Por Mary Stassinákis

Por Mary Stassinákis, no Monitor Mercantil

"Com mais de um milhão votos a mais do que a oposição, e vencendo em 20 dos 24 estados da Venezuela, Hugo Chávez mostrou que a oposição não pode enfrentá-lo, embora o número de seus partidários tenha aumentado substancialmente". Esta foi a introdução de um artigo publicado há dias pelo jornal El Pais da Espanha, um dos mais virulentos inimigos do presidente venezuelano.

Outros jornais europeus publicaram artigos e comentários mais agressivos, muitos do quais repletos de equívocos históricos e opiniões pessoais de seus autores transformadas em informações de fontes, invariavelmente inexistentes. Contudo, desde a guerra hispano-norte-americana (1895-1898), que projetou a hegemonia dos os EUA no hemisfério ocidental, jamais a influência de Washington sobre a América Latina foi tão fraca, quase insignificante, quanto atualmente.

Os únicos países da região que permanecem presos ao anzol da ex-superpotência são o México e a Colômbia. Até Honduras, tradicional república "bananeira" da América Central, expulsou o embaixador dos EUA em setembro, em sinal de apoio à Bolívia de Evo Morales, que se encontrou à beira de uma guerra civil, por causa do apoio que Washington deu aos governadores apóstatas das ricas regiões orientais.

O fenômeno dominó inaugurado por Chávez há 10 anos, com sua primeira vitória eleitoral na Venezuela, incluiu quase toda a América Latina, e o último elo foi atingido com a vitória do antigo movimento guerrilheiro Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional (FMLN) nas eleições de El Salvador, em janeiro.

Guinada católica

No período da Guerra Fria, a América Latina também conheceu ondas de radicalismo, as quais, aliás, tinham caráter ainda mais revolucionário e frequentemente assumiam feições armadas. Contudo, limitavam-se a um ou outro país de cada vez e assumiam maiores ou menores iniciativas, mas não maiorias populares. Com a exceção de Cuba, esse modelo não conseguiu chegar ao poder ou quando o conseguiu não demorou a ser derrubado por seus adversários, como no Chile e na Nicarágua.
Por outro lado, a guinada à esquerda da última década é quase católica, majoritária e vencedora, e resiste às tentativas de detoná-la com impressionante duração.

Tal tsunami continental obviamente não poderia ser atribuído somente ao demônio de Chávez, mesmo se o carismático líder tivesse as capacidades de um Próspero na Tormenta, de William Shakespeare. Alguma razão mais profunda deve existir, e esta deve ser procurada, como de hábito, na esfera da economia.
Após a queda do "Socialismo existente", a década de 1990 viu a ideologia da globalização neoliberal assumir a hegemonia no hemisfério norte. Entretanto, a América Latina foi a primeira zona do mundo a declarar a ortodoxia política uma fora-da-lei: as crises do peso (1994) e do real (1999) nos dois gigantes econômicos do continente, México e Brasil, tiveram papel catalítico.

Mas a alavancada decisiva foi dada com a bancarrota econômica dos melhores alunos do Fundo Monetário Internacional (FMI), a Argentina e o Equador, cujas moedas estavam indexadas ao dólar. Os levantes sociais de 2001 e de 2005, respectivamente, levaram os dois países à beira da guerra civil. E seus líderes fugiram de seus palácios presidenciais em pânico, para escaparem do linchamento por multidões furiosas.

Classe urbana patriótica

Neste clima, surgiu em vários países do continente o fenômeno de uma "classe urbana patriótica", que vê suas ambições serem tesouradas pelo FMI e seu poder político correr o risco de tudo, menos a teórica eventualidade de uma revolução social ou a guerra civil. Com mil e uma dificuldades e hesitações, esta parcela do establishment — que incluía parte das forças armadas — decidiu apoiar os líderes da esquerda, mesmo que experimentalmente, como um mal necessário. E a consequência foi a eclosão de um novo antiamericanismo, que se disseminou de forma ampla e veloz até entre segmentos das elites.

Seguramente, a nova esquerda da América Latina não é algo único. Se o eixo radical Chávez-Morales-Castro é orientado em direção a um certo (mas nada claro) "Socialismo do Século 21", o bloco predominante, sob a reação hegemônica cada vez maior do Brasil de Lula, busca não o rompimento com os EUA, a União Européia e o exemplo social deles, mas uma renegociação mais favorável. A direção que a balança irá tomar ainda não está clara.

