Completa cem anos o brasileiro criador de uma arquitetura de formas livres e leves, adversária do ângulo reto e amante das curvas. A imaginação rebentando as grades da razão. Cavalos selvagens – as mãos rejeitam os caminhos sulcados e gastos pela mesmice. Em vez disso, as veredas desconhecidas a que ordena o faro da intuição!

Em sabe-se mais quantos projetos espalhados por vários continentes, sua arquitetura fez brotar em concreto armado belas criaturas, tornando o mundo mais bonito. Aos cem anos se parece com uma dessas frondosas árvores frutíferas de seu país tropical que, mesmo com idade avançada, não param de florir, nem de produzir frutos.

Mas, esse brasileiro além de ocupar o século de existência a que já teve direito, embelezando o planeta com sua arquitetura, sua escultura, tem lutado para libertá-lo das injustiças, das guerras e da exploração capitalista. Desde cedo sua vida vinculou-se à causa do povo e ao inquebrantável compromisso com os ideais libertários do socialismo.

O exílio e sua arquitetura o fizeram viajar pelo mundo, que o recebeu com admiração, espanto e respeito. Tantas obras (consta cento e oitenta e um monumentos espalhados em quinze países) poderiam retratar essa admiração de diferentes nacionalidades por seu trabalho, mas, para efeito simbólico, sua participação destacada no projeto da sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, nos EUA, marca o reconhecimento mundial do valor de sua arquitetura.

Contudo, se declaradamente amou países, como França, Argélia, URSS, Itália, entre outros, sua grande paixão é o Brasil e o povo brasileiro. Eric Hobsbawm, historiador cuja reputação dispensa comentários, sentenciou: “É impossível imaginar o Brasil do século XX sem Oscar Niemeyer. É impossível pensar na arquitetura do século XX sem ele. É quase igualmente impossível pensar que este revolucionário criativo e notável tenha quase a mesma idade do século”.

Brasília é a prova maior desse seu amor pelo Brasil. Cidade de substantiva e imperativa beleza. As curvas e as colunas, os vãos, as cúpulas, forçando a matemática a fazer cálculos tidos como impossíveis, obrigando a engenharia a pospor seus limites. Tudo para o concreto armado adquirir flexibilidade.

À sua pátria tem dado o melhor de si como cidadão e arquiteto. Em suas andanças por belas e históricas cidades, como Paris, nunca ficou calado a qualquer crítica estrangeira ao seu país. Obviamente, tem consciência de suas desigualdades, dos saques e males provenientes do imperialismo, dóem-lhe na alma a pobreza e os infortúnios a que secularmente tem sido condenada grande parte de seus compatriotas. Mas, a vastidão e a juventude do Brasil e o caráter criativo e laborioso do povo sempre alimentaram suas esperanças de um presente e futuro melhores.

Em O ser e a vida, livro recém-publicado – – título, aliás, que lembra o diálogo sempre empreendido por sua inteligência entre Sartre e Marx, e nas palavras a que dirigiu à Princípios, em novembro último em seu escritório em Copacabana – ele mais uma vez mostrou a coerência de um cidadão que nunca se omitiu quanto ao destino da América Latina e do Brasil. Defende o governo Lula dos ataques da reação e faz uma conclamação à juventude para protestar contra as violências e injustiças que o capitalismo espalha e contra as ameaças desferidas pelo imperialismo contra o Brasil e toda a América Latina.

Um homem desapegado do dinheiro e apegado ao trabalho e de uma solidariedade sem limites aos seus companheiros e a todos quantos cruzam seu destino.

Um século de vida, um tesouro de realizações. Tesouro de tal valor, a ponto de outro grande brasileiro, Darcy Ribeiro, na ânsia de sublinhar o legado de seu compatriota, ter dito certa vez que o único brasileiro a ser lembrado no Século XXX seria Oscar Niemeyer.

Como outrora, taças ao alto: Vida ainda mais longa, ao camarada Niemeyer!

EDIÇÃO 93, DEZ/JAN, 2007-2008, PÁGINAS 3