O Imperialismo Ianque Domina o Aparelho Estatal do Brasil
I — A Ficção da Independência Nacional
Neste momento em que o Brasil se encontra sob a crescente ameaça, por parte do imperialismo ianque, de novamente ser reduzido à condição de colônia, convém destacar o fato de que, em toda a sua história, jamais o nosso país conheceu um período de completa e efetiva independência nacional. Ao libertar-se da dominação portuguesa, foi caindo na dependência cada dia maior dos círculos capitalistas europeus. Mesmo com o advento da Abolição e da República o país não sofreu alteração profunda em sua estrutura econômica, conservando a propriedade monopolista da terra e constituindo por isso mesmo terreno propício à aplicação dos novos métodos de exploração e dominação da oligarquia financeira internacional, recém-nascida da fusão do capital bancário com o capital industrial, das associações monopolistas internacionais que haviam liquidado a livre concorrência e distribuíam entre si os mercados, as fontes de matérias primas e as esferas de influência em todo o mundo. O capitalismo entrava assim em sua derradeira etapa, transformava-se em imperialismo.
Como não podia deixar de acontecer, o Brasil sofreu todas as formas de penetração imperialista de que fala Lenin, A princípio foi sendo dominado pelos imperialismos inglês e francês. Gozando embora de independência política formal, constituía em realidade — como de resto tantos outros países da América Latina — uma semi-colônia dos banqueiros de Londres e Paris, Assim é que, já em 1906, um economista alemão, citado por Lenin, pôde observar:
“A América do Sul, sobretudo a Argentina”, diz Schulze-Gaevernitz, em sua obra sobre o imperialismo britânico, “acha-se em situação tal de dependência financeira em relação a Londres, que quase pode ser qualificada de colônia comercial inglesa”(1).
Se isto acontecia principalmente com a Argentina, quase a mesma coisa se verificava com o Brasil. Mas depois da primeira guerra mundial, travado entre as forças imperialistas por nova partilha do mundo, opera-se uma sensível modificação no quadro internacional, com reflexos diretos no Brasil os imperialismos inglês e francês gradualmente perdem terreno para o imperialismo ianque, particularmente na América Latina, onde o seu impetuoso avanço é protegido pela doutrina de Monroe, novamente posta em circulação e sintetizada no lema — A América para os americanos. Essa modificação ganha maior nitidez a partir da crise mundial do capitalismo, de 1929 a 1933, quando a disputa de mercados e fontes de matérias primas, ao lado da luta por novas colônias e esferas de influência, se encontra exacerbada pelas aspirações de dois novos competidores, dispostos a defendê-las com a máxima agressividade: os imperialismos japonês e alemão.
Todas as formas de exploração e dominação, por parte desses imperialismos, foram sendo aplicadas no Brasil, desde as investidas sobre nossas fontes de matérias primas e o controle dos principais ramos de nossa economia, através de inversões diretas e indiretas, até a concorrência no mercado interno levada aos extremos do “dumping” e mesmo do terrorismo, como no conhecido episódio de Alagoas, em que foi assassinado o industrial Delmiro Gouvêa, por se haver recusado a vender aos ingleses sua fábrica de linhas. Importa frisar aqui que, após a prática de tão inominável crime, conseguiram afinal os imperialistas adquirir a fábrica, cujas máquinas foram desmontadas e atiradas ao rio São Francisco. Com plena razão, pois, afirma Lenin:
“O monopólio abre caminho por toda parte, valendo-se de todos os meios, começando pelo pagamento de “modesta” indenização e acabando pelo “processo” americano de empregar dinamite contra o competidor”(2).
Tudo isso conduziu o Brasil a uma situação de crescente dependência econômica e financeira. E não é preciso ressaltar que essa dependência econômica e financeira se estende ao campo da diplomacia, converte-se de fato em dependência também política, com a intromissão de explorador estrangeiro em nossos negócios puramente internos. A “independência nacional”, nesse caso, torna-se mera ficção. Mas hoje em dia até mesmo essa independência forma! está periclitando, ameaçada de total desaparecimento sob o rolo compressor do expansionismo norte-americano.
II — Novas Formas de Penetração Imperialista
Como resultado da segunda guerra mundial, da intervenção de amplas massas na luta contra os fascistas do Eixo, diversas nações coloniais, semi-coloniais e dependentes puderam arrebentar as cadeias do imperialismo e alcançar sua independência. Nos países em que a envergadura da luta e a força das massas não foram suficientes para conquistar sua libertação, algumas concessões foram. obtidas, contudo, porque para os imperialistas se tornou bastante difícil, em certos casos, conservar as velhas formas de dominação. Explica-se deste modo a formação, por exemplo, de “Uniões” compreendendo a metrópole e as colônias, na base teórica da igualdade nacional de direitos, como no caso da União Francesa e da União Holando-lndonésica, da mesma forma que a concessão feita pela Inglaterra de independência formal à índia e à Birmânia. Em tais casos, observa Zukhov, com justeza:
“o imperialismo como que bate em retirada para posições preparadas de antemão, na “segunda linha de defesa”, que consiste em recorrer cada vez mais freqüentemente aos métodos de gestão indireta, aproveitar todo o rico arsenal de meios de mistificação das massas, acumulado pela burguesia, manter as massas submissas com o auxilio não somente das baionetas como também de algumas reformas”. “Isto os auxilia a mascarar a manutenção das bases do domínio imperialista e reter as posições de comando econômicas”(3).
Países houve, porém, que invés de obter concessões, fizeram, ao contrário, ainda maiores concessões ao imperialismo, principalmente ao imperialismo norte-americano, cuja política se vem caracterizando pela violação da soberania até de países que gozavam antes de completa, independência, pela submissão aos seus interesses até de antigos concorrentes, como no caso da França e da Inglaterra. A política do imperialismo norte-americano assume assim aspectos de verdadeiro colonialismo. Focalizando esta questão, em relação à nossa terra, comenta o camarada Prestes:
“País semi-colonial, o Brasil não conseguiu ver diminuído ao menos, com a sua participação na guerra contra o nazismo, o peso da exploração a que se acha sujeito seu povo pelos grandes bancos, monopólios e trustes imperialistas. Liquidados os imperialismos alemão e japonês e abalado pela guerra o britânico, dela saiu no entanto reforçado o imperialismo norte-americano, que aproveitou da situação e da própria guerra para acentuar o caráter monopolista, cada vez mais impiedoso e voraz da exploração de nossa economia, das riquezas nacionais, do trabalho do nosso povo, bem como para garantir seu predomínio político e submeter por completo nossa pátria aos banqueiros de Wall Street e à vontade do governo de Washington”(4).
Assim é que podemos verificar em nosso país, ao lado dos velhos métodos da penetração imperialista, métodos novos serem postos em prática, nestes últimos tempos, especialmente a partir da segunda guerra mundial. Se bem nos houvéssemos empenhado numa guerra justa, formando nas fileiras das Nações Unidas, a verdade é que mesmo neste lado, de par com o caráter anti-fascista e patriótico da luta dos aliados, desenvolvia-se também a atividade das forças reacionárias mundiais com objetivos nitidamente expansionistas. Como nos encontramos neste após-guerra em condições novas no mundo e no Brasil, assistimos também ao imperialismo, particularmente ao imperialismo norte-americano, adotar novos meios de expansão e exploração.
Assim as forças imperialistas, mesmo explorando as dificuldades econômicas e financeiras que estamos atravessando, não mais vêm aplicando seus capitais no Brasil inteiramente de acordo com as formas clássicas. A propósito é bastante ilustrativo o comentário traçado, em sua edição de 8 de junho de 1946, por “The Economist” de Londres:
“Os homens de negócios dos Estados Unidos voltam-se para novas e menos arriscadas formas de investimentos. A mais popular é a técnica do investimento conjunto — a organização de companhias com capitais dos Estados Unidos e locais, e, tipicamente, participação nativa na direção, maior do que era usual no passado. . .”.
