Os últimos posicionamentos de líderes ligados à candidatura do PSL e às Forças Armadas, a começar pelo vídeo gravado por Jair Bolsonaro no hospital em que está internado, reforçam o sinal amarelo para a debilitada democracia brasileira que, desde 2016, com a deposição presidencial altamente polêmica, ingressou em um processo de desdemocratização. É hora de atenção, de muito cuidado na travessia em curso.

No vídeo, o líder nas pesquisas de intenção de voto diz que não houve ditadura militar no Brasil, que Lula tem um plano B, a se materializar na fraude eleitoral nas eleições em curso, supostamente facilitada pela não aceitação do voto impresso pelo STF, a pedido de Raquel Dodge; que o voto eletrônico é o caminho descoberto pelo PT para se perpetuar no poder; que não há qualquer garantia nas eleições atuais; que Dilma apoiou a criação da Unidade Técnica Eleitoral da Unasul, deixando implícito ser tal medida uma conspiração bolivariana; referiu-se também a documentos do PT supostamente comprometedores da liberdade, como um que aborda a regulação da comunicação social, embora, como é publicamente sabido, o objetivo seria cumprir  o estabelecido no Art. 220, a proibição de monopólio ou oligopólio no setor.

Com base em uma interpretação volátil do artigo da Constituição que afirma que as Forças Armadas “destinam-se […] à garantia dos poderes constitucionais”, o general Mourão, candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, disse na GloboNews, em 8 de setembro, que os militares têm debatido como seria possível eles intervirem ou respaldarem medidas para garantir a lei e a ordem. Essa posição enseja avaliar o risco de um autogolpe em caso de vitória do candidato do PSL.

No dia seguinte, o comandante do Exército, general Villas Boas, previu um possível questionamento da legitimidade das eleições por setores derrotados. Apesar do caráter político do pronunciamento, ultrapassando a delimitação constitucional de suas funções, o presidente Temer, cuja crise de autoridade e legitimidade é gigantesca, não contestou o comportamento do general.

Mais recentemente, Mourão também sugeriu uma Constituição elaborada por notáveis, sem povo. No dia 15 de setembro, o general da reserva Luiz Eduardo da Rocha Paiva afirmou, em programa na GloboNews, que o problema não seria nem o Lula e nem o Haddad, mas os que estariam abaixo deles: José Dirceu, o falecido Marco Aurélio Garcia e o Pomar (o Vladimir ou o Valter?), todos engajados ou interessados em organizar uma suposta revolução gramsciana, silenciosa.

Essas declarações são muito preocupantes. Quem acha que falar em metralhar “petralhas” em público é brincadeira de um candidato brincalhão, ou está mal informado e precisa entender o que se passa no país ou efetivamente compartilha a subcultura política que desvaloriza a democracia. Entre a alusão à metralhadora e o discurso irracional do hospital há um nexo claríssimo de coerência.

No contexto da crise brasileira e do sistema democrático-representativo, atores institucionais de órgãos do aparelho repressivo do Estado, primeiramente a Justiça, o MPF e a Polícia Federal, em seguida alguns expressivos militares da ativa e da reserva passaram a se colocar como engajados na promoção e na garantia de uma nova ordem, mediante comportamentos políticos de conteúdo bonapartista e autoritário. Na perspectiva de Bolsonaro, uma quinta vitória consecutiva do PT nas eleições presidenciais seria inaceitável.

A não aceitação do resultado eleitoral por Aécio Neves, em 2014, foi um dos três pontos recentes da autocrítica de Tasso Jereissati, ex-presidente do PSDB, sendo os outros dois a posição desse partido contra o ajuste fiscal de Joaquim Levy, em 2015, e o ingresso na coalizão de sustentação do governo Temer no Congresso Nacional. Pelo andar da carruagem, uma eventual vitória do PT nas eleições em curso poderá ser objeto de ataque de uma emergente fonte política de questionamento do resultado das urnas.

Enfim, prevalecendo o provável cenário de segundo turno entre Bolsonaro e Haddad, um ponto-chave será a (in)capacidade de se constituir um pacto pluripartidário pela democracia, pelo respeito às urnas, envolvendo, entre outros atores, o PSDB, o PDT, o MDB, o PT, ciristas, marinistas, alckministas, petistas, uma frente que abranja, mas expanda, o conteúdo da frente das mulheres contra o candidato extremista, pois envolveria, além das questões de gênero, a governabilidade do próximo período e, ainda mais, a própria defesa do regime político em estado de maus-tratos.

Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), realizou estágio de pós-doutorado na Universidade de Oxford e estuda as relações entre Política e Economia

Publicado em Brasil Debate