O Imperialismo Em Busca de Novos Quadros
Na arena política acaba de aparecer no campo do imperialismo, aqui em nossa terra, mais um lidador voluntário e decidido para o combate do anticomunismo sistemático. Trata-se agora do Sr. Domingos Velasco, bom moço, ex-tenente ou capitão do Exército, hoje banqueiro ilustre, deputado federal, católico praticante e, por cima de tudo isso ainda, líder socialista e político de gênio, quase profético, como ele mesmo confessa, com louvável franqueza e justo orgulho, sem nenhuma falsa modéstia, em longo artigo no “Diário de Notícias” do Rio de Janeiro de 20 de junho do corrente ano. Nesse artigo preocupa-se o ilustre banqueiro com “a incapacidade política dos dirigentes comunistas” e caridosamente divulga alguns dos ensinamentos tirados de sua vasta e profunda erudição socialista.
Para o Sr. Velasco a Culpa é dos Comunistas
Antes de tudo devemos reconhecer que não deixa de ser realmente uma bela manifestação da “habilidade” política do ilustre deputado essa sua atitude, tão oportuna no momento, de veemente protesto contra a incapacidade política dos dirigentes comunistas. Reconhece o Sr. Velasco no seu artigo que, como profeticamente já previa em 1945, “a reação voltou” e declara então, com ênfase, que, como defensor da liberdade, há de protestar “contra as violências feitas aos comunistas”, e certamente, por isso escreve seu longo artigo em que, categórico, afirma logo de início que “cabe-lhes (aos comunistas) a maior parcela de responsabilidade no retrocesso democrático em que vivemos”.
De maneira que o ilustre socialista, defensor da liberdade, em vez de atacar a polícia e o Sr. Dutra, pobres vítimas dos erros dos comunistas, como homem inteligente que é, vai logo à causa original do mal, e defende a liberdade, atacando os dirigentes comunistas, o que além de satisfazê-lo como homem de ciência, como político profundo, tem ainda a vantagem de ser útil aos seus colegas os banqueiros ianques e ao Sr. Dutra a seus mantenedores da ordem, dessa ordem semi-colonial e semi-feudal, que o Sr. Velasco, como bom patriota, nem por ser socialista, não deixa de prezar a estar sempre disposto a defender.
Aquela notável descoberta do Sr. Velasco sobre a culpa dos diligentes comunistas, “a maior parcela de responsabilidade”, como diz, “no retrocesso democrático em que vivemos”, traz sem dúvida uma nova luz para todos aqueles que se dedicam à análise dos acontecimentos políticos em nossa pátria nestes últimos tempos. Era realmente inexplicável que um democrata tão conhecido como o Sr. Gaspar Dutra, “social democrata” mesmo, segundo o título do partido político que o elegeu, tivesse tão inesperadamente abandonado os métodos democráticos pela truculência policia! contra a liberdade de imprensa, contra a integridade física dos cidadãos, e exigido de homens tão santamente religiosos como o Sr. Adroaldo Mesquita, católico praticante como o Sr. Velasco, as medidas anti-constitucionais destes últimos tempos, de “retrocesso democrático”, como reconhece o Sr. Velasco. Só mesmo os erros horripilantes dos dirigentes comunistas poderiam levar tão santos varões a cometer tais desatinos. “Nestes três anos, eles (os dirigentes comunistas) têm cometido erros fundamentais”, sentencia o Sr. Velasco.
Essa a sua grande descoberta. Ah! se os comunistas fossem bons comunistas, se os seus dirigentes tivessem “capacidade política e a inteligência necessária para liderar o movimento popular no Brasil”, se fossem comunistas, assim como, por exemplo, o Sr. José Américo é democrata, o Sr. Gaspar Dutra é “social democrata” e o Sr. Velasco é “socialista”, se fossem enfim uns comunistas bons moços, hábeis, daquela “habilidade” no sentido do despistar do Sr. Getúlio Vargas, nenhum “retrocesso democrático” teria sido possível e ai teríamos um governo Dutra exemplarmente democrático e constitucional, um presidente Dutra definitivamente divorciado das suas velhas tradições de Condestável do Estado Novo.
