Em 1979, o então ministro do Planejamento, Mário Henrique Simonsen, deixou o comando da equipe econômica recomendando ao seu sucessor, Antônio Delfim Netto, suas ideias sobre “estabilidade”, “necessidade de ajustes” e “austeridade fiscal”. Em seu discurso de posse, o novo ministro pediu aos empresários que preparassem suas máquinas para uma época de muito trabalho. Por trás daquela troca de comando estavam concepções plantadas pela ditadura militar e que resultaram, nos anos 1980, na famosa “década perdida”. Somava-se ao diagnóstico conservador a afirmação de Simonsen de que o Brasil não teria como sustentar o ritmo vigoroso de crescimento dos anos 1970 e que ”duros ajustes” eram necessários.

 O resultado? Bem, não é preciso muito conhecimento sobre economia para saber quem pagou a conta daquele desastre. As marcas na vida do país foram profundas: inflação fora de controle por longos quinze anos, o que originou uma sucessão de fracassados planos econômicos; pouco investimento em atividades produtivas; descrédito internacional e por aí a lista segue. Chegamos à “estabilidade” da “era FHC” e por consequência ao fundo do poço. A oposição àquele modelo ”ortodoxo” venceu as eleições de 2002, mas não a contenda entre duas correntes de opinião divergentes no debate econômico.

A primeira tinha — e tem — a “estabilidade” acima de tudo. A segunda defendia — e defende — que o país deve buscar crescer mais e mais, adotando medidas para destravar o país. Os conservadores, como sempre, gostam de manipular esse tipo de debate. Ainda no governo Lula, no segundo, o instituto de pesquisa Vox Populi, de Belo Horizonte, perguntou aos brasileiros se eles preferiam mais inflação e mais emprego ou a mesma inflação com o mesmo desemprego. Apenas 11% preferiram a segunda opção, contra 38% que disseram aceitar mais inflação se fosse acompanhada de mais empregos. Foi o sinal para que uma série impressionante de bobagens começasse a aparecer nos jornais. Os ”comentaristas” não perderam a oportunidade para atacar ”o virus do populismo”.

O desenvolvimento do país, ao contrário do que dizem os conservadores, deve sim ser um obsessão nacional. Sem um horizonte econômico claro, não há como destravar o país. Crescimento sustentado quer dizer que o país consegue financiá-lo de forma não-inflacionária e sem pressões externas. Infelizmente a economia brasileira, combalida pela gestão desastrosa dos anos da ditadura militar e da “era FHC” — e que avançou pelo governo Lula com Antônio Palocci —, ficou longe de alcançar esse objetivo nos governos Lula e Dilma. Muito mais longe do que dizem essas pessoas que pedem mais “estabilidade”. Com fazem os golpistas de agora, mesmo à custa de menos produção e menos investimento público.

Em um país com tantas carências, assim que um problema sai da linha de frente outros ocupam seu lugar. Assim, depois do longo domínio conservador na economia, o desemprego passou a ser o primeiro problema a ser enfrentado. Mas as carências sociais no Brasil são grandes só podem ser resolvidas com anos e anos de crescimento econômico. E só se consegue crescer por muito tempo com planejamento. E com debate democrático — ideia proscrita dos manuais da “ortodoxia”.

Infelizmente, mesmo no ciclo progressista prevaleceu em nosso cotidiano aquele mecanismo ingrato que impede o país de discutir seu futuro. Para a direita e sua mídia há, basicamente, duas medidas que o governo precisava adotar — e que agora o golpe adotou — no campo econômico: reformas da Previdência (componente fundamental da PEC 55, aquela que limitou o teto de gastos sociais e infra-estruturais) e da legislação trabalhista. Como os governos progressistas não adotaram nada que passasse perto dessas medidas, o coro conservador tratou de desqualificar as propostas desenvolvimentistas anunciadas, com gritos histéricos de uma parte dos “comentaristas” econômicos contra o então ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Eles pediram, insistentemente, coragem ao governo para enfrentar os partidos de esquerda e o movimento sindical — na vida real, os interesses dos trabalhadores — para identificar o que convinha ao país — segundo um editorial do jornal O Estado de S. Paulo. Mantega anunciara que o governo seguiria outro caminho. Ele disse que as medidas para destravar o país eram um problema complexo, com vários capítulos. ”Não é pouca coisa”, afirmou. O ministro disse também que o governo vinha trabalhando a todo o vapor para construir um programa coerente que melhorasse a economia, e não a prejudicasse. ”Estamos fazendo um milagre”, afirmou.

O ministro também afirmou que o governo pretendia abrir uma discussão ”com toda a sociedade brasileira” para definir se havia necessidade ou não de uma nova reforma da Previdência. Segundo ele, não havia decisão no governo sobre a necessidade ou não de medidas adicionais, além das de melhoria de gestão. Ele afirmou que seria uma discussão aprofundada e feita às claras — medida que deve ter arrepiado os ”ortodoxos”.

Ao lado de Mantega estava Dilma Rousseff. Quando ela assumiu a Casa Civil, recebeu a incumbência de Lula de trabalhar duas prioridades: a logística e avançar na área energética. Caracterizada por José Dirceu, então ministro-chefe da Casa Civil, como sua ”camarada de armas”, Dilma chegou pregando que os ‘ministros teriam de gastar tudo, “nem um milímetro a menos, nem um tostão a menos”.

A ideia central das propostas do governo, de acordo com Dilma, estava na redução dos custos logísticos para garantir a competitividade do setor produtivo, além de garantir as condições necessárias para permitir o desenvolvimento do país. ”Antes do atual governo, não havia planejamento para o setor, e tivemos que correr atrás. É certo que não podemos ficar a reboque de ações pontuais, mas sim montar uma infra-estrutura que garanta a aceleração do crescimento”, ressaltou. Estava começando a era do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).