CONFIRA O ESPECIAL SOBRE PAULO FONTELES FILHO, homenagem a 45 anos de luta

Paulo Fonteles Filho foi um arqueólogo da vida, um construtor do presente, um arquiteto do futuro. O Sul do estado do Pará, região de agudos conflitos de classes, acostumou-se com a sua presença espalhando generosidade, sonhos e esperanças. A cidade de Belém presenciou sua intrepidez na semeadura de ideias para um Brasil democrático, soberano e desenvolvido. Incontáveis vezes os paraenses ouviram e leram suas palavras falando de justiça, paz, lutas, direitos humanos, progresso social. Não raro, viram seus gestos enfatizando pensamentos, convicções, concepções, reforçando o vigor das palavras com punhos fechados e mãos apontando para horizontes imaginários.

Mas as circunstâncias encerraram essa trajetória precocemente, com seu abrupto falecimento na madrugada de 26 de outubro de 2017, decorrente de parada cardíaca durante o tratamento de boncopneumonia. Uma sensação de vazio tomou conta da militância do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) — ao qual ele pertenceu desde os primeiros anos da adolescência —, de familiares, amigos, companheiros de ideais, camponeses e demais trabalhadores que com ele conviveram. Fica a memória de um bravo lutador, que muitas vezes pôs a vida em risco para defender as bandeiras que abraçou.

Nos últimos tempos, dedicou-se também ao registro da memória de seu pai, Paulo Fonteles, assassinado em 11 de junho de 1987 por balas de pistoleiros a serviço de latifundiários. Criou, com outros familiares de vítimas da ditadura militar, o “Instituto Paulo Fonteles de Direitos Humanos”, que prepara o livro biográfico do pai, intitulado “Paulo Fonteles, sem ponto final”, do escritor Ismael Machado.

Perseguido pelos mesmos que tiraram a vida do pai, teve de se ausentar do seu estado. “Estive com ele recentemente, que me contou sobre seu auto-exílio em Niterói, Rio de Janeiro”, diz Renato Rabelo, ex-presidente do PCdoB e presidente da Fundação Maurício Grabois, que conviveu com Paulo Fontes, pai de Paulinho, como ele carinhosamente chama Paulo Fonteles Filho.

De acordo com Renato Rabelo, seus relatos lembraram muito o caso do seu pai. “A gente não pode correr o mesmo risco de anteriormente. Tiramos a lição de que não se pode subestimar o papel sobretudo de oligarquias como aquelas do Pará”, comentou ele com Paulo Fonteles Filho, enfatizando que o PCdoB passou a levar muito em conta a importância de preservar seus quadros, não se deixando levar por visões espontâneas, voluntaristas. “Isso só levava a fracassos e até mesmo à perda de dirigentes importantes do PCdoB”, afirmou, destacando que ele concordou com essa orientação.

Na conversa, Renato Rabelo diz ter comentado que achou correto ele sair da região até a situação esfriar. “Conversamos sobre alternativas e procurei ajudar, porque gato escaldado tem medo de água fria. Me veio muito à memória o caso do pai dele, com quem convivi”, comenta, lembrando que recomendou uma solução bem definida para o caso. “Paulinho, você tem de levar isso a sério, não pode tratar a questão ouvindo a opinião de um e de outro, que não vai resolver nada. O Partido tem de sentar contigo, inclusive com a presença de gente da direção nacional, e definir claramente onde você vai e que tarefa vai fazer, para te preservar, sobretudo nesse momento mais agudo”, recomendou.

Segundo Renato Rabelo, ele levantou a hipótese de fazer pós-graduação em direito em Portugal, possiblidade que considerou interessante, desde que fosse uma conclusão amadurecida. “Fiquei muito preocupado e procurei acompanhar isso. Depois é que soube que ele ficou muito doente”, comenta. Na conversa, Paulo Fonteles Filho pediu a Renato Rabelo uma apresentação do livro biográfico do pai. “Ele estava muito encantado com o lançamento, um projeto que merecia muita sua atenção, que eu considerei de fato importante porque ali está retratada a vida de Paulo Fonteles, com aspectos importantes daquela trajetória de luta libertária que a gente não pode deixar no esquecimento”, destaca.

Para Renato Rabelo, a conversa deixou uma recordação importante. “Eu poderia dizer que o Paulinho era a expressão viva do pai. Aliás, conversando com ele parece que eu estava diante do Paulo Fonteles. O Paulinho, como o pai, vivia a luta política de forma muito intensa, de maneira abnegada, apaixonada. Havia uma verdadeira paixão pelo que eles faziam, ações cheias de sonhos, de utopias, de ideias”, comenta. “Interessante que o contato com o Paulo Fonteles Filho era quase que uma revisitação à memória do seu pai. Até a voz, o jeito de falar. A mesma coisa”, enfatiza, recordando que na apresentação do livro cita que eram semelhantes até nas idiossincrasias.

Ao saber da morte de Paulo Fonteles Filho, diz Renato Rabelo, a trajetória do seu pai lhe veio à cabeça com muita força. “Aliás, recebi a notícia de manhã e para mim foi um choque terrível. Parece que eu estava vivendo novamente a morte do Paulo Fonteles. Porque eu via um e outro. Era impressionante isso”, diz. “Na conversa, observei que ele tinha tantas ideias, tantos projetos, uma pessoa nova, com grande viço, e morre assim, também de forma estúpida”, comenta, destacando que mesmo jovem ele tinha uma trajetória muito rica, dedicada à luta libertária, à defesa dos direitos humanos na vasta região da Amazônia do Pará.

De acordo com Renato Rabelo, a trajetória de Paulo Fonteles Filho é a de um exemplo de militante dedicado à causa do povo mais simples, sem ajuda e apoio. “Ele também se empenhou na localização dos guerrilheiros desaparecidos no Araguaia e se dedicou muito a isso, conseguindo certo êxito. Do PCdoB, talvez era o militante mais destacado na luta pelos direitos humanos. Deixa um grande exemplo, uma memória importante para o Partido”, afirma, enfatizando que os comunistas precisam desses exemplos. “O PCdoB se fortalece com a prática de seus militantes, sobretudo aqueles mais dedicados, que tem um papel de proa. É assim também que a gente forma o Partido”, finaliza.