Mãos para trás, andando em fila; cabelos bem cortados para os meninos e presos para as meninas; códigos rígidos de vestimenta; senhor e senhora para professores e inspetores; nenhuma contestação da autoridade da direção ou coordenação; nada de debates ou discussões, só aula e prova; advertências, suspensões e expulsões a rodo.

Já imaginaram isso tudo acontecendo numa escola particular com mensalidades caras, destinada aos brasileiros endinheirados? Sim, até os anos 1980, ainda encontrávamos colégios de elite com alguns desses mecanismos disciplinares. Hoje, nem pensar. Muitos, aliás, especializaram-se em mimar playboys e em obedecer a papais e mamães que querem demitir o professor de história comunista, ou proibir aquele livro sobre cultura afro-brasileira.

O Brasil infelizmente cultivou uma classe dirigente mandonista e autoritária, que não mais se curva a professores ou à cultura em geral.

Mas é também verdade que os habitantes do andar de cima perceberam algumas coisas: o mundo mudou, o trabalho mudou, a economia mudou. Muitos mandaram seus filhos para temporadas de intercâmbio em colégios na Europa e nos Estados Unidos, e lá experimentaram outra organização escolar. Testes padronizados, aulas expositivas e atividades de treinamento repetitivo ficaram fora de moda.

Eles também ouviram falar de escolas no Vale do Silício em que as turmas são multisseriadas, o currículo é organizado em projetos de pesquisa e atividades lúdicas são cada vez mais valorizadas. Também leram em alguma revista no cabelereiro sobre uma tal “cultura maker”, por meio da qual o aluno aprende na prática, muitas vezes fora da sala de aula. Aliás, espantaram-se em saber que, em algumas escolas do “primeiro mundo”, nem carteiras enfileiradas existem!

Mais por admirarem tudo que os gringos fazem que por qualquer convicção filosófica, hoje os muito ricos procuram colégios onde cooperação, empatia, trabalho em equipe, inclusão e discussão coletiva são a tônica do trabalho pedagógico. O mercado já percebeu a tendência e aposta muitos milhões na construção de grandes colégios destinados ao público first class. A educação básica, assim como o ensino universitário antes dela, foi parar nas páginas das revistas de negócios e nos índices da bolsa de valores.

A realidade dos brasileiros pobres é bem outra. Escolas sucateadas, professores mal remunerados e ausência de planejamento pedagógico adequado são a triste recorrência da educação pública e gratuita. A alternativa que vem surgindo no horizonte, porém, é igualmente trágica. E ela nada tem a ver com a renovação de conceitos e práticas que se nota nos estabelecimentos particulares.

Veio do governador da Bahia, Rui Costa, um grão-petista, a mais recente adesão ao novo “projeto” para a educação pública brasileira: a militarização da administração escolar, terceirizada ao Exército ou à polícia. Em sua justificativa, o político baiano mencionou os resultados dos colégios militares, cuja performance em exames como o Enem é notável. Assim, sem mais, afirmou ser sua intenção levar esse desempenho aos alunos da rede pública.

O discurso de Sua Excelência é altamente contestável. Colégios militares são poucos e fazem vestibular, aplicam testes de seleção rigorosos para quem pleiteia uma vaga. Os resultados são derivados em grande medida da seletividade na porta de entrada. Além disso, a disciplina de seus alunos nem sempre nasce dentro da escola, mas fora dela. Afinal, a maioria provém de famílias de militares e quer, a princípio, seguir carreira nas Forças Armadas. Nesse sentido, estão obtendo a formação apropriada.

Evidentemente, o milagre não se repetirá em outros contextos, com outros alunos e sem seleção prévia dos mais aptos. Por lei, os governos devem garantir o acesso universal à educação básica. Ainda.

Então, o que realmente tem levado mais e mais governadores a proclamarem as virtudes da educação militarizada e firmarem convênios com as PMs de seus estados para a gestão de escolas públicas?

Trata-se de uma tática eleitoreira tipicamente fascista: a manipulação do medo.

A violência vitima crescentemente a população periférica das grandes cidades brasileiras; o avanço do tráfico de drogas e as promessas abundantes de ascensão social pelo crime seduzem parcelas dos jovens pobres. Diante do desespero de pais e mães (mais mães que pais, dada a formação atual dos lares em regiões mais humildes), o apelo à disciplina e ao regramento mais estreito é muito forte. Escolas administradas por militares parecem ser a salvação. “Lá meu filho não vai fumar maconha, lá não tem bandido.”

Processo similar vivemos com a intervenção federal no Rio de Janeiro, ou com as pautas no estilo “lei e ordem” que surgem vez ou outra no Congresso Nacional. O discurso político fascista pretende “endireitar” as escolas brasileiras, em todos os sentidos do termo.

No debate sobre educação, a manipulação do medo tem propósitos certeiros: o que se deseja de verdade é eliminar qualquer vestígio de pensamento crítico nos jovens pobres, adestrá-los como mão de obra servil, imprimir-lhes a obediência como princípio fundamental.

Tal é a finalidade da militarização de escolas públicas: confinar a juventude das periferias ao curral bovino da subserviência.

 

*José Ruy Lozano é sociólogo, autor de livros didáticos, conselheiro do CORE (Comunidade Reinventando a Educação) e coordenador pedagógico geral do Colégio Nossa Senhora do Morumbi – Rede Alix.

Publicado em Le Monde Diplomatique Brasil