Esse o eixo, a substância, a medula do longo artigo do Sr. Velasco, cujas palavras bem traduzem a violência patriótica de sua santa revolta contra os culpados maiores pelas desgraças que hoje nos afligem e ameaçam.
A Posição Política do Sr. Velasco
Falemos sério. Que motivos terão levado o Sr. Velasco a assumir tão estranha atitude? Quem, ou que causas, o terão obrigado a vir assim de público defender a ditadura, esse infame governo policial e de traição nacional e assumir essa tão pouco honrosa posição de, justamente agora, quando os comunistas são perseguidos e os integralistas com auxílio da polícia pedem a cabeça de seus dirigentes, vir atacá-los e insulta-los gratuitamente? Não terá na sua nova febre anti-comunista compreendido o Sr. Velasco que, com o seu artigo, como que colabora com os bandidos da “Sociedade dos Amigos do Brasil” (SAB) e se coloca afinal, desmascarado, ao lado da ditadura e da reação imperialista?
É claro que a nós comunistas não nos surpreende a atitude do Sr. Velasco, pois, há muito que acompanhamos sua evolução política que, paralelamente ao feliz desenvolvimento de sua prosperidade pessoal, levou-o, como a tantos outros “tenentes” de 1922 e 24, do campo incerto e sempre perigoso das rebeldias democráticas e populares, para o terreno firme da solidez bancária, para o outro lado da barricada, onde se encontram os grandes fazendeiros e industriais, os representantes do capital estrangeiro e os intelectuais “capazes”, “inteligentes” e “hábeis” que, principalmente agora, não perdem oportunidade para escrever contra o comunismo, contra a União Soviética e, muito especialmente, contra os comunistas de seu próprio país.
Tem, pois, razão o Sr. Velasco quando reconhece que as suas “críticas em nada influem na orientação do comunismo internacionalizado. . . Servem, porém, para definir posições”.
É certo. Com o seu longo artigo fica realmente definida a posição política do Sr. Velasco, fica principalmente bem definido o seu socialismo que se despe afinal das roupagens demagógicas dos mestres europeus, Blum, Attlee, Saragat, para aparecer em sua completa nudez pelo que realmente vale e na verdade é — simples rótulo de mais um agrupamento político das classes dominantes, equivalente ao “trabalhista” do Sr. Vargas, ao “democrático” do Sr. Otávio Mangabeira, o fuzilador de operários na Bahia, ao “social democrático” do Sr. Jobim ou mesmo do Sr. Pereira Lira.
Aproveitemos o ensejo, no entanto, para examinar com maior cuidado a posição política do Sr. Velasco por ele mesmo afinal bem definida, com exemplar clareza nesse seu interessante artigo. E antes de tudo não nos esqueçamos do justo orgulho com que o Sr. Velasco, dirigente ilustre do Partido Socialista Brasileiro, faz questão de afirmar, altivo e categórico, que “o PSB. sempre acertou, nestes três anos de vida, porque tem quadros mais experientes e mais capazes que os do PCB”.
É pois com a maior humildade intelectual e procurando realmente apreender o sentido profundo das lições do Sr. Velasco que me atrevo a examinar sua posição política frente aos inúmeros e importantes problemas que aborda em seu iluminado artigo.
A Geopolítica Substitui a Luta de Classes
Sua primeira e mais proveitosa lição é contra o internacionalismo proletário dos comunistas, “comunistas internacionalizados”, como escreve com evidente repugnância. O socialismo do Sr. Velasco não aceita nem de longe a afirmação de Marx de que toda a história da humanidade tem sido a história da luta de classes. Nada de luta de classes! Isto é “russofilismo” que só pode levar a erros tremendos que, como imagina o Sr. Velasco, “incompatibiliza” os comunistas brasileiros “com a maior parte do povo brasileiro”. O socialismo do Sr. Velasco deixa de lado ou para segundo plano as contradições entre o proletariado e a burguesia, para colocar muito acima dessa velha bobagem marxista, a nova ciência geopolítica, tão sabiamente estudada por Herr Karl Haushofer, o mestre e amigo de Hitler.
