Antonio Candido: sociólogo frustrado, antropólogo que se camuflou, crítico literário realizado? Qual o melhor retrato deste cientista social que, de maneira cautelosa, deixou sua marca em tantas áreas de conhecimento no Brasil?

“Sempre fui muito tímido; sempre achei que não sabia nada; que aquelas coisas que eu sei não interessavam a ninguém.”(1)

Há alguns anos Antonio Candido sugeriu que o caminho para a independência intelectual de um país passa pela construção de linhas de pensamento reconhecidas socialmente, as quais permitem que as importações do exterior sejam assimiladas sem que se transformem, necessariamente, em puro mimetismo (Candido, 1972) É nesse espírito que este trabalho se desenvolve, tendo o próprio Antonio Candido como objeto de investigação. Minha pretensão é mostrar o lado antropológico de sua obra, tanto em sua vertente sociológica quanto em sua crítica literária. A idéia, portanto, é de incluí-lo na linhagem do pensamento antropológico no Brasil como alguém que fez antropologia sem querer.

Felizmente a visão de mundo da antropologia não é privilégio dos antropólogos. Antonio Candido não é nem foi o único a fazer antropologia escondido. Mas ele é exemplo excelente pela qualidade e atualidade do seu trabalho, além de ter estado sempre muito perto, sempre namorando a antropologia. Através da sua obra estaremos abrindo as portas para que se recupere também Sérgio Buarque de Holanda – o Sérgio de Raízes do Brasil -, tão brilhante na indicação de problemas etnográficos. Que as barreiras institucionais não limitem a nossa imaginação. No desenrolar do argumento, a perspectiva de Antonio Candido surgirá como paradigmática, não só para se pensar a antropologia no Brasil, mas para as ciências sociais em geral.

“A sociologia de Durkheim é uma espécie de cânone da Universidade de São Paulo, trazido pelos franceses a partir de 1934. Mas ela já tinha raízes aqui. Alguns sociólogos precursores, tal como Fernando de Azevedo, já estavam plenamente lançados na influência durkheimiana.”

Um bom início talvez seja colocar a questão dentro de uma problemática familiar a Antonio Candido. Trata-se da relação entre indivíduo e sociedade, tão discutida na sociologia clássica, na qual, procuraremos situar Candido como ator e personagem.

A muitos pode parecer estranho colocar em tais termos o caso da própria comunidade de cientistas sociais. No entanto, como qualquer outro ator social, o sociólogo ou o antropólogo é socializado em determinado meio institucional, ao qual ele se conforma, adapta ou modifica. Neste processo, vocações são formadas e delineadas, algumas encontrando respaldo social-institucional, outras sendo rejeitadas e negadas.

Este trabalho procura mostrar como Antonio Candido, o respeitado crítico literário de hoje, ilustra o caso de um intelectual que sofreu dificuldades em se adequar ao quadro institucional da época de sua formação. Tivesse ele nascido 20 anos depois, diferentes opções lhe teriam sido oferecidas. Sugiro que uma delas teria sido a antropologia, pela afinidade que seu trabalho tem com certas posturas básicas do pensar antropológico contemporâneo. Pretendo tocar em três tópicos: primeiro, relembrar alguns aspectos da academia no início das “ciências sociais” no Brasil; segundo; repensar Os Parceiros do Rio Bonito e Literatura e Sociedade de uma perspectiva antropológica e, finalmente, chamar a atenção para a relação entre tradições intelectuais e suas definições institucionais, em diferentes momentos de uma mesma sociedade.

A Formação

“Meu pai era médico e queria que os três filhos fossem médicos. Como Deus é bom, Deus me ajudou e eu fui reprovado no vestibular. Deus e a minha ignorância. Eu sou um desertor. Esta consciência de culpa que sempre carrego comigo é a consciência de culpa de não ter sido médico.”

Do ponto de vista, de Antonio Candido, o tipo de formação acadêmica que a Universidade de São Paulo oferecia nos anos 40 se caracterizava como “pluralista”. A influência dominante era, sem qualquer dúvida, a da sociologia durkheimiana. Mas cedo os alunos sentiram que Durkheim já estava no passado, e o presente da sociologia francesa parecia-lhes fraco. Assimilaram, desta- forma, novas influências: um certo “marxismo flexível” (na expressão de Antonio Candido) via filosofia – o marxismo dogmático estava muito ligado ao movimento comunista e só era ensinado na Faculdade para ser criticado -, a etnologia de Boas e Lowie, com grande ênfase no estudo concreto das culturas primitivas, além da teoria da aculturação e da sociologia urbana da Escola de Chicago (2) .

Os professores Roger Bastide, Emilio Willems, Jean Maugé, entre os mais citados por Antonio Candido – procuravam formar mais “homens de cultura”; com interesses diversificados, do que propriamente profissionais e especialistas. Até então a filosofia era praticamente inexistente no currículo acadêmico. Quando foi introduzida na USP, seu propósito não era tanto treinar filósofos, mas criar uma atmosfera que permitisse o desenvolvimento de um espírito crítico voltado para a reflexão sobre problemas sociais e culturais (Candido, 1978, p.14). Este espírito que predominava na USP foi responsável, segundo Antonio Candido, pelo fato de que a maior parte de sua geração se tenha dedicado a aplicar a sociologia e a filosofia a outras áreas de interesse, como a arte, a literatura, a música, a política, a pintura (3).

“Então um belo dia, eu que sou uma pessoa de poucos gestos de rompante, de independência, tive um. Fui à Faculdade de Medicina, na hora de me inscrever, tirei os meus papéis e me inscrevi na Faculdade de Filosofia. E só depois telefonei para o meu pai.”

Antonio Candido confessa que, entre as ciências sociais, a antropologia sempre o fascinou muito mais do que a sociologia. A sociologia americana, por exemplo, parecia-lhe totalmente uninspiring (4): “social surveys, a sociologia de marasmo das universidades americanas”. Mesmo a ecologia urbana, ensinada nos seminários de Roger Bastide e que estava muito em voga na época, o aborrecia. Em contrapartida, encontrava na antropologia um fundo poético muito acentuado, que o cativava. Comenta que lia com entusiasmo e assiduidade o American Anthropologist, americano, e Man, inglês, além das monografias clássicas de Malinowski, Radcliffe-Brown, Evans-Pritchard e Nadel. Relembrando sua época de formação, Antonio Candido diz que sempre sentiu muita atração, de um lado, pelos aspectos qualitativos, dos fenômenos sociais e, de outro, pelo caso singular. Tanto um quanto outro pareciam-lhe mais satisfeitos pela antropologia do que pelas pesquisas urbanas e as análises estatísticas sociológicas. (É preciso também ressaltar a relação entre o pensamento de Durkheim – aquele de As Formas Elementares da Vida Religiosa – e um certo aspecto do “pluralismo” de que fala Antonio Candido. Durkheim e Mauss, ao procurarem olhar a diversidade social, foram levados a aceitar a variedade dos valores culturais, incluindo aí os valores dos “outros” e aqueles do próprio pesquisador. Herdeira de Durkheim e Mauss, a, antropologia se define, assim, como congenialmente “pluralista”.)

