Paulo Cunha traz à tona a história de homens e mulheres do campo que se rebelaram contra o poder dominante em Goiás e, sob orientação comunista, levantaram a bandeira do direito à terra aos que dela efetivamente tiram seu sustento e a honram com o suor de seu trabalho.

O que se passou no interior goiano naqueles tempos? A luta pela terra era o que movia um punhado de camponeses e o que os levava ao embate. Em Goiás, entre os anos 1950 e 1960, direito ao trabalho e à terra era combatido pelos fazendeiros com “repressão pura e simples”, como diz Cunha, “queimando roças, espancando os moradores e seviciando suas mulheres e filhos”. Mais de cinqüenta anos depois, nada muda, ou a outra ação comum, que era a de partir para a “grilagem” de terras (semelhante ao que acontece hoje em várias partes da Amazônia), argumentando serem os “legítimos proprietários, prática que se tornou comum no Estado de Goiás”. Naquele momento, o Brasil Central começava a ser encarado como um novo pólo de desenvolvimento: abertura da Belém-Brasília, a construção da nova capital do país e um programa federal de instalação de colônias agrícolas, e com porções extensas de terra prontas para serem cultivadas. A realidade se mostra dura.

No livro, Paulo Cunha demonstra que pari passu com a construção do Partido Comunista em Goiás – com lideranças como Gregório Bezerra, Ângelo Arroyo e Antônio Granja –, há a tentativa de se erigir uma política mais densa e robusta sobre o modo da atuação que os comunistas deveriam ter no campo. Deve-se levar em conta que no início da década de 1950 ocorre a revolta de Porecatu, no Paraná, movimento com origens semelhantes à de Formoso e Trombas e que auxilia, em muito, neste tour-de-force, na busca de uma inserção no campesinato. Em 1954, relata Cunha, o dirigente Calil Cheide “(…) responsável pelas atividades do partido comunista no campo (…) afirmou que as massas só podiam ser cooptadas se o Partido tivesse um programa agrário radical”. O período para as organizações sindicais rurais também era alvissareiro, ocorreram na época a 1ª Conferência Nacional dos Trabalhadores Agrícolas e (em 1954) o Congresso Nordestino de Trabalhadores Rurais e a fundação da ULTAB (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil), embrião da CONTAG.

Mas em Formoso e Trombas, a situação não estava muito propícia para novidades…
A partir de um núcleo na cidade de Ceres (que chegou a organizar um congresso regional de trabalhadores agrícolas), os posseiros foram avançando rumo ao norte do estado de Goiás, desbravando e fugindo das precárias condições dadas pelo governo federal. No livro está demonstrado que a partir da constatação da correta e acertada política campesina dos dirigentes goianos, estes se tornaram peça importante dessa política em nível nacional, sendo indicados pelo comitê central para dirigir atividades, “incorporados às estruturas partidárias e organizações de luta no campo (…)”. O que ocorria em Formoso e Trombas já era dado como o “ponto de onde eclodiria a revolução no País”.

A ocupação da região de Formoso e Trombas é analisada no terceiro e quarto capítulos do livro, onde Cunha mostra a processo de organização dos posseiros e, respectivamente, os impasses e estratégias do movimento. É peculiar que, num momento em que se fala em internacionalização da terra brasileira (aquisição por parte de multinacionais e de investidores estrangeiros, de extensas porções de terra visando ao latifúndio monocultor) Cunha levante um episódio ocorrido na época, na região de Porangatu, de grilagem de terras, no qual se associaram latifundiários, grileiros, advogados, juízes políticos e empresas americanas.

No primeiro momento analisado (cap. 3), o livro discorre sobre a implantação e resistência da ocupação na região, destacando as figuras de José Firmino (em Formoso) e de José Porfírio (em Trombas). A luta na região é reforçada pela fundação da Associação dos Lavradores de Formoso e, paralelamente, há reações em maior número e peso. No livro são relatados os meios pelos quais as lideranças comunistas se organizaram na defesa de seus direitos e territórios. Mesmo diante do conluio reacionário, a disposição na luta pela posse da terra, quer por meios legais ou pela força das armas, é a marca dos posseiros e posseiras do norte goiano.

No quarto capítulo, Paulo Cunha demonstra que, passada a luta mais feroz, começa outra na qual se iniciam as articulações para a resolução do problema fundiário na região, ação esta interrompida pelo golpe de 1964. No momento do golpe, diz Cunha, cogitou-se, em um grupo de comunistas da capital federal, “(…) de seguir com armas para a região de Formoso e dali iniciar o contragolpe.”. O golpe de 1964 serviu também para desmobilizar as lideranças da região – que se empenhavam em negociações para a consolidação da ocupação – e, posteriormente, derrotar – com tortura, prisão e morte – os líderes da revolta de Formoso e Trombas.

Paulo Cunha sinaliza que a ocupação da região de Formoso e Trombas pode ter representado, para o
Partido Comunista do Brasil, o início de um processo de amadurecimento, após uma séria depressão, que culminou na formatação de uma política comunista para o campo. A experiência enriquecedora em Formoso e Trombas agregou aos comunistas a atitude e a ação dos homens e mulheres do campo em sua rica trajetória de lutas.

Não foi em vão a luta dos posseiros goianos, iniciou-se naquele momento a tradição de luta e desejo pela posse da terra no centro-oeste brasileiro perpetuando, como está no livro, na fala de Carlos Pereira: “fica o meu testemunho e continua o do povo. E a memória do povo é do tamanho do mundo…”.

Paulo Eduardo A. C. Cruz é Sociólogo e mestrando em Ciências Sociais pela Unesp

Bibliografia
CUNHA, Paulo Ribeiro da. Aconteceu longe demais – A luta pela terra dos posseiros em Formoso e Trombas e a Revolução Brasileira (1950-1964). Editora Unesp: São Paulo, 2007.

EDIÇÃO 93, DEZ/JAN, 2007-2008, PÁGINAS 80, 81