Esquecer-se-á o Sr. Velasco que esses teóricos da geopolítica, ontem alemães hoje norte-americanos, classificam o Brasil entre os países tropicais, habitado por uma raça inferior? Que tais países, segundo a ciência geopolítica, estão condenados a ser eternas colônias das raças dominadoras, ainda ontem a ariana, e hoje a anglo-saxônica? Churchill já o disse claramente e Truman o repetiu no seu discurso de Waco: “Somos os gigantes do mundo econômico. Queiramos ou não, é de nós que depende a estrutura das relações econômicas no futuro”. Mas o Sr. Velasco finge desconhecer essa divisão do “mundo ocidental”, feita pelos seus próprios teóricos da geopolítica, entre povos superiores e inferiores, oprimidos e opressores, povos ricos e pobres, brancos e de cor.
Para o Sr. Velasco, muito mais importante do que tudo isso, e muito mais decisivo do que a luta de classes, é a divisão do mundo entre oriente e ocidente. “Podemos admirar os orientais — escreve — inclusive o povo russo que tanto cresceu em nossa estima durante a última guerra. Mas é desconcertante pensar que nas divergências que sequer afetam os nossos interesses, entre o Ocidente e a Rússia, o povo brasileiro possa pender para esta com a qual não temos nenhum traço de união”. O Sr. Gaspar Dutra não pensa, sem dúvida, de maneira diferente e não foi por outro motivo que certamente rompeu relações diplomáticas com a União Soviética. O que acontece é que o Sr. Velasco, como homem das classes dominantes confunde naturalmente os interesses do povo brasileiro com os interesses de sua classe, quer dizer, com os interesses dos banqueiros, dos fazendeiros, dos grandes industriais e comerciantes. A maioria do povo brasileiro não possui, porém, a inteligência e a habilidade do Sr. Velasco, é constituída de míseros camponeses e operários, semi-famintos e analfabetos na sua maioria, proletários enfim, que certamente por isso esquecem-se dos “interesses” do Sr. Velasco e dos homens de sua classe e voltam-se com esperança cada vez maior para os povos da União Soviética, onde sabe que, pela primeira vez no mundo, foi liquidada a exploração do homem pelo próprio homem e se constrói uma nova sociedade efetivamente socialista. Nisto talvez se encontre a explicação para o fato tão incompreensível de haverem conseguido os candidatos apresentados pelo PCB em todas as eleições até agora realizadas um número de votos tantas vezes maior que os alcançados pelos candidatos do PSB, apesar da inteligência incontestavelmente brilhante, burguesmente brilhante, dos chefes do partido do Sr. Velasco.
Há um século que Marx e Engels encerravam o Manifesto do Partido Comunista com a exortação histórica que se transformou em grito de guerra do proletariado revolucionário do mundo inteiro — “Proletários de todos os países, uni-vos!”. Hoje, essa união é mais necessária ainda, frente à concentração colossal do capital, frente aos monopólios internacionais, instituições que se colocam muito acima das pátrias, que desconhecem, para explorar e oprimir a todos os povos.
Mas o Sr. Velasco desconhece o imperialismo e por outras palavras menos claras ou menos hábeis, concorda com o Sr. Góis Monteiro em que se deve sacrificar a soberania nacional pelos interesses do Continente, quer dizer, do imperialismo ianque, e está evidentemente em uníssono com o Sr. Raul Fernandes ao colocar por sentimento, inteligência e interesse também, tal qual o Sr. Velasco, o Brasil na “órbita do colosso norte-americano”. “Nossos costumes, origens étnicas, religiões, posição geográfica, relações comerciais, culturais e espirituais nos ligam aos povos do Ocidente”, diz o Sr. Velasco, empregando, como se torna claro, a palavra Ocidente, como eufemismo de Estados Unidos da América e, portanto, de imperialismo ianque. Sabemos quem manda nesse denominado Ocidente, onde mesmo a França e a Grã Bretanha foram reduzidas a potências de segunda ou terceira categoria.