Para confirmar estas impressões retrospectivas, Antonio Candido menciona o caso da sua tese de doutorado, apresentada ao Departamento de Sociologia e depois publicada como Os Parceiros do Rio Bonito (1975). Defendida em 1954, Roger Bastide recusou-lhe a nota máxima porque considerava que aquele não era um trabalho de sociologia. Argumentava que a cadeira era de sociologia e o trabalho tinha, nitidamenté, um cunho antropológico.

“Se eu estou estudando uma cultura primitiva, acabo me preocupando com o problema humano daquele ser que está na minha frente. Como é que ele anda, como é que ele canta, como é que dança, como vê o mundo. No outro estremo, o da sociologia, eu não vejo ser nenhum. Eu vejo que 7.283 pessoas usam pasta dentifrícia Kolynos.

Contrastar duas trajetórias intelectuais pode nos permitir olhar melhor o leque de possibilidades disponíveis em determinado momento. Aqui, o contraste mais interessante talvez seja com Florestan Fernandes, mesmo porque é o próprio Antonio Candido o primeiro a falar de seu período de formação na USP pautando o seu discurso sobre as afinidades e diferenças entre os dois.

Antonio Candido e Florestan Fernandes trabalharam juntos na organização do Departamento de Sociologia e foi devido ao esforço de ambos que a sociologia acadêmica tomou a direção institucional que acabou se consolidando. Referências mútuas são freqüentemente encontradas em seus trabalhos, onde se evidencia a grande admiração que nutrem um pelo outro, o que não impede, contudo, que veladas críticas apareçam (5) .

Se Florestan diz que Antonio Candido, dois anos mais velho que ele; era uma “espécie de Mário de Andrade” entre os colegas (6) , Antonio Candido diz que Florestan “é o grande modelo de cientista social que eu conheço”. Em termos de auto-avaliação, Antonio Candido se vê mais como um. ensaísta que tenta, repete e chega a uma conclusão assim que os dados se mostram coerentes. Florestan, não. “Florestan não se satisfaz com meias medidas”.

Institucionalmente, Antonio Candido reconhece ter sido muito contestado na Faculdade de Filosofia pelo grupo que se formou à sombra de Florestan. Pelo contraste das duas linhas de trabalho – Florestan procurando dar um cunho científico à sociologia -, não o surpreende ser considerado “um ensaísta antropológico de tipo bucólico” (7) .

Apesar das diferenças, ambos nutrem uma profunda amizade um pelo outro, em parte por partilharem ideais comuns. Na visão de Antonio Candido, atritos eventuais são de menos importância, já que uma enorme tranqüilidade rege a relação entre os dois. Ele relembra que ambos lutaram anos para incorporar nos seus trabalhos acadêmicos uma visão dinâmica que refletisse suas preocupações sociais. Mas, como divergem em temperamento – “eu sou muito cético; e ele é muito crente” -, as soluções encontradas foram diferentes. Antonio Candido resolveu o problema fazendo estudos de literatura, em que a vida da sociedade se combina e entra na manifestação estética; Florestan, com os trabalhos sobre desenvolvimento, classes sociais, América Latina, segue uma via explicitamente mais política. Neste fim dos anos 80, essas observações podem ser confirmadas contrastando-se o professor aposentado sempre convidado para fazer palestras concorridas com a atuação do deputado constituinte.

“Florestan é um homem forte, robusto, construído atleticamente; é pessoa de saúde, de força. Eu não: sou um homem magro, débil, de certa fraqueza física, fiquei careca precocemente … .”

Personalidade e traços biográficos naturalmente devem ser levados em consideração quando se pensa em trajetórias intelectuais e institucionais: aqui, é impossível deixar de mencionar o quase orgulho que Florestan manifesta em relação à sua origem humilde (Fernandes, 1977) e as críticas que Antonio Candido já recebeu por sua ascendência aristocrática (Bosi, 1978). O importante, no entanto, é perceber que diferentes perspectivas estavam presentes no mesmo momento na USP e que os estudantes – como em qualquer outro lugar – faziam suas próprias combinações dos vários elementos de que dispunham. Assim, enquanto Florestan procurava definir uma “sociologia-feita-no-Brasil”; reunindo com sucesso um grupo de alunos para levar suas idéias adiante, Antonio Candido se desligava do Departamento de Sociologia em 1958, onde havia ensinado por 16 anos. Reconhecendo-se a excelência da produção acadêmica dos dois autores, o contraste mostra o maior sucesso institucional de um deles num determinado momento.

“Eu achava que a minha obrigação era gostar daquelas coisas chatas, gostar de Talcott Parsons. Que é o sujeito mais chato do mundo.”

Antonio Candido diz que deixou a USP quando, depois de defender o doutorado, a Faculdade decidiu promovê-lo de assistente a titular de Sociologia da Educação, uma disciplina criada na ocasião, pois acharam que era por estar magoado que ameaçava se demitir. Foi então que teve a consciência nítida de que, se podia ser professor de sociologia, sociólogo ele não era. A decisão não foi muito difícil, porque sentia que dava os cursos de sociologia sem grande paixão, repetindo o vocabulário dos cursos gerais, mas foi demorada, porque sempre esteve muito apegado ao Departamento. Diz Antonio Candido que sempre teve uma tendência meio masoquista “de nao dar aula sobre aquilo que sabia, para dar aula sobre aquilo que não sabia e não gostava”. Depois do doutorado, sentiu-se livre para se dedicar em tempo integral à literatura.

“Naquele tempo os cursos eram mais rígidos. Eram cursos gerais, introdutórios, sempre a mesma coisa: método, indução, classes sociais; não havia escolha. Não havia surgido ainda a pós-graduação e não havia cursos monográficos em sociologia.”

É preciso acentuar que o interesse pela literatura não veio depois da sociologia para Antonio Candido. Os dois interesses coexistiam, a ponto de ter ele escrito ao mesmo tempo Os Parceiros e Formação da Literatura Brasileira. No entanto, ele esperou a defesa do doutorado em Sociologia para seguir suas inclinações mais profundas. De novo, ele usa traços de personalidade para explicar a demora da decisão. Aqui, era seu senso de obrigação que o levava a procurar ser “um sociólogo puro”, e qualquer coisa como “sociologia da literatura” parecia-lhe um subterfúgio. Hoje chama de “tolice de moço” o seu puritanismo, mas na época ele acreditava que as tarefas didáticas deveriam vir em primeiro lugar. Durante os anos 40 e 50 os professores eram poucos na USP – sete ou oito, diz -, todos necessários para ensinar os cursos básicos. Uma especialização em Sociologia da Literatura, portanto, seria algo exorbitante, embora Antonio Candido tenha chegado a elaborar um programa para esta disciplina, que consta no Anuário da Faculdade.