E em data mais recente, precisamente a 26 de junho deste ano, o diário americano “Brazil Herald”, que se edita no Rio, noticiava a chegada ao Brasil do sr. Harry Wright Tolin, vice-presidente da Duke International Corporation, e o início de suas atividades em São Paulo. Apresentando maiores detalhes sobre a visita desse representante do capital financeiro ianque explicava o “Brazil Herald” com absoluta sem-cerimônia:
“Ele está organizando em vários países latino-americanos empresas com capital misto, filiadas à sua corporação, para exportar peles, algodão, lã e óleo vegetal e importar equipamento industrial e agrícola”.
Antes disso, porém, temos vários casos típicos da aplicação no Brasil da técnica do investimento conjunto ou sociedade de economia mista, conforme é mais conhecida. Isso se verifica tanto no domínio particular, como no domínio estatal. No domínio particular, o exemplo mais frisante é o da Companhia Nacional de Gás Esso — cujo principal incorporador é a Standard Oil e que conta, entre seus acionistas, com os srs. Daniel da Carvalho, ministro da Agricultura, Morvan Dias de Figueiredo, ministro do Trabalho, Fernando de Melo Viana, vice-presidente do Senado, e Manoel Guilherme da Silveira Filho, presidente do Banco do Brasil. No domínio estatal, temos o caso da Companhia Vale do Rio Doce, organizada com capitais do Estado brasileiro e empréstimos do Banco de Exportação e Importação. Em sua diretoria, ao lado dos representantes do governo brasileiro, figurem dois representantes daquele estabelecimento de crédito norte-americano, srs. Robert Kirby West e Howard Williams.
Além disso, temos também exemplos da nova técnica dos imperialistas ianques de aumentar a “participação nativa” na direção de suas empresas no Brasil. O caso da “Panair do Brasil S.A.” é bastante ilustrativo: pertencendo ao sistema da Pan-American Airways, teve em 1943 seu capital em parte “nacionalizado”, expressamente para assegurar, segundo Fuerlein y Hannan(5), “a igualdade de tratamento entre essa empresa e as companhias de transporte aéreo nacionais”. Hoje essa companhia “brasileira” conta em sua diretoria com dois brasileiros — os srs. Paulo de Oliveira Sampaio e Alberto Torres Filho, e apenas um norte-americano — o sr. John Clyde Younkins, embora pela própria ata da assembléia geral da empresa, publicada no Diário Oficial de 19 de maio de 1947, se verifique facilmente que o verdadeiro e único diretor, aquele cuja voz é acatada por todos, é o almirante P. P. Powell, procurador da Pan-American Airways Incorporated.
Os capitais norte-americanos, investidos sob a forma de sociedade mista, como que se naturalizam, adquirem carta de cidadania brasileira através do casamento com o capital nacional, gozando os mesmos direitos e vantagens, ficando ainda protegidos contra quaisquer discriminações. Envolvem também na rede dos seus interesses setores da burguesia até então hostis ao imperialismo, vítimas que eram de sua concorrência. Estes setores ficam então neutralizados ou mesmo colocados diretamente centra o movimento de libertação nacional, sendo assim ganhos e utilizados pelo imperialismo em seu propósito de colonização de nossa terra. Os objetivos dos expansionistas norte-americanos são ilimitados. Nesse sentido, tratando da técnica norte-americana de investimento conjunto, Prestes observa:
“… visa com isto o imperialismo, além da vantagem inegável de absorver o capital financeiro de outros países e manobrar com toda a sua vida econômica, encobrir o caráter estrangeiro da exploração, nela envolver a própria burguesia local e conseguir sua proteção, como já vem acontecendo em nossa pátria com diversas empresas norte-americanas de que são sócios os principais homens de governo, parlamentares, ministros, como o próprio Sr. Correia e Castro, os Morvan, Daniel de Carvalho, etc.”(6).
Tais são alguns dos novos métodos e traços característicos da penetração do imperialismo ianque no Brasil, facilitada pelo atual governo de negocistas e de traição nacional. É escusado acentuar que em tais sociedades os capitais ianques sendo mais fortes, acabam por dominar os organizações em que penetram. E essa penetração, cada dia mais profunda e mais larga, tende a dominar rapidamente toda a vida econômica e política de nossa pátria, se contra isso não se erguer em tempo um vigoroso movimento organizado das forças patrióticas brasileiras, movimento inclusive de denúncia sistemática, na base de fatos concretos, sobre os propósitos colonizadores dos monopolistas de Wall Street. Temos o dever, portanto, de desmascarar completamente a falsa e tão apregoada boa-vizinhança do governo ianque, por trás da qual se ocultam graves perigos e ameaças. Sobre isso assinala Prestes:
“A máscara com que o imperialismo norte-americano procura encobrir essa intervenção e essas ameaças é essencialmente a de uma suposta “ajuda” apresentada como necessária ou mesmo indispensável do capital americano ao desenvolvimento de nossa vida econômica”. “Não acredito na melhoria de nossas condições econômicas sem uma ampla injeção de capital estrangeiro”, diz o conhecido agente do imperialismo ianque, Sr. Juraci Magalhães, em entrevista à imprensa (Diário de São Paulo, 1-1-48), silenciando naturalmente sobre as condições que significam cada vez mais. a completa renúncia à independência econômica do país e a subordinação de seu comércio, de sua indústria e em geral de sua perspectiva de desenvolvimento aos interesses do imperialismo norte-americano e de seus planos de expansão”(7).
E a melhor prova disso que Prestes afirma está na recente manifestação de um porta-voz dos industriais paulistas, em torno das declarações do Sr. John Mc Cloy, presidente do Banco Internacional e representante típico dos interesses de Wall Street. Conforme revela “O Jornal”, de 23 de maio de 1948, quando o Sr. Mc Cloy ultimamente esteve em nosso país, manteve conversações com um industriai bandeirante e, pressionado por este, declarou que os capitalistas aos Estados Unidos estavam dispostos a “derramar milhões no Brasil, para o transporte, o minério de ferro, o aparelhamento de nossos portos, a exploração do petróleo. “É um programa, conforme se pode deduzir, de completa dominação de nossa economia. Mas, além disso, quando perguntaram ao Sr. Mc Cloy sobre a possibilidade de empréstimos para o reequipamento e ampliação do parque industrial brasileiro, ele respondeu cinicamente:
“Não, para isso vocês não devem contar conosco. Esse é um setor que está fechado ao afluxo dos nossos dólares, seja por empréstimo, seja por qualquer outra forma de inversões”.
Não se poderia esperar de um homem de negócios maior franqueza na manifestação dos intuitos colonizadores do imperialismo americano, caracterizado principalmente por tão áspera hostilidade à idéia de nosso progresso industrial. Daí que um representante dos meios industriais paulistas tenha asseverado a “O Jornal”:
“A declaração do Sr. Mc Cloy não deixa margem a dúvidas. A fase rooseveltiana, que tendia a arrancar a América Latina das etapas arcaicas do colonialismo das possessões africanas, já está encerrada. A nova fase truma-niana dirige-se inequivocamente à idéia de subtrair a América Latina do ritmo de industrialização que a última guerra precipitou”.
