Parecem não ter fim os dias terríveis que apertam Trump numa tenaz de escândalos e ilegalidades: o antigo chefe de campanha do presidente estado-unidense, Paul Manaford, foi condenado por oito crimes de fraude e evasão fiscal; o ex-advogado, Michael Cohen, admitiu a culpa por graves violações da lei eleitoral e apontou o dedo ao comandante-em-chefe; o presidente executivo do National Enquirer e amigo pessoal de Trump, David Pecker, chegou à barra do tribunal por operar uma rede ilegal de compra e ocultação de informações pessoais, e grotescas, sobre Trump; a ex-directora do Gabinete de Relações Públicas e assistente do presidente, Omarosa Manigault, bateu com a porta da Casa Branca dando à estampa um livro que revela um presidente racista, sexista e demente; outro livro, da autoria do jornalista Bob Woodward, publicado esta semana, levanta mais o véu sobre o clima de guerra palaciana que se respira na infame ala ocidental.

Mas mais do que os casos em si, amplamente noticiados pelas agências internacionais, deve-nos interessar o significado político da forma como o Partido Democrata (PD) faz a guerra a Trump. Para a compreensão do momento histórico e leitura dos interesses em jogo, destacam-se três notícias que mereceram muito menos atenção mediática: a decisão do aparelho do PD em afastar, por agora, o cenário de destituição do presidente; o cancelamento da viagem da comitiva encabeçada por Mike Pompeo à República Popular Democrática da Coreia e, finalmente, o alinhamento do PD com a política fiscal, orçamental e migratória de Trump.

Partido único e bicéfalo

Ou seja, a fractura política no seio da classe dominante nunca foi tão profunda, mas não se prende com considerações éticas sobre crianças em jaulas e, por outro lado, o PD receia mais o que tem a perder do que ambiciona o que tem a ganhar. O capital representado pelo partido do burro receia, por exemplo, pôr em causa a desregulamentação da economia, as benesses fiscais para os multimilionários e a militarização da fronteira com o México. A destituição de Trump fragilizaria as políticas que agradam aos democratas e despoletaria uma revolta da extrema-direita que assusta os democratas.

A estratégia do PD consiste portanto em despolitizar a luta contra Trump e reduzi-la a ataques publicitários e judiciais, vencendo assim as eleições deste ano para as duas câmaras do Congresso e passando o ónus da destituição para a investigação liderada por Robert Mueller.

Perante a rápida emergência do fascismo nos EUA, o PD mostra-se ora titubeante, ora medroso, ora desinteressado, ora ineficaz. Afinal, é maior aquilo que os une do que aquilo que os separa. A única linha vermelha traçada pelos democratas é a reorientação da política imperialista. A uma só voz, Pentágono, Wall Street e PD deixaram claro que não admitirão a guerra comercial que os sectores pró-Trump do capital pretendem aprofundar. Na mesma linha, não lhes interessa a paz na península coreana, nem no Médio Oriente, nem na Rússia.

Tal como sempre aconteceu ao longo da História, a burguesia não trava o fascismo. Os democratas negoceiam com Trump o que interessa ao capital, fecham os olhos ao que interessa aos trabalhadores e reduzem a enorme ameaça que paira sobre a humanidade a um jogo de luzes e escândalos e tribunais. É uma dança com o Diabo que conhecemos demasiado bem.

*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2336, 6.09.2018