Este sentimento de culpa de que fala Antonio Candido devia-se muito ao fato de haver iniciado a crítica literária jornalística na mesma época em que foi nomeado professor-assistente de Sociologia. Formação da Literatura Brasileira, cujo convite para elaboração foi feito em 1945, só foi publicado em 1957, três anos, depois da defesa da tese de sociologia.

Hoje, diz Antonio Candido, a marca da sociologia aparece como um ponto de vista inegável em seus trabalhos. Desligado da USP, ele considera que passou a fazer um tipo de crítica mais livre e, ao mesmo tempo e paradoxalmente, mais sociológica. É esta crítica, presente em Literatura e Sociedade, que mais impressiona o antropólogo, pela afinidade de enfoque e método. Antes, porém, algumas observações sobre Os Parceiros do Rio Bonito nos aproximam da sociologia de Antonio Candido.

Os Parceiros

Originalmente, Os Parceiros tinha sido planejado como um estudo do caruru, dança cantada do caipira paulista. Esta forma poética popular baseia-se no desafio sobre variados temas, em versos de rima constante, que muda após cada rodada. Antonio Candido pretendia mostrar as transformações pelas quais tinha passado o caruru:

“As modalidades antigas se caracterizavam pela estrutura mais simples, a rusticidade dos recursos estéticos, o cunho coletivo da invenção, a obediência a certas normas religiosas. [Em contraste] “as atuais manifestavam individualismo e secularização crescentes, desaparecendo inclusive o elemento coreográfico socializados, para ficar o desafio na sua pureza de confronto pessoal.” ( Candido, 1975, p. 9 )

Com este projeto basicamente durkheimiano, Antonio Candido planeja mostrar como a urbanização levava a uma progressiva individualização.

O produto final acabou sendo algo bem diferente do plano inicial. Depois de iniciada a elaboração do texto, Antonio Candido chegou à conclusão de que necessitaria ter um conhecimento musical muito maior para estudar o fenômeno. As notas de campo tinham sido tomadas à mão – na época, não havia, o recurso do gravador – e ele só poderia analisar a parte verbal do caruru. Julgando que uma análise que deixasse de incluir a parte musical séria desonesta, Os Parceiros de hoje constitui uma versão expandida das 30 páginas iniciais com que o autor havia planejado introduzir o caruru como tema.

Resumidamente, Os Parceiros discute a transformação do estilo de vida das classes baixas rurais do interior de São Paulo, os caipiras, seguindo uma abordagem que combina orientações antropológicas e sociológicas:

“Poderíamos dizer, talvez, que aquelas (as orientações do antropólogo) recorrem à descrição, atêm-se aos detalhes e às pessoas, a fim de integrá-los numa visão que abranja, em princípio, todos os aspectos da cultura; estas (as orientações do sociólogo), eminentemente sintéticas no objetivo, valem-se de amostras representativas dos grandes números, interessam-se pelas médias em que os indivíduos se dissolvem, limitando-se quase sempre a interpretar certos aspectos da cultura.” (idem, p. 17 ) .

Antonio Candido parece dizer-nos que a antropologia lida qualitativamente com a totalidade social, enquanto a sociologia refere-se mais à aproximação estatística, sem levar tanto em conta o contexto geral. Esta visão não difere muito da explicitada anteriormente.

O livro é bem conhecido: na primeira parte, Antonio Candido mostra a vida tradicional caipira através de fontes históricas do século XVIII, observando, principalmente, a economia, hábitos alimentares, condições de moradia e formas de solidariedade. Segue-se uma descrição da situação contemporânea, especialmente das relações de trabalho e hábitos alimentares. Estes retratos do passado e do presente estabelecem os parâmetros para a análise de mudança, que Antonio Candido concebe em termos de “persistências” e “alterações” (idem, p. 163).

Todo equilíbrio social supõe estes dois aspectos. Há mudança quando, nas variações de equilíbrio, os fatores de alteração aumentam até motivarem uma recomposição da estrutura. A situação de crise, por sua vez, define-se por tensões ainda não resolvidas; ou resolvidas parcialmente, entre os fatores de persistência e os de alteração, podendo originar reorganização mais ou menos profunda da estrutura (idem, ibidem).

A posição política surge no fim. Fecha o livro um apelo para que planejadores tomem em conta variáveis culturais, mencionando que a situação estudada leva a se cogitar no problema da reforma agrária: “Sem planejamento racional, a urbanização do campo se processará cada vez mais como um vasto traumatismo cultural e social, em que a fome e a anomia continuarão a rondar o seu velho conhecido”.

“Eu acho o livro de uma facilidade (…), de uma simplicidade (…) Eu acho até que talvez ele não tenha aquele mínimo de complicação que dá dignidade às obras universitárias. A gente ser claro demais é contraproducente.”

Este foi o trabalho a que Roger Bastide recusou a nota 10 por não ser pura sociologia. É verdade que Malinowski, Firth, Audrey Richards e Redfield são algumas das principais referências do livro, juntamente com a versão marxista de Antonio Candido. Esta se baseava na idéia de que o modo de produção deve incluir uma determinada maneira de viver dos indivíduos (idem, p. 24). Outros fatos, no entanto, precisam ser levados em consideração no episódio da defesa de tese: primeiro, o de que, na época, o ano de 1954, Florestan Fernandes já estava engajado no projeto de definição intelectual e institucional da sociologia-no-Brasil. No contexto desta definição teórica é possível que Os Parceiros tenha sido recebido de forma ambígua; no mínimo, na medida em que enfatizava mais a etnografia do que a análise teórica.

Na verdade, em termos teóricos, o livro nada tinha de revolucionário. Para aqueles que o incluem na literatura de “estudos de comunidade”, o livro é datado apesar da sua excelência. Podemos, no entanto, lembrar que Antonio Candido antecipava-se a propostas recentes, como a de Stanley Tambiah, que sugere uma abordagem que combine persistences (as “persistências” de Antonio Candido) e transformations (as “alterações”) para analisar os pressupostos ideológicos implícitos na noção de “tradição” (Tambiah, 1971). Em outro sentido, Os Parceiros é um livro que, focalizando a ação reguladora dos fatores tradicionais no processo de urbanização, renovava também ao questionar a teoria da modernização stricto senso: “A situação estudada não é de substituição mecânica dos padrões, mas de redefinição dos incentivos tradicionais, por meio de ajustamento dos velhos padrões ao novo contexto social” (Candido, 1975, p. 200). A estes aspectos, no entanto, sobrepõe-se como característica mais marcante o estilo do livro.