III — O Imperialismo Ianque na Direção dos Nossos Negócios Internos
Nesta investida do imperialismo norte-americano, verdadeiramente sem precedentes, o fato que atrai com maior vigor a nossa atenção é aquele relacionado com a ingerência de elementos norte-americanos nos negócios puramente internos de nossa pátria. Sem dúvida que em nosso país não é esta a primeira vez que se faz sentir sobre a orientação e os atos do nosso governo a influência estrangeira. Entretanto, também é certo que nunca essa influência atingiu ao grau em que hoje se encontra, quando é visível que o imperialismo norte-americano procura aumentar cada vez mais seu controle sobre nossa vida econômica e política a fim de transformar-nos em simples colônia dos Estados Unidos. Nada mais oportuno, pois, do que a advertência de Prestes:
“Com tais propósitos são cada vez mais diretos, mais claros e descarados os intentos de intervenção em nossa vida política, bastando lembrar o discurso do embaixador Berle nas vésperas do golpe reacionário de 29-10-45 e as sucessivas e impudentes declarações de seu sucessor, Pawley, no sentido de estimular o governo Dutra em sua campanha anti-comunista. São assim os restos da independência nacional que se vêem cada vez mais ameaçados pelo atrevimento e a audácia da intervenção imperialista em nossa terra”(8).
A intervenção norte-americana vem sendo habilmente disfarçada com a mais intensa atividade dos agentes do imperialismo que mobilizam sua poderosa máquina de propaganda, criam e difundem as mais despudoradas teorias destinadas a anestesiar a sensibilidade patriótica da nação, a preparar um clima de aceitação para os repetidos atentados à nossa soberania. Quando, a respeito de pretendido empréstimo de 90 milhões de dólares à Light, o Sr. Assis Chateaubriand, por exemplo, em artigo no “O Jornal” de 9-4-48, pergunta “onde já se viu povo pobre e miserável falar em soberania?”, tenta justificar, dessa forma descarada e revoltante, uma situação existente de fato. Porque a verdade é que o imperialismo ianque, conduzido pela mão dos traidores de dentro e de fora do governo, penetra e já se encontra instalado na própria administração oficial de nossa terra, através de observadores, técnicos e missões econômicas e financeiras norte-americanos. Não é de estranhar, por isso, e confissão meio jactanciosa do Sr. Dana G. Munro. Já em 1944 esse professor da Universidade de Princeton, falando perante as Associações Americanas de Ciência Política e Econômica, a respeito das relações inter-americanas, declarava com absoluto cinismo:
“Para resolver esses problemas, enviamos centenas de especialistas para a América Latina e gastamos muitos milhões de dólares. Estas atividades criaram inúmeras formas novas de contacto entre nosso governo e os dos nossos vizinhos e, hoje em dia, funcionários norte-americanos participam da direção dos negócios puramente internos dos países latino-americanos, o que há alguns anos passados nem seria razoável prever”(9).
São, pois, os próprios norte-americanos que alardeiam a criação de “formas novas de contacto” entre o nosso governo e o de seu país. As formas tradicionais de contacto entre governos de países soberanos são as embaixadas, os consulados, as representações diplomáticas de várias categorias. Essas são as formas de contacto que prevalecem ainda hoje entre a França e a Inglaterra, por exemplo, ou entre os Estados Unidos e a União Soviética. As formas novas só foram estabelecidas entre países imperialistas e países dependentes, como, entre os Estados Unidos e o Brasil, entre os Estados Unidos e outros países latino-americanos. E em que consistem essas novas formas? Elas consistem, conforme frisou o próprio Sr. Dana G. Munro, na participação de funcionários norte-americanos “na direção dos negócios puramente internos” de nosso país. Em outras palavras, o governo norte-americano está dirigindo negócios puramente internos no Brasil, o governo norte-americano está portanto junto com o governo brasileiro dirigindo oBrasil, enfim nosso país está sendo dirigido não apenas pelo governo Dutra, como também pelo governo Truman. Desse modo não há no Brasil segredo para o governo ianque: todos os arquivos do Estado podem ser por ele consultados. Não há discriminação alguma: o que aos nacionais é permitido e concedido, também o é aos funcionários norte-americanos. Nem há quaisquer restrições: eles gozam em nossa terra de todos Os direitos de cidadania brasileira. É como se o Brasil fosse de fato o 49 Estado norte-americano. Tudo isso é tão gritante e tão contrário às mais elementares exigências da soberania nacional, que a existência de tal situação, conforme reconhece o americano Dana G. Munro, “há alguns anos passados nem seria razoável prever”. Resta saber agora como surgiram e se desenvolveram, entre o governo brasileiro e o governo de Washington, essas “formas novas de contacto”? Como foram gastos esses “muitos milhões de dólares” com “centenas de especialistas” enviados ao Brasil? Através de que aparelhos se verifica a participação de funcionários norte-americanos na “direção dos negócios puramente internos” de nosso país? Essa penetração ianque no aparelho estatal brasileiro teve início fundamentalmente com os acordos firmados entre o governo brasileiro e o norte-americano, no desenrelar da segunda guerra mundial.
IV — O Controle Americano Através dos Acordos de Washington
Foi no período da segunda guerra mundial que funcionários norte-americanos, pela primeira vez, na história do Brasil, começaram a participar “na direção dos negócios puramente internos” de nosso país, a pretexto de colaborar na execução dos acordos de guerra — os Acordos de Washington. Esses convênios resultaram em princípio das resoluções adotadas na Conferência do Rio de Janeiro, em 1942, para mobilizar os recursos potenciais do continente em favor das Nações Unidas, que já se achavam empenhadas a fundo na guerra contra o nazi-fascismo. A 3 de março de 1942, o então ministro da Fazenda Sr. Sousa Costa, assinava diversos convênios com o governo norte-americano, visando fundamentalmente três setores: borracha, ferro e forças armadas.
A fim de auxiliar a campanha de produção da borracha, vários órgãos foram criados — o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA), o Serviço de Abastecimento do Vale Amazônico (SAVA) e o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), todos eles sob o controle da Rubber Development Corporation, agência do governo americano funcionando no Brasil. Tendo o SEMTA e o SAVA fracassado em seus objetivos, foram substituídos pela Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia (CAETA), para cuja presidência foi nomeado o Sr. Valentim Bouças, conhecido representante de monopólios ianques no Brasil.
Entretanto, a CAETA, por sua vez, não conseguiu evitar o fracasso da chamada Batalha da Borracha. Por que?
Em primeiro lugar, os preços estipulados não eram compensadores. Obrigamo-nos a vender a borracha a preços de Cr$ 11,30 a Cr$ 17,70, conforme o tipo, com exclusividade para os Estados Unidos, quando a Argentina nos oferecia nada menos de 100 cruzeiros por quilo desse produto. Comprometemo-nos também a vender aos Estados Unidos e a Inglaterra a tonelada de ferro por preço abaixo do custo, situação essa que perdurou, por força de contrato, mesmo após a guerra. Em seu último relatório, a diretoria da Cia. Vale do Rio Doce frisou que “o preço médio de venda em 1947 alcançou Cr$ 96,03, incluídos os prêmios do teor de ferro e de rapidez de carregamento, contra um custo médio de Cr$ 109,37(10).
Em segundo lugar, as agências do governo americano tornavam o custo da vida cada vez mais alto na região dos seringais, inclusive pela elevação direta dos preços dos artigos que forneciam, a ponto de provocar reclamações e queixas, já em 1943, das Associações Comerciais do Amazonas e Pará, em memorial que dirigiram à Comissão de Controle dos Acordos de Washington, cujo presidente era também o Sr. Valentim Bouças.
Em terceiro lugar, criavam graves problemas econômicos para a região, como aconteceu no caso da castanha que teve sua entrada proibida nos Estados Unidos, sob a falsa alegação, levantada pela Rubber Development Corporation, de que a produção da castanha desviava braços da produção da borracha.
Essas agências oficiais do governo norte-americano aproveitavam-se da situação criada pela guerra para ampliar e consolidar as posições conquistadas para obter concessões ainda maiores. Com o mesmo objetivo, foi organizado também o Banco de Crédito da Borracha, com capitais dos governos brasileiro e norte-americano e de seringalistas, que teve logo em sua direção a participação de representantes oficiais dos Estados Unidos. Do contrato, a vigorar por 20 anos, consta esta cláusula:
“Toda a borracha produzida no país tem a sua operação final no Banco de Crédito da Borracha S. A., que poderá apreender todo aquele produto que, por qualquer motivo, seja desviado do seu trânsito normal e destino”.