Pelo Imperialismo, Contra a União Internacional do Proletariado
Lamenta o Sr. Velasco que a atitude consequentemente anti-imperialista dos comunistas brasileiros possa dar “aos maliciosos e aos desprevenidos a impressão de que são realmente instrumento da política internacional de Moscou”. Não podemos deixar de reconhecer nesse passo a caridade cristã do Sr. Velasco, mas devemos confessar que não nos interessa o que sobre nós possam pensar e dizer os “maliciosos e desprevenidos”, preocupa-nos, sim, a opinião das grandes massas trabalhadoras, especialmente do proletariado mais esclarecido e, por isso, lamentamos, de nossa parte, que as palavras e as atitudes do Sr. Velasco possam dar, como realmente dão, não aos maliciosos e desprevenidos, mas aos honestos e sinceros lutadores contra o imperialismo em nossa pátria, a impressão de que seja ele um simples agente do imperialismo, mais um desses jornalistas e publicistas a serviço dos trustes e monopólios norte-americanos em nossa terra.
Mas ainda nesse terreno da luta contra o imperialismo e da unificação internacional das forças do progresso e da democracia em torno da grande fortaleza que é a União Soviética, atinge o Sr. Velasco as raias do grotesco, da ingenuidade infantil, ao escrever estes períodos de ouro que não podemos deixar de transcrever: “Este internacionalismo exacerbado isola cada vez mais o PCB nos quadros políticos do país e fortalece a reação que está sempre à cata de pretextos para desencadear a violência. Se o PCB prejudicasse somente a si mesmo, não haveria por que censurá-lo. Mas as conseqüências de seus erros afetam a todo o povo brasileiro porque estimulam o retrocesso democrático”.
Admirável, sem dúvida, a lógica do Sr. Velasco! O governo que ai temos é um governo de traição nacional, que está vendendo nossa terra e nosso povo aos grandes trustes e monopólios imperialistas, um governo serviçal do estrangeiro, que, para cumprir, a tarefa que lhe dita mister Truman ou mister Marshall, não vacila em rasgar a Constituição, em liquidar a liberdade de imprensa, em perseguir os trabalhadores e em esfomear a maioria esmagadora da nação. E quando os comunistas desmascaram um tal governo, obrigam-no a fazer uso dos mais ridículos pretextos do anti-comunismo sistemático para liquidar com a democracia no país, vem o Sr. Velasco, socialista, ainda utilizando seu passado de “tenente” e de perseguido da ditadura, e se põe a lamentar o desmascaramento da tirania. Ah! se os comunistas não existissem ou se ao menos tivessem juízo e inteligência, poderíamos continuar vivendo no melhor dos mundos, sem nenhum “retrocesso democrático”, porque a democracia seria então a pacífica continuação da miséria do povo, a entrega em silêncio do petróleo à Standar Oil, a concessão sem protestos inconvenientes do empréstimo à Light, a colonização total enfim do país e a completa submissão de nosso povo aos patrões de Wall Street.
O Sr. Velasco se esqueceu, no entanto, das gloriosas tradições de nosso povo, que os comunistas não são hoje em nossa pátria senão os continuadores daqueles que durante toda a nossa história souberam lutar pela liberdade, a independência e o progresso. Aqueles lutadores, que viveram no fim do século XVIII e nas primeiras décadas do século seguinte, voltavam-se todos para a França da Grande Revolução para os ensinamentos de seus filósofos, exatamente como nos dias de hoje se volvem todos os verdadeiros revolucionários, para a grande obra da Revolução Russa de 1917 e para os ensinamentos de seus mestres, Lenin, o tático da revolução, o marxista da época do imperialismo, e Stálin, o construtor do socialismo, o genial dirigente dos povos do mundo inteiro na luta contra o nazismo e todos os obscurantismos.
A Paz de Espírito do Sr. Velasco Pertubada Pelos Comunistas
Queixa-se ainda o Sr. Velasco de “outro erro também de esquerda” dos dirigentes comunistas — “a campanha de desmoralização contra o PSB”. Não cita o Sr. Velasco nenhum só fato capaz de comprovar a existência dessa campanha, mas, pelo teor do seu próprio artigo, torna-se evidente o quanto é desnecessário uma tal campanha, pois, bastam as palavras e as atitudes dos dirigentes do PSB para que o proletariado brasileiro compreenda o que vale o socialismo desses senhores. O próprio artigo do Sr. Velasco é um exemplo, mas na sua falta bastaria indagar da atitude dos representantes do PSB na Câmara Federal frente à lei infame contra os militares que mereceu o voto e o aplauso do Sr. Velasco, a colaboração eficiente dos senhores João Mangabeira e Hermes Lima na elaboração das famigeradas leis complementares, entre as quais se destaca uma lei sindical na altura do sindicalismo do Sr. Morvan, projeto do Sr. João Mangabeira, tão reacionário que até os intelectuais paulistas do PSB já se viram na contingência de repudiar.