“Eu acho que a minha geração foi a última em que ainda a literatura aparecia como um must. Antes, a medicina precisava se apresentar com roupa literária; o direito, também; a sociologia, para se apresentar, tinha que se apresentar como Os Sertões.”

Deste estilo podemos tirar alguns exemplos que mostram o cuidado estético da prosa de Antonio Candido. Para nos falar sobre algo singelo como a importância do milho na alimentação caipira, Antonio Candido assim se expressa:

“Verde, come-se na espiga, assado ou cozido; em pamonhas; em mingaus; em bolos, puros (curau) ou confeccionados com outros ingredientes. Seco, come-se como pipoca, quirera e canjica; moído, fornece dois tipos de fubá, grosso e mimoso, base de quase toda a culinária de forno entre os caipiras, inclusive vários biscoitos, o botão, bolinhos, broas, numa ubiqüidade só inferior à do trigo; pilado, fornece a farinha e o beiju, não esquecendo o seu papel na alimentação dos animais.” (idem, p. 53 ) .

Se passamos da alimentação para as representações religiosas, encontramos:

“Magia, medicina simpática, invocação divina, exploração da fauna e da flora, conhecimentos agrícolas fundem-se deste modo num sistema que abrange, na mesma continuidade, o campo, a mata, a semente, o ar, o bicho, a água e o próprio céu. Dobrado sobre si mesmo pela economia de subsistência, encerrado no quadro dos agrupamentos vicinais, o homem aparece ele próprio como segmento de um vasto meio, ao mesmo tempo natural, social e sobrenatural.” (idem, p. 175).

Um último exemplo: para mostra o desequilíbrio em que se encontrava o caipira, Antonio Candido escolhe uma série de contrastes:

“(…) a solidariedade vicinal decai e se comercializa – mas a situação do parceiro e do pequeno sitiante não lhes permite dispensá-lo. A indústria doméstica se atrofia – mas o poder aquisitivo não comporta a sua substituição satisfatória pelos produtos manufaturados. Os velhos utensílios e instrumentos são desprezados – mas os novos não se tornam acessíveis. (…) A caça e a pesca se reduzem a quase nada como recurso de abastecimento – mas não podem ser substituídas pela alimentação cárnea do comércio.” (idem, p. 219).

Se Antonio Candido não abria mão de uma construção literária da sua combinação sociologia/antropologia, Florestan Fernandes, ao contrário, produzia seus livros sobre os Tupinambá ignorando – menosprezando, talvez – os aspectos estéticos (8). O importante era método e análise; para Antonio Candido importavam a intuição e a sensibilidade (9). Assim é que Fernando Henrique Cardoso chegou a comentar que sua geração se formou tendo como base “o rigoroso método científico e a disciplina mental de Florestan Fernandes”, e como ideal “o discreto charme britânico do ensaísmo de Os Parceiros do Rio Bonito” ( Cardoso, 1972 ) .

“Já Florestan Fernandes, quando escreve A Função Social da Guerra, não está absolutamente preocupado com o problema estético. Gilberto Freyre; quando escreve Casa Grande e Senzala, ou Sérgio Buarque de Holanda, quando escreve Raízes do Brasil, está pensando naquilo também como composição literária. A literatura como approach da realidade. Isso é que acabou.”

Outro ponto a lembrar, no entanto, é que Os Parceiros não seguiu o plano original de Antonio Candido, o que pode ter levado Bastide, que considerava seu aluno muito vagaroso, a diminuí-lo academicamente. Teriam tais fatos perturbado muito Antonio Candido? Não muito, diz ele. Havia, afinal, a compensação de haver escrito um livro que diferia da sociologia de caráter senhorial que anteriormente se fazia no Brasil, como atestam os trabalhos de Gilberto Freyre e Oliveira Vianna: “Eu estudei o oprimido, o sujeito que passa fome”. Desta forma, quando alguns críticos de hoje focalizam as raízes aristocrátiças do seu trabalho, Antonio Candido considera a observação injusta, já que não leva em conta o contexto histórico no qual ele e sua geração estudaram e produziram.

“Quando me dizem: ‘Professor, o senhor me desculpe, eu vou ser franco com o senhor: eu acho que Parceiros do Rio Bonito é um livro muito baseado na intuição’, eu respondo: ‘Que ótimo; é o que eu queria: transmitir uma visão justa da realidade, mas sem tirar a minha sensibilidade disto’.”

Estas observações nos levam a concluir que, ‘a despeito do pluralismo que predominava na USP na época da formação de Antonio Candido, pluralismo este que permitia que Florestar Fernandes visse a antropologia de forma sociológica nos trabalhos sobre os Tupinambá e Antonio Candido, inversamente, acreditasse nas próprias intuições e menos em método, as coisas estavam mudando. A distinção entre as diferentes disciplinas começava a se tornar uma realidade e a ser vista como uma necessidade. Antonio Candido lembra que longos debates eram travados para se concluir se um determinado trabalho era “sociologia” ou “antropologia”, “cirema puro” ou “teatro”, “sociologia” ou “literatura”. Se o momento “desejado e apropriado” das definições acadêmicas não havia ainda chegado (Candido, 1978), pelo menos o processo estava em andamento. Neste contexto, Antonio Candido era o doutorando em sociologia que não se sentia sociólogo; também não se encaixava num Departamento de Antropologia que privilegiava o estudo de grupos indígenas, nem se sentia totalmente um crítico literário, porque tal categoria não tinha o respaldo institucional que a legitimasse academicamente.

Esse “pluralismo” dos anos 50 do qual Antonio Candido nós fala hoje tem seu paralelo na discussão que sé desenvolve nos Estados Unidos stibre a interpenetração de gêneros literários ou, na expressão de seu mais conhecido proponente, a respeito de blurred genres.

Com esta expressão, Clifford Geertz fala sobre os mecanismos através dos quais rearranjos são produzidos no pensamento social contemporâneo. Da mesma forma que Antonio Candido relembra as discussões dos anos 50 sobre a adequação de considerar uma obra “antropologia” ou “sociologia”, “cinema puro” ou “teatro”, hoje Geertz diz que blurred genres podem ser encontrados quando questões filosóficas parecem crítica literária (o trabalho de Sartre sobre Flaubert, por exemplo), parábolas posam como etnografias (Castanheda), tratados teóricos parecem descrições de viagem (Lévi-Strauss), estudos epistemológicos são construídos como tratados políticos (Paul Feyerabend). Na medida em que as ciências sociais se afastam mais e mais da procura de explicações e leis em direção à procura de significado e interpretação, elas usam as imagens das humanidades como inspiração e modelo (Geertz, 1983).