Dessa maneira concedia-se virtualmente aos americanos o monopólio de toda a nossa borracha. Entretanto, como eles agora dispõem da borracha do Oriente, estão exigindo rescisão do contrato e a retirada de seu dinheiro do banco. O que é mais grave é que o governo brasileiro logo se apressou a satisfazer as exigências dos norte-americanos, que foram os únicos beneficiados com os acordos de guerra.
Além disso, o caso do minério de ferro é ainda mais alarmante. Devido ao desequilíbrio financeiro causado pelos contratos assinados com os governos inglês e norte-americano, a Cia. Vale do Rio Doce teve que apelar para o Banco de Exportação e Importação de Washington, o qual condicionou a concessão de empréstimos à satisfação de exigência as mais absurdas. Em requerimento de informação ao Poder Executivo, que tomou o n.° 353-47, o deputado Henrique Oest comentou então:
“… para conceder o empréstimo, o Export and In-port Bank exigiu, além das garantias normais e da participação de um seu representante na diretoria da Cia., também a garantia do governo brasileiro e a entrega dos trabalhos de “construção, no país, a uma empresa norte-americana, desviando para o exterior pagamentos de mão de obra e preterindo os construtores nacionais”.
Assim o banco do governo norte-americano não só obtém vantagens excepcionais para firmas particulares ianques como assume o controle de mais um importante setor de nossa economia, realizando uma intervenção aberta na Cia. Vale do Rio Doce. Atualmente fazem parte de sua diretoria dois funcionários do governo dos Estados Unidos, o Sr. Rober Kirby West e o coronel Howard Williams, ex-adido militar adjunto à embaixada dos Estados Unidos no Brasil.
Ainda como resultado da Conferência do Rio de Janeiro, o governo brasileiro cedeu às Forças Armadas norte-americanas bases aéreas e navais em diversos pontos do nosso território. Em Recife ficaram sediadas a 4ª Esquadra da Marinha dos Estados Unidos, sob o comando do almirante Ingrahm, e uma unidade da Aviação, sob o comando do general Walsh. Em 1944 o almirante Ingrahm, regressando de uma viagem a Washington, declarou-se autorizado a firmar com as autoridades militares brasileiras um documento sobre a ocupação das nossas bases pelas tropas ianques. Era então comandante da 2ª Zona Aérea também com sede em Recife, o Brigadeiro Eduardo Gomes, o qual declarou que não assinaria semelhante documento. Aliás, as condições pleiteadas pela autoridade americana não poderiam ser aceitas por nenhum brasileiro digno ou qualquer país soberano.
Deste modo, através dos Acordos de Washington, mobilizava-se quase toda a nossa economia para servir aos trustes norte-americanos. Além disso, faziam-se concessões de ordem militar, como a cessão às Forças Armadas dos Estados Unidos de bases aeronavais em nosso território. Pudemos depois verificar que enquanto os industriais norte-americanos ganharam lucros fabulosos durante a guerra, com a borracha, o ferro e outras matérias primas brasileiras, milhares de patrícios nossos foram sacrificados criminosamente na “Batalha da Borracha”, por falta de assistência adequada e devido à brutal exploração a que eram submetidos. Enquanto cedíamos bases para a defesa comum contra o agressor nazi-fascista, planejavam os imperialistas apoderar-se delas para sempre, só ordenando a evacuação dos seus soldados muito tempo depois de terminada a guerra e devido à grande pressão de nosso povo.
A despeito denos havermos empenhado numa guerra justa, ao lado dos Estados Unidos, os Acordos de Washington não atendiam aos interesses brasileiros, aguçando, pelo contrário, as contradições entre nossas forças econômicas em expansão e os monopólios norte-americanos. E a despeito de figurarmos no campo dos países que venceram a guerra, dela saímos com a nossa independência mais periclitante que antes, sofrendo em grau mais elevado que nunca a interferência estrangeira em nossos,negócios internos. Até há pouco tempo podia-se definir o Estado brasileiro como um conjunto de organismos nacionais por meio dos quais as classes dominantes exerciam o governo em nosso país. Mas agora ocorre algo de aberrante e inédito em nossa vida política: a existência de organismos estrangeiros, isto é, norte-americanos, funcionando como parte integrante do aparelho estatal brasileiro.
V — Como os Norte-Americanos Penetraram no Ministério da Educação e Saúde
Sendo o Brasil um país pobre, habitado em sua maior parte por uma população rural que vegeta nos latifúndios, nosso povo é acometido de grande número de moléstias de caráter social. O dever de um governo democrático, diante de tal problema, seria enfrentar e sanar esses males. Entretanto a tática das classes dominantes tem consistido em se aproveitar da situação para fazer demagogia e enganar as massas. Dessa situação aproveita-se também o imperialismo para fazer sua penetração através de missionários, religiosos, missões científicas e organizações beneficentes, como a Fundação Rockefeller, por exemplo, que atua em nosso país no combate à febre amarela, ao mesmo tempo em que abre caminho para organizações econômicas do imperialismo. Seguindo essa tática foi que surgiu, no período da guerra o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), ligado ao Ministério da Educação e Saúde, mas por iniciativa de elementos norte-americanos. O SESP foi criado na base de um acordo firmado entre o governo brasileiro e o Institute of Inter-American Affairs, que atualmente é dirigido pelo Sr. Dillon S. Meyer. A finalidade principal que aquele órgão se propunha era fornecer assistência médica e sanitária ao Vale Amazônico e ao Vale do Rio Doce, com vistas a aumentar a nossa capacidade de produção de borracha e ferro, de que tanto necessitava então a indústria bélica dos Estados Unidos. O programa do SESP não visava, porém, atacar o problema pela base, porque resolvê-lo seria eliminar a “necessidade” da presença dos norte-americanos nesse setor, retirar-lhes um posto de direção nos “negócios puramente internos” de nosso país. Por isso o SESP sempre se limitou, como ainda hoje, a distribuir comprimidos, a instalar postos vistosos, realizar pequenos tratamentos, espalhar folhetos e exibir filmes educativos — atividades essas que, diante da magnitude do problema sanitário nas regiões do Vale do Rio Doce e do Amazonas, não são apenas precárias mas sobretudo demagógicos, para encobrir intuitos de penetração imperialista habilmente planificada. A eficiência do SESP era no exame médico dos “soldados da borracha”, não, porém, em sanear de fato o cenário da “batalha”. Sobre o rigorismo nesses exames, eis o que escreveu a revista do Sr. Valentim Bouças, presidente da Comissão de Controle dos Acordos de Washington:
“Para serem alistados (os “soldados da borracha”), precisam passar por um novo exame médico, mais detido e rigoroso, feito pelos médicos do SESP. São eliminados os portadores de lesões funcionais de caráter permanente ou de moléstias infecto-contagiosas, ou ainda, os que apresentam defeitos ou mutilações que os tornem incapazes para os trabalhos a que se destinam. São aceitos os casos passíveis de cura no tempo máximo, provável, de 15 dias, depois do restabelecimento completo”(11).