Mas, nesse terreno, o que o Sr. Velasco mais lamenta é que o PSB assim desmascarado não possa nem ao menos receber aqueles elementos mais atrasados do proletariado que, devido ao seu baixo nível político, ainda não aceitam o comunismo ou pelo menos ainda não se filiaram ao PCB. Ainda aqui não deixa de ser ridícula e infantil a lógica do Sr. Velasco. Depois de afirmar, categórico, “que o povo brasileiro, por sua formação religiosa, não aceita o materialismo comunista”, acrescenta o nosso grande e hábil político: “Desprezam, esquecem e desconhecem (os dirigentes comunistas) isto tudo e, desviando essa massa do PSB, vão jogá-la nos braços da reação, sem nenhum proveito para o PCB e com prejuízo enorme para o progresso democrático do Brasil”.
Singular poder, sem dúvida, o desses diabólicos comunistas! As massas não querem saber deles, o povo brasileiro não aceita o materialismo comunista, mas se deixa candidamente “enganar”, quando tais demônios falam mal do PSB, desse socialismo bem comportado do Sr. Velasco, tão de acordo com a “formação religiosa” de nossa gente… Mas é fácil encontrar o motivo profundo das lamentações do Sr. Velasco — a só existência do PCB e sua atividade corajosa na luta pelo progresso e a independência da pátria, de tal maneira contrasta com o oportunismo e a passividade dos socialistas do Sr. Hermes Lima, que se torna a estes realmente difícil enganar as grandes massas, particularmente o proletariado revolucionário e a parte mais sã e honesta da intelectualidade pequeno-burguesa. Daí o desejo que, qual um fio vermelho, acompanha do princípio ao fim todo o artigo do Sr. Velasco, o desejo que mal consegue ocultar, não inferior certamente ao do Sr. Dutra ou de Pereira Lira, de fazer desaparecer, de arrasar de uma vez por todas, definitivamente, com o Partido Comunista em nossa terra.
Como se vê, não são assim tão inocentes os propósitos do Sr. Velasco. Suas críticas aos “erros” dos dirigentes comunistas, “erros fundamentais”, como escreve, traduzem seus desejos, o suspiro bastante compreensível do burguês ansioso por um pouco mais de ordem e tranqüilidade, o suspiro do banqueiro que aspira uma trégua que lhe permita gozar as delícias da vida sem sustos. De que lhe valem afinal os gordos juros do capital, a parcela de mais valia extraída do trabalho operário, se o “retrocesso democrático”, provocado pelos comunistas, não lhe permite a paz de espírito indispensável aos reais prazeres da vida?
Mas não é isso o capitalismo, especialmente nesta época da decadência e do capital monopolista? Veja o Sr. Velasco o que nos dizem as estatísticas norte-americanas — cresce a criminalidade, aumenta o número de divórcios, os hospícios já não chegam, tantos são os casos de loucura.
A luta de classes — o que talvez não cria o Sr. Velasco — é fatalidade histórica, é fenômeno inevitável enquanto a sociedade estiver dividida em classes, enquanto houver explorados e exploradores, oprimidos e opressores, banqueiros apacatados e míseros proletários, como esses trezentos mil que ainda hoje vegetam nas favelas da Capital da República. A sociedade capitalista gera o proletariado, que será o seu coveiro, e, como o proletariado, tão imortal quanto ele, é o seu Partido de classe, o Partido Comunista, vanguarda organizada e esclarecida que já resistiu a todos os golpes da reação e ri-se por isso das lamentações hipócritas do Sr. Velasco e de seus suspiros políticos. Esperemos que a sua fé religiosa lhe dê forças para suportar as agruras da vida terrena até que possa gozar as delicias do além. E que a palavra dos Evangelhos, quando diz que é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino do céu, não perturbe seu sono de banqueiro, se bem que socialista e cristão.
