Os pesquisadores refletiram sobre o legado de Karl Marx e sua aplicação nos dias de hoje para entender as relações sociais e o processo de reestruração do capitalismo em âmbito político, estatal e nas lutas sociais de maneira geral. Também foi ponto de reflexão comum balanço sobre o uso as contribuições de Marx para o pensamento crítico nacional, elencando avanços e gargalos em áreas como Educação e Ciência Política.
 
Marx mudou a consciência do mundo
 
Ao iniciar sua intervenção Saviani lembrou que “2018 marca os 135 anos da morte de Marx. Um autor cuja a obra mudou nossa consciência. Um autor que mudou a consciência do mundo. Um clássico, que se distingue tanto do tradicional como do moderno, que pode ser colocado ao lado de pensadores como Pitágoras, Hegel, Kant e Einstein”.
 
Segundo ele, Marx resiste ao tempo e se mantem como referência nos dias atuais, porque dá conta dos desafios postos e contribui para refletir sobre esses desafios de forma concreta. “A partir da análise do capitalismo, Marx conseguiu olhar para o passado, presente e projetou questões que até hoje são temas de debates na comunidade científica. Um clássico que continua sendo extremamente atual”, ressaltou.
 
Ele lembrou que ao pesquisar e esclarecer a ordem econômica capitalista ele, Marx, estabelece com máximo rigor científico as contradições inerentes ao capitalismo e observa que uma “nova forma social só se constituiria após o esgotamento pleno de todas as possibilidades contidas no próprio capitalismo”.
 
E emendou: “No momento em que comemoramos os 200 anos do nascimento de Karl Marx observamos que a crise sistêmica do capitalismo são ainda mais evidentes. Nossa atenção se vira para dois pontos latentes neste cenário: o estrutural e o conjuntural”.
 
Para o autor, ao lado da crise conjuntural emerge a crise estrutural, afetando a totalidade de um complexo social e todas as suas relações sociais. Fortalecendo um processo destrutivo e quem esgota as fontes enérgicas existentes na sociedade. “Espalhado pelo planeta, o capitalismo se expande e passa a sobreviver através de um  modelo de produção destrutiva”.
 
Saviani destaca que a relação com a sofisticação do sistema é brutal e nos cobra “luta diuturna” e fortalecimento da “consciência”, condições centrais para se entender e avançar, nos termos defendidos por Marx, a uma superação do sistema. Nesse sentido, o “trabalho educativo será fundamental neste processo”.

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Crise, conflitos e violência
 
A crise estrutural que afeta o próprio funcionamento da sociedade reflete sua faceta mais perversa nos dias de hoje. Nesta perspectiva, Saviani elencou dois pontos que ganham centralidade no seio da crise em curso: o comércio de armamentos e o comércio de drogas. Dito de outra forma, o pesquisador alerta que a guerra e o tráfico se converteram em grandes negócios.
 
“O mundo atravessa uma realidade de avanço da violência, física e/ou cultural, da destruição social, da fome, da miséria, das guerras regionais e de ataques à soberania dos povos. Todos eles causam ampla destruição  e cuja reconstrução aglutina grandes somas de capitais. Ou seja, as potências que financiam a destruição são as mesmas que já se prepararam para investir na reconstrução”, elucidou o pesquisador.
 
Obsolescência programada
 

 

Ao refletir sobre o impacto da tecnologia, Saviani problematizou sobre a questão da obsolescência programada, “a qual está associada ao processo de produção destrutiva, basta ver a vida útil dos aparelhos eletrônicos. Eles já nascem mortos”.  
 
“Isso ocorre com todos os produtos, sendo mais evidente nos equipamentos eletrônicos que utilizam como matéria-prima o plástico, cujos artefatos inundam o planta danificando o meio ambiente”, indicou. Ele destacou que, por outro lado, “no plano da superestrutura, a classe dominante não consegue mais ser a dirigente, ou seja, ela perde sua capacidade hegemônica e tem sua influencia ameaçada. Para superar isso e manter seu status quo, ela [ a classe dominante] usa de formas de coerção”.
 
E exemplificou a manutenção desta relação ao citar o uso criminoso dos meios de comunicação e a proposta de projetos como a Escola Sem Partido.
 
O legado de Marx para a educação
 
Ao falas sobre o legado de Karl Marx para a Educação, Saviani citou a  relação de Marx com seus filhos. “Ainda que a situação fosse muito difícil, Marx estabeleceu com eles uma relação que não baseava por meio de ordens, mas por sugestões. Ele nunca excluiu os filhos do convívio com os adultos, porque acreditava que os adultos poderiam aprender com as crianças. Porque acreditava que as crianças é que deveriam criar seus pais”.
 
Para Saviani, nesta perspectiva, Marx desde cedo, legou aos seus filhos uma educação clássica.
 
E ao conectar com a problemática da Educação no Brasil, o pesquisador indicou a contradição que vive a educação pública dentro do sistema capitalista. “Ao mesmo tempo que se busca a universalização do ensino público, esta é brecada pelo sistema. Já que o acesso pleno ao conhecimento implica à superação do referido sistema. Em suma, a luta por uma educação pública e de qualidade é, sem duvidas, a luta pelo socialismo”.
 
E finalizou: “A situação de crise global nos mostra algumas tendências, com destaque para um projeto para a Educação que, de forma geral, se vergam cada vez mais aos interesses do sistema capitalista, tornando a educação um objeto precioso para o capital. Soma-se a isso o impacto das tecnologias com um fomento brutal da fetichização, que penetra nas redes de ensino público, enfraquecendo os espaços de apropriação do conhecimento e prejudicando a formação de gerações inteiras”.
 