Mesmo os que admitiam, a pretexto da guerra, essa penetração de estrangeiros na direção de órgãos públicos no Brasil, já agora, tanto tempo depois de restabelecida a paz, como poderiam aceitá-la? Contudo, o SESP continua em funcionamento no Ministério da Educação e Saúde, dirigido por elementos norte-americanos. Com efeito, quem o dirige na prática é o Sr. Eugene Campbell, que tem o título de chefe da Missão Técnica Norte-Americana junto ao SESP. Várias seções desse órgão público são dirigidas também por americanos. A diretora da divisão de Enfermagem do SESP, por exemplo, é a senhora Clara Curtis norte-americana. E assim vários comandos da máquina estatal do Brasil estão em mãos de estrangeiros. Acontece ainda que os americanos instalados no SESP, tudo fazem para ai permanecer. Em fins de 1947, o Sr. Eugene Campbell, regressando dos Estados Unidos, mal saltou do avião, mandou distribuir à imprensa, em forma de entrevista, uma nota em que informava que o Institute of Inter-American Affairs teve sua existência prolongada até 1950, acrescentando:
“Tudo indica que a cooperação brasileiro-norte-americana que já apresenta excelentes resultados no nosso setor, será ampliada, pelo menos, até o tempo do Instituto. Os nossos acordos terminam em 1948, mas o governo brasileiro, pelas suas autoridades, já se acha em entendimento conosco para a dilatação dos prazos. O embaixador Pawley participou dos entendimentos com o Sr. Ministro Clemente Mariani e posso informar que do lado norte-americano há toda boa vontade e desejo de colaborar”(12).
Isto quer dizer que Mr. Campbell não pretende tão cedo abandonar o Ministério da Educação. Espera ficar pelo menos até 1950, com a perspectiva de continuar mesmo depois de dissolvido o Institute of Inter-American Affrairs. Estranhável ainda mais é que o Sr. Campbell, e não o ministro da Educação, Sr. Clemente Mariani, nos venha falar sobre os negócios daquela pasta. Convém observar que o Sr. Campbell afirma que “do lado norte-americano há toda boa vontade e desejo de colaborar”, dando assim a entender que, apesar de já ter havido “entendimentos com o Sr. Ministro Clemente Mariani”, não é certo existir do lado brasileiro a mesma “boa vontade e desejo de colaborar”. Que representa isso senão uma pressão pública do governo dos Estados Unidos sobre o governo do Brasil para que este consinta na permanência de seus funcionários na direção de nossos negócios internos? De que espécie é então essa “colaboração”, para a qual existe mais boa vontade do lado do que concede o “benefício” do que do lado daquele que o recebe? O seu caráter foi bem definido por Vitorio Codovilla, ao dizer:
“Os imperialistas ianques mascaram sua política agressiva de dominação monopolista do continente, sob o nome de política de “colaboração” americana. A farsa da “colaboração” americana é também desempenhada por certos governantes latino-americanos com o fim de “justificar” perante seus povos a entrega do país ao imperialismo ianque”(13).
É isso justamente o que acontece no caso do SESP. Este órgão edita hoje um boletim, por cima de cujo cabeçalho, e entre as bandeiras brasileira e norte-americana entrelaçadas, está escrito: “A doença não conhece fronteiras”. Que significa essa legenda? Trata-se de um cínica tentativa de explicação da presença de estrangeiros na direção de nossos negócios públicos. Porque logo abaixo, em caracteres minúsculos, vem esta confissão: “Serviço Especial de Saúde Pública — Ministério da Educação e Saúde”. Isto é, confessa-se que o SESP, criado e dirigido pelos norte-americanos, é órgão público, integrante do Ministério da Educação e Saúde. Mas a isso é dada a denominação de “cooperação”, e assim é que vem em seguida mais esta inscrição: “Serviço de Saúde mantido em cooperação pelos governos do Brasil e dos Estados Unidos”. Mas por que essa cooperação? Em troca de que os norte-americanos dão para esse serviço uma contribuição muito mais elevada do que a verba para isso consignada pelo governo brasileiro?
É o plano de colonização que avança. O imperialismo e os colaboracionistas nacionais procuram disfarçar essa invasão branca de nossa pátria, empregando todas as astúcias para enganar nosso povo e desarmar as forças patrióticas que defendem a soberania nacional.
Efetivamente, sendo o Brasil tão extenso, havendo doenças endêmicas em tão grande número de regiões, existindo tantos vales e rios para serem saneados — por que o SESP escolheu justamente o Vale do Rio Doce e o Vale do Amazonas? Porque no Vale do Rio Doce encontram-se nossas grandes jazidas de ferro e manganês, exploradas pela Cia. Vale do Rio Doce, que tem em sua diretoria os Srs. Robert Kirby West e Howard Williams, interventores do banco que a financia — O Banco de Exportação e Importação de Washington. Porque no Vale do Amazonas existem grandes depósitos petrolíferos, as mais variadas essências vegetais que interessam a Dupont, as grandes jazidas minerais do Amapá, cobiçadas pelos trustes norte-americanos. E esse plano de dominação de nossas riquezas naturais está ligado ao plano guerreiro, aos preparativos de guerra do imperialismo ianque. Isto fica perfeitamente evidente pelo que foi publicado na “Folha Vespertina”, de Belém do Pará, em sua edição de 6 de agosto deste ano, ao noticiar os preparativos norte-americanos para reocuparem a base aérea de Val-de-Cães:
“Informaram-nos mais que o serviço de operações e o serviço de águas já estão sob controle americano, assim como os trabalhos de aumentar a pista de Val-de-Cães ao parque aeronáutico já tiveram início, pelo menos os estudos sob direção de técnicos ianques, que já dispõem de 2 “jeeps” em atividade. Fala-se mais que as antigas instalações do SESP, no Guamá, estão ocupadas por elementos daqueles Serviços”.
Essa a tática cínica dos imperialistas ianques: fazendo exploração com as doenças de nosso povo, através de organizações como o SESP, apresentando-se com o seu novo slogan “a doença não conhece fronteiras”, eles urdiram todo um plano de colonização. Os médicos e os sanitaristas americanos são assim uma ponta de lança dos trustes ianques no Brasil, como o foram os missionários em vários países do Oriente. Eles pesquisam, examinam, saneiam o terreno para facilitar a obra de seus patrões de Wall Street. E essa tarefa, conforme afirma Mr. Campbell, “já apresenta excelentes resultados no nosso setor”, isto é, no setor do SESP e do Ministério da Educação e Saúde em geral.
VI — O Imperialismo Ianque no Ministério da Agricultura
Também no Ministério da Agricultura o imperialismo ianque está diretamente representado, participando na direção da Comissão Brasileiro-Americana de Educação das Populações Rurais.
Como se originou essa Comissão? Em começos de setembro de 1942 foi assinado no Itamaraty o acordo Brasil—Estados Unidos para incrementar a produção de gêneros alimentícios na Amazônia e no Nordeste. Para a execução desse acordo, organizou-se uma Comissão Brasileiro—Americana de Gêneros Alimentícios. Entre outras iniciativas, foi lançada então pela Legião Brasileira de Assistência a campanha das Hortas da Vitória, especialmente para o abastecimento das forças norte-americanas estacionadas em território brasileiro. Mas terminado o conflito e o acordo sobre a Comissão de Gêneros Alimentícios, os norte-americanos, invés de se retirarem, trataram, ao contrário, de ampliar suas posições e de dissimular, sob novas formas, sua permanência dentro do Ministério da Agricultura.
Foi assim que os americanos propuseram ao governo brasileiro a organização de uma nova comissão — a Comissão Brasileiro—Americana de Educação das Populações Rurais — e dessa forma conseguiram permanecer infiltrados no aparelho estatal brasileiro, participando na direção de um órgão governamental com finalidades aparentemente as mais elevadas.
Para tal fim, foi firmado um acordo em 20 de outubro de 1945 entre o então ministro da Agricultura do Brasil, Sr. Apolônio Sales, e o presidente da Inter-American Educational Foundation, Sr. Kenneth Holland, que deveria vigorar de 1.° de janeiro de 1946 a 30 de junho de 1948, podendo “ser prorrogado mediante acordo escrito”. O convênio entrou em vigência já no período do governo Dutra, e foi ratificado em nota do então chanceler João Neves da Fontoura ao embaixador Adolf Berle Júnior.