Como se Conta a História
O Sr. Velasco relembra ainda em seu artigo a posição dos comunistas em 1945, ao desmascararem a demagogia anti-getulista da UDN e ao lutarem com firmeza contra as tendências golpistas dos homens da “eterna vigilância”. Nada nos diz no entanto, do acordo inter-partidário, desse acordo americano em torno do Sr. Dutra, desse acordo que assegurou o “retrocesso democrático” em que vivemos. É que, se tratasse de tão delicado assunto, teria então de registrar o Sr. Velasco pelo menos um acerto dos comunistas que souberam ainda em 1945 desmascarar a equivalência política dos dois bandos das classes dominantes que disputavam a curul presidencial, e prever a unidade reacionária que ai temos. Aí estão de mãos dadas Nereu e José Américo, Acúrcio e Prado Kelly, para não falarmos no golpe de 29 de outubro, sobre o qual tão misteriosamente também silencia o Sr. Velasco, quando se uniram contra o povo, em completa identidade de propósitos, os dois candidatos militares, Gaspar Dutra e Eduardo Gomes, de mãos dadas com os generais fascistas, particularmente com o Sr. Góis Monteiro, o ilustre pai do “Plano-Cohen”, inspirador do golpe de 1937, e ainda então ministro da Guerra do Sr. Vargas.
Mas o Sr. Velasco silencia sobre tudo isso a fim de melhor deturpar a história e poder escrever que em 1945 seria possível a “aproximação do PCB com as forças populares, entre as quais a UDN, ainda em organização, em torno da idéia centrais como democratização, eleições livres e honestas, desenvolvimento pacífico”.
Foi com este programa que o PCB lutou pela convocação da Assembléia Constituinte e conseguiu mais de seiscentos mil votos para O Sr. Yeddo Fiúza, mas contra aquele programa sempre se bateu a UDN que jamais quis ouvir falar em “desenvolvimento pacífico”, como mentirosamente afirma o Sr. Velasco. Os líderes udenistas, como muito bem sabe o Sr. Velasco, em 1945, só pensavam em golpes militares, em vitórias pela força das armas, e tanto não acreditavam em eleições que nem para elas se prepararam. Preferiram o cambalacho com os generais fascistas, com os piores inimigos da democracia, e foram ainda bastante ingênuos e ignorantes para supor que bastaria colocar o Sr. Linhares no governo, bem guardado pelos tanques do Sr. Alcio Souto, para ganhar as eleições.
Os comunistas se orgulham da atitude firme que assumiram em 1945, esclarecendo politicamente as grandes massas populares, não deixando que elas fossem miseravelmente enganadas pelos demagogos da “eterna vigilância”, esses mesmos senhores do acordo americano que hoje votam as novas leis de segurança e ajudam o Sr. Dutra a rasgar a Constituição, a esfomear o povo e a entregar a nação aos monopólios de Wall Street.
O povo compreende muito bem que, afinal, tanto vale Dutra com o apoio servil dos udenistas, como o Brigadeiro apoiado pelos dutristas do Sr. Nereu Ramos. São todos vinho da mesma pipa, farinha do mesmo saco, todos por igual defensores dessa mesma ordem semi-colonial e semi-feudal que ai temos, inimigos do povo e de todos que em nossa pátria lutam pelo progresso, a liberdade e a independência.
Os comunistas souberam mostrar ao povo em 1945, que a UDN não era o mal menor que a si mesmo se proclamava, e que os comunistas acertaram, apesar dos gritos histéricos dos demagogos, já não pode nenhuma dúvida mais haver.
A Guerra Imperialista e o Oportunismo do Sr. Velasco
Mas em todo o longo artigo do Sr. Velasco o que melhor revela seu conceito primário de política, seu oportunismo sem limites, é a passagem em que trata da posição dos comunistas frente a uma guerra imperialistas. Inimigo de princípios, que, como afirma, os dirigentes comunistas “pela sua rigidez” tática transformam em dogma, entende o Sr. Velasco que fazer política é despistar, no que se revela admirador do Sr. Getúlio Vargas e seu discípulo emérito. É assim que se escandaliza com o que denomina “esclerose doutrinária” dos dirigentes comunistas que, “aceitando uma provocação, não se recusaram declarar que, na hipótese (simples hipótese!) de uma guerra imperialista em que o Brasil se tivesse de envolver contra a Rússia, ficaria o PCB com a Rússia”.