Voltaremos a este assunto. Por enquanto, fica apenas a observação de que o “pluralismo” da USP tinha como nicho o ensino da filosofia e que, em um determinado momento, este pluralismo foi visto por alguns como indesejável: eclético, logo, pouco científico. Os blurred genres norte-americanos se dão em contexto no qual as ciências sociais (definidas como psicologia, lingüística e etnografia) são estimuladas a aprender com as humanidades (locus dos historiadores, editores, críticos) e vice-versa. Desta forma, se trazemos essa problemática para os anos 50 no Brasil, Antonio Candido teria, naquela época, escolhido o espaço limiar entre as “ciências sociais” e as “humanidades”, unindo antropologia com sociologia dentro de uma preocupação literária, já brincando com blurred genres.

Antropologia da Literatura

Se Os Parceiros traz a marca do pensamento antropológico, Literatura e Sociedade é antropologia da literatura. Para Antonio Candido trata-se simplesmente de “crítica literária”, a qual se define por procurar transcender, em termos analíticos, a dicotomia entre fatores internos (de composição do texto) e externos (a esfera do social). Antonio Candido acredita na necessidade de se fundir texto e contexto, de modo a que os fatores sociais externos não se tornem significativos numa maneira causal, mas como elementos, com papéis específicos, na construção de uma estrutura, desta forma tornando-se internos. Quando o externo se transforma em interno não há mais crítica sociológica, mas simplesmente “crítica”: “O elemento social se torna um dos muitos que interferem na criação de um livro, ao lado dos psicológicos, religiosos, lingüísticos e outros” (Candido; 1976; p. 7). Neste tipo de análise, a estrutura torna-se o ponto de referência.

Mas o que Antonio Candido considera “estrutura”? Primeiro, ele observa que o trabalho artístico mantém uma relação arbitrária e distorcida da realidade, mesmo quando seu propósito é observá-la e copiá-la rigorosamente. Esta liberdade é a medida de fantasia necessária à manifestação artística: “Tal paradoxo está no cerne do trabalho literário e garante a sua eficácia como representação do mundo” (idem, p. 13). Segundo, a arte pressupõe algo diferente e maior do que a simples experiência do autor. O foco deve estar na inter-relação entre o artista, a obra e o público: “Na medida em que a arte é (…) um sistema simbólico de comunicação inter-humana, ela pressupõe o jogo permanente de relações entre os três, que formam uma tríade indissolúvel” (idem, p. 33).

Estas referências já nos apontam para a similaridade com que antropólogos olham para fenômenos simbólicos como rituais, mitos, tabus etc. A questão da eficácia da obra de arte como representação do mundo leva-nos imediatamente a pensar nas idéias de Lévi-Strauss sobre a “eficácia simbólica”. A forma como Antonio Candido usa diferencialmente a tríade artista-obra-público para comparar manifestações artísticas em diferentes sociedades soa ainda mais familiar.

Seria simplista dizer que seus trabalhos relembram a antropologia somente porque Antonio Candido usa abundantemente material coletado por antropólogos. O importante é observar sua apreensão comparativa das manifestações artísticas em diferentes sociedades, o que o leva, muitas vezes, a ultrapassar, na interpretação, os trabalhos cujos dados utiliza. Sua proposta é mostrar que diferentes sociedades produzem diferentes formas de arte, e que apesar de ser inadequado qualquer julgamento de valor neste contexto, não é impossível ligar diferentes estilos a diferentes contextos.

Primeiro, ele delineia o problema em termos de dois pólos extremos: de um lado, a visão antropocêntrica na qual a realidade do “outro” é reduzida àquela do observador. Do outro lado, a perspectiva daqueles que exageram a ausência de diferenças entre indivíduos, grupos e culturas. Lévy-Bruhl e Malinowski são contrastados e ambos criticados (idem, pp. 41-4): um, pela teoria da mentalidade pré-lógica; o outro, pela crença de que “o selvagem é igual a nós”. Adotando uma postura maussiana, Antonio Candido mostra a tensão entre o universalismo da mente humana e as diferenças culturais. Só assim é possível combater os dois extremos, “modalidades da falácia antropocêntrica – seja por verem no primitivo um bicho quase de outra espécie, seja por quererem reduzi-lo mecanicamente à, nossa imagem, dispensando o esforço de penetrar nas suas singularidades” (idem, p. 43) .

Poderíamos dizer que Antonio Candido foi injusto com Malinowski, e excessivamente rigoroso com Lévy-Bruhl, mas o contraste permite que ele se posicione:

“A verificação de que as culturas são relativas leva a meditar em tais singularidades, que seriam explicadas, não à luz de diferenças ontológicas, mas das maneiras peculiares com que cada contexto geral interfere no significado dos traços particulares, e reciprocamente – determinando configurações diversas.” (idem, ibidem).

Partindo dessa perspectiva, o objetivo principal do autor é observar a configuração total na qual surge uma manifestação específica. A tríade artista-obra-público é observada em diferentes sociedades: Antonio Candido discute e compara a função do artista entre os bantu, os trobriandeses e os chineses; observa a configuração da obra (em termos de poesia, música e ditos populares) entre os esquimós de Boas e a Europa medieval; compara o público, no caso do caipira e de uma audiência erudita. Seguindo a idéia da importância do contexto cultural, ele mostra que a literatura, o folclore e a mitologia, na medida em que são formas diferentes de comunicação, aparecem em diferentes tipos de sociedade e precisam, necessariamente, ser estudados de perspectivas diversas.

As diferenças, para ele, tanto em ser espaciais quanto temporais; bem no estilo de Mauss, compara as duas dimensões ao mesmo tempo. Este tipo de abordagem comparativa é possível porque Antonio Candido se pergunta qual o papel e qual o valor ideológico de determinada manifestação em diferentes sociedades – as definições são, portanto, nativas, e levam o pesquisador a questionar seus próprios conceitos. Assim, em certo momento (no capítulo “A Literatura e a Vida Social”), Antonio Candido sugere que, como produto das sociedades industriais, o próprio método de análise literária também deve ser questionado em termos de adequação ao estudo de outras tradições.

“Mas depois de um tempo, agora, depois de velho, estou voltando, de novo, a uma crítica, penso eu, ligada à sociologia. Os franceses dizem que se a gente expulsa aquilo que é a nossa tendência natural, ela volta corrente: ‘Chassez le naturel, il revient tout alors’.”

Um exemplo bem ilustrativo é a discussão sobre a forma como a arte retrata a alimentação e a nutrição. Analisando como o tema surge em diferentes sociedades – entre os Nuer, na poesia francesa e alemã, e em alguns romances clássicos brasileiros (idem, pp. 56-70) -, Antonio Candido vê que o ato de se alimentar, uma das necessidades, básicas humanas, mostra como manifestações de emoção e de elaboração estética variam em diferentes contextos sociais.

