afinal, o primeiro governo Dilma ofereceu uma série de vantagens e benefícios ao grande empresariado com o intuito de alavancar o investimento privado. A extensa lista é composta das desonerações tributárias de toda ordem, dos empréstimos do BNDES com juros subsidiados, das garantias de variação na taxa de câmbio por meio das operações do Banco Central com os chamados swaps cambiais, entre tantas outras medidas.

Ao observador mais desatento da evolução do cenário da economia cabe uma pergunta óbvia; um tanto singela, talvez um pouco ingênua. Mas por que os grandes grupos dos diversos setores do capital não promoveram aumentos em seus investimentos com tamanha generosidade de políticas públicas a seu dispor? É claro que a inexistência de exigências por parte da administração pública em termos de contrapartida contribui para explicar uma parcela desse fenômeno. O capital embolsou sua “bolsa empresário” e não promoveu aquilo que dele seria esperado.

O argumento surrado, apresentado de forma recorrente, é de que as expectativas não estariam suficientemente positivas para que os recursos saíssem da esfera do rendimento puramente financeiro e fossem direcionados para o aumento da capacidade produtiva. Alguns analistas chegam mesmo a lançar mão da hipótese de uma chantagem pura e simples: haveria uma tendência no interior das elites de se promover uma espécie de política do “quanto pior, melhor”, de modo que a paralisia dos investimentos fosse parte integrante de uma estratégia golpista. Concordemos ou não com tal avaliação conspiracionista, o fato é que pouco depois começaram a se revelar resultados de forma mais cristalina e evidente.

As expectativas e a paralisia

Ora, do ponto de vista estritamente econômico, as expectativas deveriam guardar essencialmente relação com um cálculo de retorno esperado sobre algum investimento realizado. Assim, por mais que houvesse dificuldades no horizonte em razão da redução do ritmo de atividades, o fato é que o potencial histórico de crescimento da economia brasileira ainda é significativo. Do ponto de vista de uma suposta racionalidade, não haveria razões para tal boicote.

O elemento complicador vem justamente da combinação perversa do elemento político a contaminar a crise econômica. A ampla campanha disseminada pelos meios de comunicação, o ódio superdimensionado e pulverizado por todos os cantos e a tentativa de colocar em marcha o golpeachment foram elementos que contribuíram para criar o clima de “esperar para ver como é que fica”. Enquanto isso, ao invés de serem direcionadas para ampliar a infraestrutura e a capacidade produtiva, as monumentais massas de recursos continuavam a ser generosamente remuneradas pelo patamar estratosférico da taxa de juros.

O quadro geral de recessão, inflação, desemprego e falência passou a ganhar um dimensão exagerada. Segundo a lógica hegemônica elaborada pelo financismo, não haveria solução para esse “imbróglio” no âmbito do governo presidido por Dilma Roussef. A senha estava disponível para quem quisesse obtê-la. O clima de catastrofismo apontava para a necessidade de substituir o governo por outro mais confiável.

E agora que o processo no Senado Federal parece não ter mais retorno, começam a pipocar aqui e ali as mensagens de que a montagem da equipe de Temer poderia contribuir para mudar o clima de expectativas. Na verdade, estamos frente a uma espécie de profecia auto realizada. Se há mesmo uma crença de que as expectativas só seriam revertidas com a saída de Dilma, bastaria a consumação do putsch para que tal mudança no “clima geral” entre os investidores  se consumasse.

Mas além disso, o fato é que a receita do austericídio foi levada a cabo com tanta ênfase por Levy e Barbosa que a recessão está colocando em risco até mesmo a suposta “harmonia social”. Não devemos nos surpreender, inclusive, se a próxima reunião do COPOM de 7 e 8 de junho decidir pela redução da SELIC. Seria irônico, se não fosse trágico, que a primeira reunião do Comitê sob a gestão Temer interrompa uma série de 7 reuniões em que a taxa foi mantida em 14,25% ao ano, desde julho de 2015. Ou ainda, que seja a primeira reunião a promover uma baixa na referência dos juros desde março de 2013, quando o governo Dilma iniciou uma epopeia altista da SELIC por 24 reuniões consecutivas ao sair do nível de 7,25%.

Temer e a agenda do retrocesso.

Por outro lado, a agenda conservadora de Temer pode promover um enorme retrocesso na arquitetura construída pela Constituição de 1988, em termos de políticas públicas e de estratégias de desenvolvimento econômico e social. O governo certamente obterá uma trégua por parte dos meios de comunicação e dos formuladores do financismo, inclusive para atravessar os sensíveis meses que antecedem as eleições de outubro. O profissionalismo fisiológico do PMDB deverá alertar o usurpador do Palácio do Planalto quanto ao risco político e eleitoral de adoção de medidas impopulares até lá.

Mas as propostas de reduzir o Estado ao limite do mínimo, de reduzir os direitos trabalhistas, de desvinculação dos benefícios previdenciários em relação ao salário mínimo, de mudança na regra de reajuste real no salário mínimo, de promover o avanço no processo de privatização dos serviços públicos, de estabelecer a criminalização dos movimentos sociais, a tentativa de desconstitucionalizar direitos como saúde educação, entre tantas outras maldades, correm o risco de serem encaradas pelas elites como a verdadeira redenção para o retorno do investimento do setor privado.

Dessa forma, consumado o soft putsch tupiniquim, a profecia pode mesmo se realizar: as expectativas seriam revertidas. No entanto, falta aos novos assessores do financismo incorporar em sua análise o elemento da resistência. Ainda que tímidos, os avanços realizados ao longo dos últimos 13 anos – em termos de políticas sociais e redução das desigualdades – não serão facilmente desmontados. A maioria da população não deverá aceitar tão passivamente a redução de seus direitos, como costumam avaliar a tecnocracia do liberalismo.

Talvez não demore tanto para que Temer perceba que governar um país contra a vontade da maioria é bem mais complexo do que manipular um bloco parlamentar que agrupa a fina flor do fisiologismo, do oportunismo, do direitismo e do neoliberalismo. Aguardemos o que deverá ocorrer com as expectativas nesse pântano desagregador.

* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
Publicado em Carta Maior