Por esse acordo, a Comissão tornou-se “parte integrante do Ministério da Agricultura”, conforme a cláusula IV, portanto órgão do poder público, peça da máquina do Estado, parcela do Poder Executivo. Além disso, pela cláusula VII, foram “conferidos a ela e a todo o pessoal todos os direitos e privilégios que gozam as outras repartições do mesmo Ministério e seus servidores”. Quer dizer, todo o pessoal da Comissão, inclusive os americanos, foi equiparado aos funcionários públicos. Temos assim cidadãos norte-americanos servindo como funcionários públicos no Brasil, gozando de “todos os direitos e privilégios” a estes inerentes, inclusive naturalmente o de assumirem postos de direção e manter sob suas ordens funcionários brasileiros. E o que é mais digno de ser frisado: cidadãos norte-americanos fazendo parte integrante do poder estatal, com os mesmos direitos e os mesmos privilégios de cidadãos brasileiros.
Esses cidadãos norte-americanos, funcionários do governo brasileiro, têm, pois, livre acesso a todas as fontes de informações privativas do Estado, podem devassar à vontade os arquivos do Ministério, dispõem de trânsito livre para percorrer todos os recantos do país que lhes interessem, assenhoreando-se de segredos — os chamados segredos de Estado — dos quais até mesmo outro poder da República, o Parlamento só toma conhecimento muitas vezes em sessão secreta, quando lhe são enviados, a requerimento de um de seus membros ou por imposição constitucional, com a nota de “reservado” ou “secreto”, como foi o caso do escravizador “acordo dos 27 itens” proposto ao nosso governo pelo governo norte-americano.
Algumas cláusulas desse acordo colidem frontalmente com a Constituição de 1946, como é o caso da cláusula XVIII, que garantiu à Inter-American Educational Foundation isenção, “entre outras coisas de quaisquer taxas, contribuições, impostos, cobranças e tarifas alfandegárias, sejam federais, estaduais, territoriais ou municipais, e de todas as exigências para licenças”. E não somente por isso, como pelo que encerra esta outra parte da mesma cláusula: “Os servidores da Fundação, que forem cidadãos dos Estados Unidos da América, serão isentos no Brasil do imposto de renda e das taxas de previdência social no tocante àqueles rendimentos que já sejam onerados por esse imposto ou por essas taxas nos Estados Unidos da América. Esses servidores serão também isentos de pagamento de taxas aduaneiras sobre objetos de seu uso pessoal ou sobre bens, equipamento e suprimentos importados ou exportados para sua família”.
Não há nada mais revoltante do que verificarmos que os norte-americanos dessa Comissão gozam não só de “todos os direitos e privilégios” concedidos aos funcionários brasileiros, mas estão isentos dos ônus que a estes são impostos. É uma situação, pois, de escandalosa superioridade, a desses americanos em relação aos funcionários brasileiros. E mais do que isto, é um privilégio todo especial, uma concessão que coloca os brasileiros em sua própria terra em situarão inferior aos estrangeiros. Assim é mais ou menos a política de “portas abertas” preconizada pelo governo norte-americano: enquanto qualquer brasileiro que desembarque nos Estados Unidos, mesmo que esse brasileiro seja o Sr. Daniel de Carvalho, Ministro da Agricultura, em viagem particular, terá suas maletas vasculhadas pelos policiais ianques, esses funcionários norte-americanos do governo de Dutra podem fazer entrar ou sair livremente do Brasil, sem pagar um centavo de direitos aduaneiros, todos os bens, equipamentos e suprimentos, seus ou de suas famílias — desde caixões de coca-cola e goma de mascar até automóveis, geladeiras e o que bem desejarem, pois amplas são as concessões e os privilégios.
Finalmente, em sua cláusula IV, estabelece o acordo que nessa Comissão mista, “o Superintendente do Ensino Agrícola e Veterinário do Ministério da Agricultura será o superintendente da CBAR e representará o ministro da Agricultura para todos os efeitos deste acordo. O Representante Especial, da Fundação participará da CBAR com a designação de “Representante Americano junto à CBAR. As decisões da Comissão são adotadas sempre mediante entendimento entre esses dois funcionários. Eis aí um fato estranho: um súdito norte-americano se encontra instalado numa repartição pública do Brasil, dirigindo-a em comum e em pé de igualdade com alto funcionário brasileiro, representante direto do ministro da Agricultura.
Mas apesar de todas as cláusulas, não fica claro pelo acordo qual a verdadeira finalidade da Comissão Brasileiro-Americana de Educação das Populações Rurais. Sabe-se que ela possui amplas instalações em pleno funcionamento. Sabe-se também que os seus funcionários, os mais graduados e especialmente os americanos, vivem fazendo viagens através de todo o território nacional. Mas as suas atividades não são noticiadas pela imprensa, ficando envoltas no maior sigilo. O que é certo é que essa Comissão não trata absolutamente da educação das populações rurais. Suas atividades são outras e concentram-se no levantamento de dados sobre nossas riquezas minerais e vegetais, dados que são fornecidos ao governo de Washington e aos monopólios norte-americanos.
VII — A Influência Norte-Americana no Ministério do Trabalho
Outro órgão do aparelho estatal onde é bastante sensível a influência norte-americana é o Ministério do Trabalho. O movimento trabalhista tem recebido realmente a máxima atenção da parte do Departamento de Estado norte-americano, desde o momento em que os potentados de Wall Street, como o Sr. John Foster Dulles, homem do Banco Schroeder e do Chase National Bank, da Casa Sullivan and Cromweíl e da Standard Oil, que é ao mesmo tempo o principal conselheiro do Sr. Marshall, passaram a dirigir a política externa dos Estados Unidos. Foi então, criado, em todas as suas repartições diplomáticas no exterior, o cargo de “adido trabalhista”, cuja função consiste em dividir o movimento operário autônomo e combater as suas organizações, de modo a poderem as empresas norte-americanas explorar cada vez mais os seus trabalhadores e remeter para Wall Street lucros sempre mais altos, assim como visando quebrantar o ânimo das forças de libertação nacional, que têm no proletariado os mais firmes combatentes.
Tudo isso é feito sob o signo do anti-comunismo — campanha essa em que o governo Truman, segundo declarou em Bogotá o Sr. William Pawley, ex-embaixador ianque no Brasil, já gastou milhões de dólares, faltando apenas salientar que esses milhões são empregados na compra de ministros e parlamentares, no financiamento da imprensa da reação e na distribuição de gorjetas a policiais e traidores da classe operária.
Na embaixada norte-americana no Brasil existe também um “adido trabalhista”, o Sr. Edward J. Rowell, que tem às suas ordens três auxiliares norte-americanos — o que bem indica a importância de suas funções. O Sr. Edward J. Rowell, ou seu substituto, já realizou diversas visitas a sindicatos sob intervenção, acompanhado por autoridades do Ministério do Trabalho. E essas suas atividades nada têm de inocentes nem são alheias, ao que tudo indica, a toda essa série de atos arbitrários e ilegais, praticados pelo Ministério do Trabalho contra o movimento sindical, desde a intervenção em centenas de sindicatos até o fechamento da Confederação dos Trabalhadores do Brasil. Contudo, o instrumento mais adequado de que se tem valido, nesse setor, o imperialismo ianque, é a American Federation of Labor (Federação Americana do Trabalho), cujos diretores, e em primeiro lugar o seu presidente, William Green, fazem a política dos patrões e não a dos empregados, porque eles próprios não são trabalhadores e sim apenas demagogos “trabalhistas”, como “trabalhistas” são, por exemplo, os Srs. Getúlio Vargas e Morvan Dias de Figueiredo.