Entre os “primitivos”, comer pode ter conotações mágicas. A sacralização do alimento é comum nas sociedades estudadas por Audrey Richards, Evans-Pritchard e Boas. Antonio Candido chega a analisar uma canção Nuer para mostrar como o gado, tão importante nesta sociedade, é usado para expressar o desconforto pela presença dos ingleses (idem, pp. 58-60), fato desapercebido por Evans-Pritchard. Entre os “civilizados”, no entanto, o quadro é diferente. Poemas de Victor Hugo, Shelley e Rilke (idem, pp. 61-6) exemplificam como as associações poéticas relacionadas ao alimento são diluídas a tal ponto que, virtualmente, desaparecem. Estes poemas eliminam todos os vestígios da dimensão fisiológica, desta maneira contrastando com a forma “primitiva”, que expõe livremente e, de maneira direta a base orgânica da nutrição e sua relação com o domínio da arte. Antonio Candido postula, numa veia durkheimiana, que nas sociedades “primitivas” o contexto social está mais aparente nas formas artísticas. A emoção orgânica da nutrição, por exemplo, não é submetida a numerosas mediações como acontece entre os “civilizados”. Dessa forma, ele pretende ligar a estrutura à história ou, em suas palavras, “fundir texto e contexto”.

No momento em que a antropologia contemporânea sente como um dos desafios pós-estruturalistas reais sérios a incorporação da dimensão temporal em seus estudos, é interessante, como exemplo final, ver como Antonio Candido analisou o poema “Caramuru” em dois momentos históricos: no final do século XVIII, em Portugal, e no início do XIX, no Brasil.

Literatura e História

Como poema épico, “Caramuru” foi publicado em Lisboa em 1781. No Brasil, permaneceu desconhecido até os anos 30 do século seguinte, quando o movimento do Romantismo o adotou como uma de suas bandeiras. O tema do poema de frei Santa Rita Durão gira em torno do português Diogo que, poupado do sacrifício pelos Tupinambá do século XVI, transformou-se em Caramuru, uris dos chefes tribais locais e, como tal, um intermediário entre os índios e os portugueses. O poema mostra a transformação do herói, de Diogo ein Caramuru e, de forma paralela e inversa, a mudança ocorrida com a índia Paraguaçu, transformada em Catarina, posteriormente batizada na França, esposa de Caramuru:

A questão central de Antonio Candido é saber por que o poema levou meio século para ser descoberto no Brasil. Ele sugere que a função histórica ou social de uma determinada obra repousa na sua estrutura literária. Por sua vez, esta repousa na organização de certas representações mentais; condicionadas pela sociedade na qual a obra é concebida, e é, portanto, historicamente variável.

Como épico literário, “Caramuru” foi elaborado sobre três temas: a celebração da colonização portuguesa no Brasil; a visão grandiosa e eufórica do país; e a concepção do índio como o elemento natural, puro e perfeito, proveniente da visão de mundo da Europa renascentista. Contudo, estes três temas se organizavam em torno do elemento expressivo representado pela ambigüidade: a colonização é iniciativa capital dos portugueses mas representa, ao mesmo tempo, a justificação do brasileiro, que começava a ter consciência da sua individualidade. “A natureza total do país, por sua vez, é tratada como ‘visão do paraíso’ – mas conforme um ângulo que, na verdade, só vale para segmentos excepcionais da paisagem” (idem, p. 179). Finalmente, o índio apresenta “traços de uma bondade natural e uma ordenação social baseada na razão – mas de outro lado é antropófago, e bárbaro, privado da luz da graça, não podendo, portanto, ser plenamente feliz” (idem, ibidem).

Essas ambigüidades são resolvidas pela religião. No poema, “a fé católica vai operar e imperar por meio da colonização; a grandiosidade insólita do país se explica como cenário de lutas e trabalhos de religião; e os germens de plenitude do índio, que nele vivem, são, ainda, uma outra predisposição para o futuro converso, que dele surgirá” (idem, ibidem). Em suma, “o local e o universal se fundem na unidade expressional e ideologicamente superior do catolicismo”. 

“Eu acho que o Romantismo é a coisa mais especificamente brasileira, só que o Romantismo é perigoso e leva ao regionalismo e ao particularismo. E o Neoclassicismo, perigoso na medida em que ele descaracteriza e leva a um universalismo excessivo.”

“Caramuru” combinava bem com as necessidades de fundamentar genealógica e historicamente a tradição local, uma preocupação do Romantismo brasileiro do século XIX. No processo de identificação pós-independência, a literatura era vista como uma marca da autonomia nacional. Por sua vez, “ser bom, literariamente, significava ser brasileiro; ser brasileiro significava incluir nas obras o que havia de específico no país, notadamente a paisagem e o aborígene” (idem, p. 171) . Por isso o indianismo aparece como símbolo supremo.

Contudo, a maneira como “Caramuru” foi adotado pelo Romantismo diferia em dois aspectos importantes da sua formulação inicial. Primeiro, ao invés do poema épico, preferiu-se a versão francesa em prosa: “A passagem do verso à prosa na sua tradução foi um recurso importante, que ressaltou o elemento novelístico do enredo, ao quebrar as sugestões especificamente ligadas à estrutura métrica e estrófica”(idem, p. 186). A versão francesa possuía um estilo intermediário entre o poema e o romance, e preparou o terreno para a ficção indianista tão caracterísxica da literatura brasileira da metade do século. Segundo, o Romantismo viu “Caramuru” como resposta à sua procura de traços brasileiros, e neste processo; as ambigüidades do personagem Diogo-Caramuru deram lugar aos sentimentos nacionalistas.

“Acho profundamente errado essa tendência de querer afirmar, por paus e por pedras, que o Brasil tem uma literatura que é só dele. Dito isso na língua portuguesa, que é da Europa, e fazendo verso com a métrica italiana, inspirados em Byron; que é inglês … “.

Em suma, dado um poema com traços ambíguos tanto na sua estrutura quanto na configuração do seu personagem principal, os românticos brasileiros operaram nele uma dupla distorção: ideológica e estética. Nas palavras de Antonio Candido:

“Ante um poema que poderia ser tomado tanto como celebração da colonização portuguesa quanto como afirmação nativista das excelências e peculiaridades locais, optaram pelo segundo aspecto, encarando a obra como epopéia indianista e brasileira. De outro lado, no complexo estético da epopéia, apegaram-se de preferência ao elemento novetístico e ao toque – exótico, vendo nela uma espécie de pré-romance indianista.” (idem, pp. 191-2).

Aqui, a literatura é vista como fenômeno cultural, e a perspectiva antropológica de Antonio Candido afirma sua modernidade na tentativa de ligar a análise estrutural – por tantos anos tão dominante na disciplina – à abordagem histórica. Ele conclui que o estudo da função  histórico-literária de uma obra só adquire pleno significado quando referido intimamente à sua estrutura, “superando-se deste modo o hiato freqüentemente aberto entre a investigação histórica e as orientações estéticas” (idem, p. 192). História e estética precisam estar sempre combinadas; na medida em que a história é o desenrolar no tempo de diferentes representações mentais.