Isto para o Sr. Velasco é um erro facilmente evitável “por líderes capazes”, e que per um tal erro “pagou o PCB um alto preço”.
Infelizmente não se dignou o Sr. Velasco dar neste assunto aos seus leitores uma lição completa, não quis dizer com clareza, como reagiriam à semelhante “provocação” os “líderes capazes” do seu partido. Entende-se, no entanto, que, nesse terreno, prefere o Sr. Velasco o silêncio, nem assume a atitude patrioteira de afirmar categoricamente que ficará sempre do lado do imperialismo, nem concorda com a posição clara e corajosa dos comunistas, que justamente por ser clara e corajosa lhe parece um erro, facilmente evitável.
Notável, sem dúvida, a lição de habilidade política do Sr. Velasco! Concordarão, porém, os soldados de seu partido, que precisam da palavra orientadora de seus líderes, com esse silêncio de esfinge? É evidente, no entanto, que o mutismo oportunista do Sr. Velasco mal encobre a sua posição de patrioteiro, capaz de apoiar qualquer governo de bandidos que pretenda arrastar o nosso povo a uma guerra imperialista. E isto é mais do que um erro, porque é um crime. Ser patriota não é concordar com todos os crimes dos governantes, mas reagir, colocar-se corajosamente a frente do povo para esclarecê-lo, organizá-lo, e levá-lo à luta contra a traição nacional dos que pretendem sacrificar nossa juventude em proveito dos monopólios imperialistas.
Os comunistas ao se manifestarem contra qualquer guerra imperialista não caíram em provocação, como ingenuamente supõe o Sr. Velasco, nada mais fizeram senão repetir o que já ensinava Lenin em 1914, reafirmar o que sempre disseram, propagar o programa do Partido Comunista e, assim, educar o proletariado e o povo e desmascarar os provocadores de guerra. Talvez não saiba o Sr. Velasco que a mesma declaração, que agora critica como erro facilmente evitável já a fizera eu muitos anos antes, em pleno período de reação, em 1937, em carta que do cárcere escrevi a meu advogado e cujos tópicos principais tive ocasião de ler em setembro daquele ano da tribuna da defesa no S TM e que já foi amplamente divulgada.
Outra pérola do oportunismo do Sr. Velasco está sem dúvida naquele “alto preço” já pago pelo PCB em conseqüência do erro criticado. Qual foi esse preço? A cassação dos mandatos parlamentares? A decisão do TSE contra a vida legal do Partido? Ou serão as perseguições policiais e a campanha do anticomunismo sistemático? Como bom oportunista, o Sr. Velasco só vê em tudo isso o lado negativo, não pode nem de longe compreender que a perseguição ao PCB é justamente o melhor indício da sua força e da debilidade dos governantes, obrigados pelos acontecimentos a confessar que já não podem mais governar dentro dos preceitos constitucionais, que a velha ordem semi-colonial e semi-feudal já não pode ser mantida senão com o apoio da truculência policial. Se o PCB nada valesse, se não fosse como realmente é a força e a grande esperança para que se voltam as massas oprimidas e exploradas da população do país, não precisaria o governo de persegui-lo. Gozaria então, em plena época de miséria e de fome para o povo, da mesma vida legal, pacata e ordeira, de que goza o partido do Sr. Velasco, que nenhum receio pode causar o Sr. Dutra e aos negocistas de seu governo. Mesmo os discursos demagógicos do Sr. João Mangabeira nenhum mal podem causar ao governo — S. Exa. fala em tese e por isso não merece resposta, como com razão disse o Sr. Acúrcio Torres.
Devemos, no entanto, compreender que o mutismo do Sr. Velasco sobre a posição de seu partido frente a uma guerra imperialista — guerra aliás condenada pela Constituição de 18 de setembro, porque guerra de conquista, guerra de agressão à União Soviética — não traduz oportunismo político somente, mas é parte integrante da campanha mundial com que o imperialismo norte-americano prepara a agressão contra a URSS.
Que Significa o Anti-Comunismo do Sr. Velasco
Aliás o artigo do Sr. Velasco no seu conjunto foi troçado em perfeita harmonia com a nova tática do imperialismo na sua campanha ideológica de preparação para a guerra. Nessa campanha ideológica, a tática do imperialismo se orienta no sentido de conseguir neutralizar a ação da classe operária e ao mesmo tempo ganhar ou atrair as classes médias.
