Não sou monarquista, muito menos saudosista, mas uma comparação precisa ser feita. Talvez o estadista brasileiro que mais investiu nas ciências e nas artes tenha sido D. Pedro II. Tanto que ele próprio era visto pelos eruditos de sua época como um símbolo de sapiência e virtude. Machado de Assis, por exemplo, em 1860, escreve um poema que saúda o imperador dos trópicos: 

César! Fulge mais luz nas saudações do povo
Há nos hinos plebeus mais alma nacional
Quando a mão do Senhor ergue dum gérmen novo
A virtude e o saber em fronte imperial

A virtude e o saber emanavam do Imperador. Os membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) consideravam sua inteligência “do mais súbito quilate”. E o artista Manoel de Araújo Porto-Alegre, discípulo de Jean Baptiste Debret, dizia que “o sublime filho do equador vela como o atalaia, pensa como o filósofo”.

Nos anos de 1860, mesmo após a crise bancária de 1857 e em meio à trágica Guerra do Paraguai, D. Pedro II financiava expedições e cientistas, engenheiros e advogados, naturalistas e botânicos, professores de escolas primárias e secundárias etc. Dava sugestões acerca do que deveria ser pesquisado e discutido entre os membros do Instituto Histórico. Em suas cartas manifestava o seu ódio à escravidão, e sob seus auspícios apareceram o Barão de Mauá com suas ferrovias e iluminação pública, João Caetano no teatro, entre outros…

Seu interesse pelas pesquisas científicas desenvolvidas pelo IHGB era maior que pela própria política. Lilia Schwarcz destaca que D. Pedro II presidiu “um total de 506 [sessões do IHGB] – de dezembro de 1849 até 7 de novembro de 1889 –, só se ausentando em caso de viagem. Tal fato torna-se ainda mais relevante se comparado à pouca participação do monarca na Câmara”,[1] que só aparecia no início e no final do ano por meio da Fala do Trono.

Na época, uma frase pronunciada pelo monarca nos corredores do IHGB ficou famosa: “A ciência sou eu”. Uma alusão direta a Luís XIV; “uma referência ao momento em que D. Pedro passa a ser artífice de um projeto que visava, por meio da cultura, alcançar todo o Império”.[2] Além disso, dizia que se não fosse imperador queria ser professor. D. Pedro II tornou-se, assim, o representante do conhecimento, aquele que possui um saber incomensurável, maior que de qualquer outro sábio, de modo que todos passaram a ser seus discípulos: “corrigindo erros, lembrando alvitres, ele ficaria igual a nós se por ventura a imensa elevação do seu saber não nos retivesse sempre na inferioridade dos discípulos”.

Já no Brasil de hoje, nosso digníssimo presidente da República é um vexame nesse quesito. A falta de investimento fez com que os próprios cientistas e intelectuais se decepcionassem com o futuro da ciência: “A longo prazo, o Brasil não conseguirá atingir o nível de desenvolvimento, garantir a competitividade no cenário mundial e nem se transformar numa potência não só econômica mas também científica, cultural e social”, diz Mario Neto Borges, presidente do CNPq.

Enquanto no Império, D. Pedro II era a garantia de um futuro próspero por ser protetor das ciências, artes e letras, o presidente Michel Temer é considerado um algoz do desenvolvimento científico do país, simbolizando o atraso com seus cortes indevidos na área. Enquanto que D. Pedro II em suas cartas execrava a escravidão, o nosso presidente coloca em risco o combate ao trabalho escravo.

Odeio anacronismos, não é isso que faço aqui, só busco observar cada um dos estadistas guardando as devidas proporções temporais. A falta de investimento em ciência e cultura não é por causa da crise (uma desculpa que vale para tudo), mas um tipo de compromisso adotado pelo governo para acorrentar o Brasil à condição de subdesenvolvido e salvar as fortunas das grandes corporações que sugam as riquezas produzidas por um povo que passa por dificuldades. Definindo quais as medidas que o governo deve adotar para “salvar” a economia, provocam a miséria e a obtusidade para se livrarem dos impostos. Enquanto durante a crise de 2008, países como Coreia do Sul, Estados Unidos, China e a União Europeia passaram a investir mais em ciência e tecnologia, no Brasil “a ciência é a primeira a ser cortada”, disse o presidente do CNPq.

Parece que há um interesse das elites econômicas, que se apresentam por meio de suas marionetes, em retroceder. O bom e velho imperialismo. É o culto ao fracasso e ao regresso. Que faz D. Pedro II revirar-se no túmulo.

*Raphael Silva Fagundes é doutorando do Programa de Pós-Graduação em História Política da Uerj e professor da rede municipal do Rio de Janeiro e de Itaguaí.

[1] SCHWARCZ, Lilia Mortiz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Cia das Letras, 1998, p.127.

[2] Ibidem, p.131.

Publicado em Le Monde Diplomatique Brasil