A Federação Americana do Trabalho tem desenvolvido, nos últimos anos, grandes atividades no exterior, embora nem sempre com resultados satisfatórios. Fenômenos sem precedentes, a A. F. L. — que é uma organização de âmbito apenas nacional, e nem sequer a única nos Estados Unidos — patrocina conferências internacionais, intervém descaradamente no movimento sindical de outros países, trata de dividir as organizações trabalhistas, enfim, sem o menor disfarce, conduz-se como simples apêndice do Departamento de Estado norte-americano. Quando não conseguem dividir o proletariado, como não o conseguiram no Brasil, ao menos instigam as autoridades locais a reprimir com maior violência a luta dos trabalhadores. Em começos de julho de 1947, na mesma ocasião em que aqui chegava o Sr. Truman, o ministro do Trabalho, Sr. Morvan Dias de Figueiredo, recebia a visita do enviado especial da Federação Americana do Trabalho, Sr. Serafino Romualdi, a quem prestou todas as homenagens. A imprensa foi convocada e o Sr. Romualdi concedeu entrevistas, informou que sua missão era combater o comunismo nos meios operários e apareceu numa fotografia ao lado do chefe do governo, Sr. Eurico Dutra, e do seu ministro do Trabalho, Sr. Morvan Dias de Figueiredo.
Devemos assinalar que o ministro do Trabalho, a 7 de maio de 1947, recorrendo a medidas ilegais, baseadas na legislação fascista do Estado Novo, e violando os princípios estabelecidos na Constituição de 1946, fechou a Confederação dos Trabalhadores do Brasil, através de um decreto ilegal expedido pelo Sr. Eurico Dutra, a pretexto de que essa entidade mantinha ligações com organismos internacionais, tais como a Confederação dos Trabalhadores da América Latina e a Federação Mundial dos Sindicatos. Não obstante isso, obedecendo servilmente à convocação da A. F. L. para um “congresso interamericano de trabalhadores”, o Sr. Morvan Figueiredo preparou e remeteu à capital do Peru, isto é, para uma “reunião internacional”, uma delegação composta de elementos sindicais ministerialistas e de funcionários do próprio Ministério do Trabalho, como o Sr. Arnaldo Sussekind de Mendonça, que integrou a delegação na qualidade de “assessor técnico.” Vemos assim que enquanto o Ministério do Trabalho fecha organizações livremente criadas pelos trabalhadores, como a CTB, sob pretexto de suas ligações internacionais, inclusive com a Federação Mundial dos Sindicatos, que é órgão consultivo da Organização das Nações Unidas, esse mesmo Ministério, sob inspiração de Washington, manda uma delegação ministerialista para participar da organização de uma entidade destinada a dividir a classe operária do continente e facilitar maior penetração do imperialismo em nossos países.
Se examinarmos hoje a política dos trustes e monopólios ianques, observaremos que ela se dirige no seguinte sentido: campanha sistemática para enganar as massas, medidas que visam corromper elementos do movimento sindical, intervenção na vida sindical, tentativa de restringir as conquistas dos trabalhadores, asseguradas em lei, e medidas anti-greves. E o mais significativo é que essa política vem sendo fielmente seguida pelo Ministério do Trabalho no Brasil. De fato, assistimos presentemente a uma campanha sistemática, voltada para a classe operária, através de matéria paga nos jornais e da rádio Mauá, que é do Ministério do Trabalho e se intitula de rádio dos trabalhadores. A corrupção de elementos com alguma influência nos meios operários é tentada insistentemente e custeada com o dinheiro do imposto sindical e de órgãos como o SESI e o SESC, ligados ao grande industrial e atual ministro do Trabalho, Sr. Morvan Dias de Figueiredo. Além disso, é notória e cínica a intervenção do Ministério do Trabalho na vida sindical, com a substituição das diretorias eleitas por juntas governativas de sua nomeação, com a proibição de assembléias gerais e a expulsão em massa de lideres e associados sindicais não-ministerialistas. A tentativa de restringir as conquistas trabalhistas, também é rigorosamente seguida e se tem feito sentir através da luta contra o repouso semanal remunerado, contra a elevação dos salários mínimos, assim como através da tentativa de restrição dos direitos de férias e da lei João Mangabeira, restritiva das liberdades sindicais. Por fim, surge agora a legislação anti-greve num projeto de lei que, em curso no Congresso, a pretexto de regulamentar, liquida o direito de greve. Desse, modo, o Sr. Morvan Dias de Figueiredo, ministro do Trabalho, segue nessa pasta a orientação do imperialismo ianque, de que é agente no Brasil, como acionista da Cia. Nacional de Gás Esso, subsidiária da Standard Oil.
VIII — Sob Controle Norte-Americano a Política Brasileira
O Tratado de Comércio, Navegação e Amizade”, mais conhecido como o “acordo dos 27 itens”, que o Departamento de Estado norte-americano propôs ao Brasil e que, diante do clamor da imprensa popular, foi rejeitado como atentatório a todos os princípios de soberania nacional, entre outras coisas possibilitaria aos beleguins americanos atuarem em nosso país como se estivessem realmente em seu “quintal”, varejando lares e cometendo outras arbitrariedades e violências. Entretanto, se eles não atuam ostensivamente, desenvolvem suas atividades como conselheiros, instrutores ou que outro nome tenham essas funções.
No período da guerra, as principais cidades brasileiras fervilhavam de agentes secretos dos Estados Unidos. Aqui estavam eles — este era o pretexto de sua presença — colaborando na repressão às atividades da quinta-coluna nazi-fascista. Mas, finda a guerra, como justificar-se ainda a sua presença? E sobretudo sua presença dentro da própria polícia brasileira, como se evidencia a cada instante? Os métodos de tortura e repressão, por exemplo, que nos tempos de Filinto Muller eram copiados da Gestapo, sofreram várias modificações, introduzidas pelos policiais ianques. Entre essas, podem ser assinaladas a utilização de forças armadas federais na repressão ilegal aos movimentos grevistas, a prisão de estrangeiros democratas, radicados no país e acusados de “agentes de Moscou”, o “quebra-quebra” policial, as provocações guerreiras, os atos de sabotagem, os incêndios — que a polícia americana anuncia sempre com alguma antecedência, de Washington ou de Nova York, e que se verificam ao mesmo tempo, por estranha coincidência, no Chile, na China, na Coréia e demais países em que ela está infestada.
Mas não são apenas os reflexos que nos indicam a presença, de norte-americanos na polícia brasileira. Em meados de 1947, “O Globo” estampou um ofício do chefe do FBI (Federal Bureau of Investigation, dos Estados Unidos), agradecendo a “colaboração” prestada pelo chefe do Departamento Federal de Segurança Pública do Brasil, general Lima Câmara. Posteriormente, o jornal “HOJE”, de São Paulo, denunciou a ligação de um ex-consul e agente do FBI, o Sr. John Hughes, com a polícia paulista, sem que houvesse contestação. A atuação desse agente está relacionada com a dissolução a bala e bomba de gás lacrimejantes de comícios durante as eleições municipais. Ultimamente um telegrama de Nova York, amplamente divulgado na imprensa brasileira, informava que o FBI fizera recolher aos Estados Unidos 500 de seus agentes espalhados na América Latina. Em sua edição de 12 de maio de 1948, o órgão oficioso “A Noite”, do Rio, noticiava, com absoluta naturalidade, que um “G-Man” havia chegado a São Paulo a fim de buscar, no Departamento de Ordem Política e Social, detalhes sobre as atividades de certo sacerdote que a polícia prendeu e acusou de “propagandista soviético”.