Blurred Genres à Brasileira?

Antonio Candido: antropólogo? Esta questão nos remete ao problema que o próprio Candido enfrentou ao discutir o poema “Caramuru”. Por que agora, passados todos estes anos, a tentativa de trazer não só Os Parceiros, mas também os estudos de crítica para perto da antropologia?

Não há uma só resposta, naturalmente. Um dos pontos a se chamar a atenção diz respeito à afinidade entre a antropologia e a crítica literária, reconhecida por muitos e explicitamente postulada por Clifford Geertz. Mais que uma ciência experimental à procura de leis, a antro pologia se dedica a interpretar o significado dos símbolos que organizam a vida social. De forma semelhante ao crítico que interpreta textos, agora que tudo é texto, os nossos, a serem lidos e interpretados, são os rituais, os jogos, os dramas sociais.

Um outro ponto a considerar diz respeito ao tipo de crítica que Antonio Candido faz. No início do século Marcel Mauss nos fez lembrar que só há magia quando esta é reconhecida socialmente. Esta lição foi aprendida por Antonio Candido, como vimos, quando ele compara a poesia, a música, os ditos populares, em diferentes sociedades.

Mas Antonio Candido é etnógrafo da nossa sociedade também. Aí ele escolhe a literatura por ser a dimensão “etnograficamente relevante” – para usar o jargão antropológico – à compreensão da nossa vida intelectual. Diferentemente do que sucede em outros países, diz Antonio Candido (1976, p. 156), “a literatura tem sido aqui, mais do que a filosofia e as ciências humanas, o fenômeno central da vida do espírito”. Foi a literatura que, historicamente, apareceu como “ponto de vista” privilegiado no Brasil; foi ela que se incumbiu de interpretar, até recentemente, o mundo circundante – e não a ciência, a filosofia ou a técnica; foi ela que, agindo como “um poderoso ímã”, interferia com a tendência sociológica, “dando origem àquele gênero misto de ensaio, construído na confluência da história com a economia, a filosofia ou a arte, que é uma forma bem brasileira de investigação e descoberta do Brasil” (idem, p. 157) .

Parece então legítimo pensar que Antonio Candido se dedicou à literatura não apenas por vocação. Ou, se o fez, trata-se de uma feliz sincronicidade (para usar a expressão não tão feliz de Jung). O reconhecimento social que define a magia para Mauss tem aqui seu paralelo, para Antonio Candido, na literatura: no Brasil, a literatura é símbolo de brasilidade; é valor e é ponto de vista. Foi a literatura que serviu como locus de pesquisa político-social – de Os Sertões a Casa-Grande e Senzala e Raízes do Brasil -, uma hegemonia de gênero que ela só teria perdido na década de 30. Daí em diante acreditou-se que a institucionalização das ciências sociais forçaria uma divisão de trabalho intelectual que obrigaria a literatura a retrair suas ambições. Sua esfera passaria a se restringir à formação de padrões estéticos mais puros, deixando os problemas sociais e históricos nas mãos das ciências da cultura.

Este é o ponto de vista do próprio Antonio Candido. No entanto, é ele próprio que comenta que, em 1978, os melhores romances da década tinham sido escritos por um médico, um crítico de cinema e um antropólogo (10), desmentindo, assim, a sua previsão anterior. Por outro lado, é questionável se a “ciência social” que se institucionalizou no país conseguiu realizar plenamente o ideal de tornar-se reflexão objetiva, sistemática, pura e positiva, substituindo de maneira definitiva o ensaio histórico-sociológico.

É verdade que nos anos 50 esta foi a proposta de Florestan Fernandes, e devemos a ele, sem dúvida, o fato de ter estabelecido institucionalmente os padrões mínimos de excelência acadêmica. É justamente porque tal fato se deu que hoje podemos reconhecer que os ensinamentos deixados por Roger Bastide, Emilio Willems e pelos professores franceses de filosofia nas décadas de 30 e 40 não desapareceram. Esta influência permanece conosco até hoje, e a reconhecemos quando presenciamos no nosso dia-adia acadêmico questões que se colocam sobre trabalhos de sociólogos, antropólogos, cientistas políticos e historiadores: aqui é o antropólogo “que não é bem antropólogo” – é mais um “sociólogo desenvolvimentista”; ali é o cientista político que faz é história mesmo; lá é o historiador com pendores antropológicos. Por outro lado, novos estudos podem se apresentar como uma combinação de “história social e literária, antropologia urbana, crítica cultural e análise política” (11). Mais interessante é que tudo isso acontece sob a rubrica que nos é cara até hoje – a de “ciências sociais” -, que preservamos em certos contextos mesmo quando defendemos divisões departamentais nas instituições a que pertencemos (12).

Esse “pluralismo” histórico, então – resultado do valor ideológico atribuído à literatura de tradição ensaística, combinado a uma influência durkheimiana centenária, reforçada pela missão francesa dos anos 30 e, não menos, pelo papel do intelectual como cidadão interessado (13) -, não nos torna vulneráveis hoje. Ao contrário, é algo que podemos celebrar.

No entanto, em determinado momento, ele foi questionado institucionalmente: sob o guarda-chuva do ensino da filosofia o pluralismo intelectual não foi duradouro. Paradoxalmente, na medida em que as disciplinas criaram identidade própria, o pluralismo voltou, sub-repticiamente, a florescer. Fica aqui a sugestão de que o “pluralismo” intelectual – ou a interdisciplinaridade – só pode se realizar a longo prazo quando existem disciplinas tão solidamente definidas que as barreiras possam ser transpostas.

O caso dos blurred genres é elucidativo como contraste. Mesmo levando-se em conta as diferenças histórico-sociais dos dois contextos, a proposta norte-americana contemporânea, ao sugerir que as “ciências sociais” e as “humanidades” se fundam na direção única do esforço interpretativo, não tem como meta reorganizações institucionais. Lá a experiência de departamentos interdisciplinares foi efêmera: fundados no final da década de 40 em universidades como Yale, Harvard e Chicago (14), dez anos depois eles só existiam no nome. Hoje, Clifford Geertz faz questão de afirmar que os blurred genres não levam a uma “irmandade interdisciplinar” (Geertz, 1983, p. 23).

A distinção entre o nome que se dá a uma disciplina e o tipo de conhecimento gerado sob este nome é assunto bastante discutido na esfera da história da ciência. O tema nos interessa aqui quando vemos se levantar, no Brasil de hoje, a bandeira da interdisciplinaridade institucional como medida progressista. Neste contexto, é bom não esquecer que essa proposta tem uma gênese no pensamento social brasileiro que remonta – senão antecede – a institucionalização das ciências sociais na década de 30. É preciso também não esquecer que o trabalho intelectual se realiza dentro de departamentos ou outras instituições mas não é limitado, necessariamente, por eles. É da natureza do trabalho intelectual um certo enfrentamento solitário, uma medida de introspecção, na qual a mente do pesquisador pode atravessar quantas barreiras desejar ou puder, embora seja, ao mesmo tempo, direcionada por parâmetros históricos e culturais específicos. A criatividade, felizmente, é um dos valores ideológicos mais prezados nas comunidades científicas.