Contudo, a crise econômica incentiva os governos da região a buscarem soluções radicais e dá "legalidade" à esquerda da esquerda. Propostas lógicas, como a redistribuição da riqueza, a estatização dos bancos e o fortalecimento do intervencionismo do Estado, até ontem tidas como esquerdizantes, dignas apenas de um Chávez, agora são defendidas por Alan Greenspan, o "Mago", e são adotadas (de forma resumida e provisória) por Barack Obama. Quem pode acusar Chávez quando a poderosa Newsweek, parafraseando Richard Nixon ("Na crise, somos todos keynesianos"), circula com o título "Agora, somos todos socialistas"!

Tiranos e "tiranos"

"Chávez, presidente perpétuo"! Eis o que vociferaram, em coro, vários colunistas e editorialistas de jornais do Ocidente, após a divulgação dos resultados do último plebiscito na Venezuela. Eles sustentam que Chávez se transforma em "tirano" ou "ditador". Uma acusação que denuncia ou uma plena ignorância sobre os acontecimentos na Venezuela ou uma antipatia extrema. Aliás, duas das características predominantes da maioria dos colegas das editorias de internacional dos jornais europeus.

Antes de mais nada, Chávez não se tornou "presidente perpétuo", simplesmente lhe foi outorgado o direito de disputar um terceiro mandato presidencial nas eleições de 2013, porque foi abolida a restrição constitucional de no máximo dois mandatos. Embora isto possa sugerir um comportamento ditatorial, Angela Merkel da Alemanha, Nicolas Sarkozy da França, Gordon Brown da Grã-Bretanha e tantos outros líderes de países onde não existe tal restrição são — igualmente — "tiranos" ou "ditadores", pois podem disputar tantos mandatos quanto desejarem.

Em seguida, os acusadores de Chávez silenciam o fato de que, ao longo dos 10 anos em que ele esteve no poder, convocou os eleitores às urnas por 15 vezes (em pleitos presidenciais, parlamentares, estaduais e municipais), e venceu 14 delas. Na única vez em que perdeu, no plebiscito de 2007, reconheceu sua derrota e instou seus partidários a irem para casa em paz, aceitando o resultado das urnas, democraticamente.

Ao contrário, a "oposição democrática" da União dos Industriais, da Igreja Católica e da maioria dos veículos de comunicação, com o apoio ($$$) do governo Bush Jr. e as instruções da Agência Central de Inteligência (CIA) dos EUA, tentaram derrubá-lo com um golpe de Estado. Em abril de 2002, esta tentativa de golpe fracassou graças à movimentação de forças populares e dos militares democratas. Aliás, vários políticos que haviam apoiado os golpistas, após serem anistiados pelo Supremo Tribunal de Justiça, candidataram-se nas eleições de novembro do ano passado, com a permissão do "tirano" Chávez, e vários deles foram eleitos!

Até o último dia de seu desastroso governo, Bush Jr. não desistiu de tentar derrubar Chávez através de um apoio explícito às tendências separatistas de dois ou três governadores de Estados venezuelanos, seguindo o "padrão Bolívia". O teatro básico dos cenários separatistas foi o Estado de Zulia, centro da produção petrolífera da Venezuela, onde atuam paramilitares de extrema direita da vizinha Colômbia, país do fiel aliado dos EUA Alvaro Uribe.

Após a Era Bush Jr.

Alguém poderia alimentar a esperança de que, com o fim da Era Bush Jr., as conspirações deste tipo desaparecerão em definitivo. Contudo, e infelizmente, os primeiros sinais não são nada encorajadores. Durante o período eleitoral, tanto Hillary Clinton quanto o vice-presidente Joe Biden caracterizaram Chávez como "ditador".

Em sua entrevista ao canal de televisão hispânico Univision, pouco antes de prestar o juramento constitucional, Obama acusou Chávez de "exportar atividades terroristas". Simultaneamente, Lula do Brasil encontrava-se com Chávez (não por acaso), destacando seu papel a favor da estabilidade periférica e a união na região.

Em seguida, o número dois do Departamento de Estado, James Steinberg, declarou ao Congresso, durante a habitual audiência antes de sua nomeação ser aprovada, que o governo Obama "buscará contrapesos aos governos da Venezuela e da Bolívia na América Latina". Questionado, o numero dois foi obrigado a reconhecer "o caráter democrático do último plebiscito na Venezuela".