Marxismo e movimentos sociais
 
A segunda intervenção ficou por conta da pesquisadora e professora da Unicamp, Andréia Galvão, que refletiu sobre o desafio que é trabalhar e teorizar, a partir uma perspectiva marxista, os movimentos sociais na atualidade.
 
A pesquisadora destacou que ainda não há uma teoria marxista dos estudos dos movimentos sociais. Por outro lado, há categorias que nos ajudam a caminhar para essa teorização.
 
“A despeito do interesse do marxismo pelo estudo do movimento operário, não há uma teoria marxista dos movimentos sociais plenamente  desenvolvida e articulada. Isso porque as contribuições dos autores marxistas, em especial os clássicos, priorizavam as discussões sobre partido e sindicato, bem como as relações que estes estabeleciam”, explicou Galvão.
 
Segundo ela,  ainda que “o marxismo tenha se debruçado sobre o estudo do partido e sindicato, deixou passar a diversidade de outros movimentos, deixando o campo aberto para outras perspectivas, tais como o campo de pensamento pós-materialista e as teorias identitárias. De modo que uma teoria marxista dos movimentos sociais é uma tarefa ainda a ser realizada”.
 
Para organizar sua intervenção, Galvão enumerou quatro dimensões: (1) a relação de classes e movimentos sociais; (2) conflitos no trabalho; (3) contradição entre capital e trabalho; e (4) a importância da Economia Política na contemporaneidade.
 
A relação de classes e movimentos sociais
 
A autora trabalha o conceito de classe descartando sua relação com a renda e/ou dimensão ocupacional. Isso porque esses dois conceitos estão fora do campo de pensamento marxista.
 
“O conceito de classe concebido nestes termos permite que observemos o fenômeno a partir de sua dimensão mais ampla: a exploração e a dominação de classe delimitam um campo de interesse, que vai ser edificado na luta de classes. Assim, será possível destacar a importância da oposição de classes na emergência e estruturação dos movimentos sociais”, problematizou.
 
Neste sentido, a autora alertou que quando falar em classes trabalhadoras se refere às classes de trabalhadores rurais, classe média, operariado, etc. E procura fugir da tese da bipolarização de classe entre a burguesia e o proletariado, por entender que está contradição não dá conta dos fenômenos sociais que evidencia nos dias de hoje.
 
 “Trabalhar com o conceito de classe média ajuda a compreender as diferentes formas no jogo de interesse. De modo que o conceito de classe, a partir de uma perspectiva mais ampla, ajuda a pensar as diferentes formas da mobilização coletiva e entender o surgimento de movimentos sociais regressivos. Como é o caso dos movimentos que defendem a ideologia meritocrática e que tanto impacta a sociedade neste tempos”, indicou Galvão.
 
 Ao destacar o debate em torno do termo ‘Classe Média’, a pesquisadora salientou que “os marxistas tem dificuldade em trabalhar com o conceito. Isso porque preferem apontar a divergência entre os grupos ou estratos sociais no campo do trabalho”. Galvão ainda lembrou que, hoje, “os movimentos sociais não são uniclassistas, mas sim pluriclassistas. Ou seja, como as classes não são homogêneas, os movimentos sociais não o serão da mesma forma. Por isso que a recusa do conceito classe média dificulta a apreensão das diferentes formas de manifestação e dos interesses específicos defendidos pelos referidos movimentos”.
 
Conflitos no trabalho
 

 

A pesquisadora apontou que o surgimento dos novos movimentos tem como base o processo de contradição e crise do sistema capitalista. Aumento do desemprego, a individualização, a ideia de pertencimento a uma sociedade pós-industrial e o afastamento das entidades de organização social, como sindicatos, ampliam sobremaneira os conflitos. “Os conflitos do trabalho colocam em evidência os conflitos de classe”, apontou.
 
Para ela, esse cenário ajuda a refletir sobre as diferentes formas de objetivos de mobilização, com destaque para: as demandas pontuais do Estado, as lutas por reformas, as mudanças das práticas e dos valores sociais e a luta antissistêmica. Esses pontos não como excludentes, pelo contrário, alimentam um nova forma de luta e que ainda é carente de problematização.
 
Importância da Economia Política na contemporaneidade
 
Galvão também refletiu sobre as contribuições da Economia Política na contemporaneidade e destacou a importância de se olhar a conjuntura na qual o protesto se introduz e o caráter deste protesto no interior da sociedade.
 
E questionou: “Como movimentos que colocam projetos distintos podem encontrar lutas comuns? Até que ponto a luta por direitos é compatível com a luta contra o capitalismo? A luta contra a opressão passa pelo enfrentamento do capitalismo?”
 
E destacou que o ponto chave que une os diferentes movimentos, quando estes percebem a complexidade do sistema, é a luta contra um sistema excludente.
 
“Se, de um lado, os interesses da classe dominante se sobrepõem aos interesses dos dominados, de outro, os movimentos sociais, mesmo os que não travam a luta anticapitalista, se chocam com a ideologia dominante, se entendermos que as relações sociais capitalistas não se realizam apenas no plano da produção
“, externou.
E completou: “Por essa lógica a luta destes movimentos afetam o direito de propriedade (quando das lutas pelas ocupações de terra); a igualdade formal (que oculta a desigualdade real); e o direito e ir e vir livremente”.
 
Nos termos da pesquisadora, entender os processos que se estabelecem com os chamados novos movimentos, as contribuições marxistas e o legado dos movimentos tradicionais são fundamentais para entender a dinâmica do sistema capitalista e sua influência nos debates e rumos da sociedade.
 
“Olhar a dinâmica dos movimentos sociais nesta perspectiva significa jogar luz em seus avanços e retrocessos, seus potenciais e limites. Para, assim, apontar as contradições e as reproduções de preconceitos tanto na sua construção prática, como na sua construção teórica”, finalizou Galvão.