Ao se falar em interdisciplinaridade no Brasil, portanto, é preciso certa cautela para não se cair no equívoco ou na redundância. Se já somos interdisciplinares, porque historicamente pluralistas, foi só no contexto da especialização disciplinar que se formaram “escolas” e se aprimorou a excelência acadêmica. Nosso pluralismo faz com que Os Sertões hoje seja admirado por proponentes dos blurred genres – aqui e nos Estados Unidos -, o que não nos faz concluir que devemos seguir o exemplo desastrado dos departamentos de “social relations”.

“Quem tem razão historicamente é o Florestan. Não eu. Eu apenas continuo, procuro preservar, para não deixar perder, uma certa tradição do ensaio humanístico, sensível, de tipo literário. Nesse ponto eu me considero muito próximo do Sérgio Buarque, que é um dos meus mestres.”

Voltemos a Antonio Candido e seu feliz pluralismo. Fazendo sua própria bricolage, como aluno o nosso autor aprendeu com Roger Bastide a se acautelar contra os perigos do etnocentrismo e a bombardear a realidade por vários ângulos e lados; com Sérgio Buarque, a ver a vida intelectual no Brasil como marcada pela dialética entre o localismo e o cosmopolitismo, e a procurar na literatura o fenômeno central da vida do espírito; finalmente, com Mário de Andrade, a focalizar minimalisticamente um determinado fenômeno para dele retirar valores universais. Não desprezemos a importância de Florestan Fernandes que, como amigo e colega, tornou-se o significant other com quem precisou se confrontar.

Fica apenas a questão: e se Antonio Candido tivesse optado pela antropologia naquela época? Não há dúvida de que a opção teria sido um erro. A antropologia da época da formação de Antonio Candido tinha por objeto privilegiado os grupos tribais brasileiros. Era a época da antropologia de Egon Schaden e de Herbert Baldus. E a sociologia? Esta, de origem durkheímiana, perdeu institucionalmente a hegemonia quando Bastide perdeu a liderança para Florestan Fernandes. Foi na crítica literária – um dos desdobramentos da sociologia dos anos 30 – que Antonio Candido conseguiu achar o nicho institucional que lhe permitiu fazer, escondido, uma antropologia da literatura, dentro do quadro de referência legado por Bastide, pelo Sérgio de Raízes e, indiretamente, por Mário de Andrade. Desta forma, não precisou negar sua inclinação poética, sua prosa elegante, sua intuição apurada e sua sensibilidade.

Não é possível refazer a história, mas é possível recuperá-la. E recuperando-se a história podemos trazer Antonio Candido para o convívio dos antropólogos, olhando o  seu “pluralismo” como uma afirmação das preocupações atuais da disciplina, e a sua crítica literária como caminho para uma antropologia da vida intelectual brasileira. E reconhecer que, se Antonio Candido não atingiu um certo tipo de poder, ele conseguiu o prestígio dos que sabem, algo que talvez ele considere, como muitos outros, mais gratificante. No país dos modismos, ele se livrou de ser antropofagicamente devorado:

“Vou fazer uma confissão cândida, já que me chamo Candido.”

(Recebido para publicação em agosto de 1989)

Notas

(*) Marina G. S. Peirano – Professora do Departamento de Antropologia da.Universidade de Brasília (UnB).

1 – Em novembro de 1978, Antonio Candido gentilmente me concedeu uma entrevista, onde expressou opiniões e falou de suas memórias; com o objetivo de esclarecer aspectos de sua trajetória intelectual. Este material foi utilizado em minha tese de doutorado (Peirano, 1981) e me baseio nele para tratar do período de formação de Antonio Candido. Tomo a liberdade de, ao longo deste artigo, citar alguns trechos da gravação que mostram a personalidade fascinante de Antonio Candido.

2 – Esta seção é baseada na entrevista mencionada na nota 1.

3 – O grupo de referência de Antonio Candido formouse também com Bastide: além do nosso autor, Ruy Coelho, também interessado em literatura; Gilda Mello e Souza, orientada para o estudo da estética; Loúrival Gomes Machado, artes plásticas; Paulo Emílio Salles Gorazes, cinema; Oswaldo Elias, cultura popular, e Florestara Fernandes, interessado em folclore no início da década de 40. Para a edição recente da tese de doutorado de Gilda Mello e Souza, defendida em 1950; ver Mello e Souza (1987 ) . Ver Pereira de Queiróz (1976 ) para um estudo sobre Roger Bastide.

4 – O termo, em inglês, é do próprio Antonio Candido.

5 – Ver; por exemplo, Fernandes (1978) e o prefácio de Antonio Candido para o mesmo livro.

6 – De unia entrevista concedida por Florestan Fernandes, também em 1978, na mesma época da conversa com Antonio Candido ( cf . nota 1) . Ver também Peirano (1984 ) .

7 – Expressão usada por Antonio Candido.

8 – Alguns sociólogos aproveitaram e combinaram diversas influências. Antonio Candido acha que talvez tenha inspirado os trabalhos de Maria Isaura Pereira de Queiróz, responsável inclusive por ter corrigido muitas de suas idéias, e Maria Sylvia de Carvalho Franco, aluna de Florestan Fernandes mas em quem reconhece afinidade de abordagem. É na literatura, contudo, que identifica seus alunos: Roberto Schwarz, Maurício No gueira Galvão, Davi Arrigucci Jr., João Lafetá, José Miguel Visnick, por exemplo: “Esses são . os meus Fernando Henriques, os meus Otávio Ianni”.

9 – Alfred Métraux escreveu em seu diário no dia 12 de novembro de 1951: “Longa conversa com Flórestan Fernandes, mais intoxicado do que nunca com suas teorias e métodos” (Métraux, 1978, p. 329; tradução minha).

10 – Antonio Candido se referia a romances de Pedro Nava, Paulo Emilio Salles Gomes e Darcy Ribeiro.

11 – O comentário é de Francisco Foot Hardman apresentando o livro de José Murilo de Carvalho (1987 )  

12 – O prestígio da Anpocs atesta para este ponto de vista. Os prêmios de “Melhor Tese”, no entanto, são divididos entre as três áreas: sociologia, antropologia e ciência política. 

13 – Tomo a expressão emprestada do próprio Antonió Candido, quando ele caracteriza a literatura no Brasil como “interessada”, querendo chamar a atenção para o fato de que ela é marcada por um compromisso com a vida nacional no seu conjunto (Candido, 1964, p. 18).

14 – Ver Brew (1963), especialmente o artigo assinado por Fred Eggan.

 

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