Para neutralizar a classe operária, que armas empregam os agentes do imperialismo? Tratam de desmoralizar e de desarmar a classe operária e mais especialmente de liquidar seu partido de vanguarda, o Partido Comunista. A intervenção do governo dos Estados Unidos nesse sentido nos países da América Latina, especialmente no Brasil e no Chile, é por demais evidente e dispensa a transcrição do que sobre o assunto já tem escrito a própria imprensa do imperialismo. Mas aos monopólios imperialistas nessa luta contra os comunistas latino-americanos que defendem a independência e a soberania de suas pátrias, não basta a ação estatal. Todas as armas são empregadas e não se despreza ninguém na mobilização contra o comunismo, desde os agentes descarados, os Valentim Bouças e os Chateaubriand, até os intelectuais “honestos” que com receio de poderem ser tidos por comunistas se disponham a escrever artigos mais ou menos dúbios, como este do Sr. Velasco, em que se fale de defender os comunistas em nome da liberdade e ao mesmo tempo se façam prodígios de dialética para desacreditar e difamar seus dirigentes.
Mas o artigo do Sr. Velasco dirige-se mais particularmente à pequena burguesia, aos intelectuais pobres, aos pequenos funcionários e empregados, na esperança de afastá-los do proletariado e de atraí-los para o campo do imperialismo. E nesse terreno poderá, sem dúvida, conseguir algum sucesso, se não soubermos fazer o desmascaramento sistemático de suas manobras, se vacilarmos na tarefa desagradável, mas necessária, de mostrarmos quais suas verdadeiras intenções, o que realmente vale o seu socialismo e o papel que de fato representa o Sr. Velasco, que não passa afinal de mais um escriba a serviço dos monopólios ianques em nossa terra.
Enfim, o artigo do Sr. Velasco deve chamar a atenção de todos os comunistas para o que há de insidioso nos novos métodos que vão sendo postos em prática pelo imperialismo na sua campanha ideológica contra a União Soviética e a sistemática preparação para a guerra.
0 inimigo de classe do proletariado sabe e sente que trava uma batalha decisiva e busca por isso cada dia novas armas e não descansa no recrutamento de novos quadros. Aqui em nossa terra é nas fileiras dos antigos “tenentes” e dos perseguidos da ditadura que vai buscar os homens capazes de substituir os seus velhos quadros já gastos e desmoralizados. Aí temos o Sr. Juarez Távora a lutar com toda a dialética de que é capaz pelos interesses da Standard Oil e agora o Sr. Velasco com o seu artigo difamatório contra os dirigentes comunistas.
Nosso dever é este — dizer ao povo com a maior clareza a serviço de quem e de que interesses estão esses senhores.
Separar Para Unir
Saibamos estender a mão a todos os patriotas e democratas, quaisquer que sejam as classes sociais a que pertençam, independentemente de suas ideologias ou das religiões que pratiquem, desde que se disponham a realmente lutar pela paz e a democracia, pelo progresso e a independência do Brasil. Mas não nos esqueçamos que só poderemos ser bem sucedidos em nossos esforços pela ampliação da grande frente nacional de luta pela paz e a democracia, na medida em que simultaneamente soubermos desmascarar com energia todos os falsos democratas e os falsos patriotas, que tratam de enganar o povo a serviço de seus piores inimigos, os monopólios norte-americanos, a fim de mais facilmente arrastar a nação para uma guerra contra a União Soviética e de facilitar a obra nefanda de um governo de traição nacional que vai vendendo o país aos exploradores estrangeiros, e reduzindo seu povo à degradação e à miséria de um regime de colonização, de dependência total ao imperialismo norte-americano.
A Verdade Objetiva
“A única conclusão que se pode tirar da opinião, partilhada pelos marxistas, de que a teoria de Marx é uma verdade objetiva é a seguinte: baseando-nos na teoria de Marx, cada vez mais nos aproximamos da verdade objetiva (sem, entretanto, nunca a esgotar); qualquer outro caminho que sigamos, nos conduzirá, ao contrário, tão somente ao erro e à confusão”.
Lenin — Materialismo e Empírico-criticismo.