Muitos desses agentes do FBI desempenham funções consulares. Sob o manto da diplomacia, seus movimentos ficam mais desembaraçados e o êxito de suas missões torna-se mais garantido. Mas nas condições de subserviência a que chegou o governo Dutra, os policiais ianques já não sentem necessidade de utilizar subterfúgios nem pés de lã e revelam sua própria “ficha” da maneira mais despudorada e acintosa. As atividades dos policiais americanos no Brasil vão atingindo uma audácia verdadeiramente inominável. O que a “FOLHA DO POVO” do Rio, em sua edição de 29 de julho último, revelou é revoltante. Encontrava-se hospedado num dos hotéis da Capital da República o jovem médico Francisco Costa Pacheco Júnior, de Uberlândia, que devia seguir para os Estados Unidos como bolsista da Clínica Mayo. Na véspera do embarque, ao regressar de um passeio, deparou no quarto suas malas abertas e remexidas e, a um canto, um indivíduo que lhe exibiu sua carteira de identidade de policial ianque, explicando que ali fora verificar se o Dr. Pacheco Júnior “tinha alguma coisa de comunista, pois, em caso positivo, não poderia embarcar para os Estados Unidos”. Fatos como esse que despertam o protesto da imprensa popular, são noticiados nos órgãos da reação como coisa corriqueira. Assim é que a “Folha da Noite”, de São Paulo, de 4-6-48, publicou a seguinte nota:
“Esteve ontem no Departamento de Ordem Política e Social um representante do consulado dos Estados Unidos em São Paulo, que solicitou do delegado Ribeiro de Andrade uma cópia de todo o trabalho coligido pela Polícia paulista sobre o “Cominform” de Belgrado. O representante diplomático norte-americano acentuou que as informações sobre o assunto interessavam sobremodo o Bureau Federal de Investigação dos E. U. A. A entrega do Trabalho foi autorizada pelo diretor do DOPS, delegado-auxiliar Afonso Celso”.
Pondo de parte o aspecto grotesco dessa farsa policial, que ninguém de bom senso pode levar a sério, sobre as “atividades subversivas” de pacatos cidadãos que a polícia promove a chefes do Cominform para a América Latina, o que essa publicação encerra de verdadeiro e evidente sfio três fatos: 1) consulado e polícia americanos representam uma só coisa; 2) a polícia americana vai buscar relatórios sobre os determinados serviços executados pela polícia paulista; 3) com isso, pretende-se apresentar o controle do FBI sobre a polícia brasileira como simples gesto de “colaboração”, visando preparar a opinião pública para aceitar com naturalidade a submissão crescente, em todas as esferas, de nosso país ao imperialismo ianque. Esse controle não se limita às polícias políticas do Rio e de São Paulo, mas também às de outros Estados, e se exerce em maior ou menor grau, segundo o atitude dos governantes. No Rio Grande do Norte, por exemplo, tornou-se quase do conhecimento geral o fato de que, quando ali se encontrava o sr. Harry Pease, como vice-cônsul dos Estados Unidos, ele não só controlava a polícia política como fazia a censura postal na repartição dos correios.
Observa-se assim, através de alguns exemplos, que a polícia brasileira está sob o controle cada vez mais direto da polícia americana. É o imperialismo ianque penetrando, portanto, noutro órgão do aparelho estatal brasileiro, em um dos departamentos do Ministério da Justiça.
IX — Comissão Mista das Forças Armadas Brasileiro-Norte-Americana
Um dos fatos mais graves que podemos assinalar em nossa história e que revolta a consciência cívica de todo brasileiro digno, porque fere fundo a soberania nacional, é a permanência em nosso território, onde estão até hoje, à sombra dos estados-maiores, de numerosos oficiais e praças do Exército, da Marinha e da Aviação dos Estados Unidos, constituindo a chamada Comissão Militar Mista. Ela foi organizada pouco depois de decretado, em agosto de 1942, o estado de guerra entre o Brasil e os países do Eixo nazi-fascista. Era composta de militares brasileiros e norte-americanos, com certa autonomia para determinar as providências tendentes a se fazer o adequado preparo e adaptação da FEB às forças norte-americanas, incorporada às quais iria lutar na Europa.
O tempo de sua duração estava condicionado naturalmente ao próprio desenrolar do conflito bélico: findo este, a dissolução de tal Comissão deveria processar-se automaticamente. Não foi o que aconteceu, porém. Sobrevinda a paz, a Comissão Militar continuou em funcionamento — por inércia ou mediante entendimentos, mas de qualquer modo conservando-se em segredo para a maioria da Nação, que só nos últimos meses veio a tomar conhecimento de sua existência. Que faz no Brasil essa Comissão das forças armadas norte-americanas? Pelos próprios elementos colhidos em esparsas referências que de quando em quando aparecem nos jornais, podemos verificar que a sua função consiste em manter inspeção permanente sobre as nossas condições militares, controlar nossas Forças Armadas, preparar o terreno para a padronização que já vem sendo feita, não só dos armamentos como da instrução militar e até dos uniformes, de acordo com o modelo norte-americano, e realizar um trabalho sistemático de propaganda entre a oficialidade brasileira, dentro do espírito da chantagem guerreira e dos preparativos de guerra do imperialismo ianque. Ela representa, por isso mesmo, uma das mais alarmantes manifestações da penetração imperialista em nosso país, índice bem claro da intervenção estrangeira em nossos assuntos internos, prova irrecusável da mais grave violação de nossa soberania nacional. É a ocupação militar de nossa pátria — lenta, silenciosa, porém progressiva, pelo governo dos Estados Unidos.
Seção de Exército dos Estados Unidos no Brasil
Enquistada no Ministério da Guerra, como elemento orgânico de um exército estrangeiro, encontra-se nada menos que uma Seção de Exército dos Estados Unidos, sob o comando do General William Morris Júnior. Buscando emprestar ao fato a aparência de coisa sem gravidade ou trabalhar a opinião pública para que aceite essa situação, a acintosa denominação de “Seção do Exército dos Estados Unidos” aparece agora freqüentemente no noticiário da imprensa. O “Diário de Notícias” do Rio, em sua edição de 9-4-48 noticiava que:
“O Coronel Walter T. Scott chegou a esta capital, a bordo do SS “Uruguai”, no dia 6 do corrente, para servir na Seção do Exército dos Estados Unidos da Comissão Militar Mista Brasil-Estados Unidos, onde exercerá a função de diretor de Treinamento das Armas”.
Vemos por aí a amplitude da Comissão Mista, que comporta dentro de si, acobertando-a com o manto da colaboração, toda uma seção de exército. É de notar também que o oficial ianque vem exercer em nosso Exército funções de diretor, mantendo sob suas ordens, em nosso próprio país, oficiais brasileiros. Quantos patriotas, lendo essa informação, não terão julgado tratar-se de equívoco no noticiário? Mas não se tratava disso. O mesmo jornal, a 5-5-48, dava a confirmação, ao iniciar assim outra notícia:
“Os majores William A. Anderson e John A. Rice, ambos da Seção do Exército dos Estados Unidos da Comissão Militar Mista Brasil-Estados Unidos. . .”
E acrescentava, em seguida, que o Major Rice servia aqui como chefe da Unidade de Indústrias de Guerra e depois na Unidade de Treinamento de Material Bélico, e que o Major Anderson servia na Unidade de Treinamento de Engenharia.
Verificamos assim que não somente está instalada em solo pátrio uma Seção de Exército de país estrangeiro, como os militares que a compõem submetem ao seu comando oficiais e praças brasileiros. Dessa forma nosso Exército passa a representar, em sua própria terra, o papel de força auxiliar de uma organização militar norte-americana.
No Ministério da Aeronáutica a Seção da Força Aérea dos Estados Unidos
Também no Ministério da Aeronáutica encontramos encravada outra Seção, integrante da Comissão Militar Mista, que era comandada pelo Major General Gordon P. Saville, até há pouco tempo, e agora pelo Brigadeiro Donald — a Seção da Força Aérea dos Estados Unidos.
Nessa seção trabalham cerca de 90 militares da aviação norte-americana. O General Morris Jr., entretanto, achava que era muito pouco, pois ao pretender replicar as informações da “Imprensa Popular”, declarou que esses militares eram “menos de cem homens”. Mas além de estarem chegando outros, não é a quantidade o mais importante no momento. Mais importantes são as posições que ocupam, a penetração que realizam, a preparação do terreno para o avanço decisivo no momento propício. Por enquanto estão enfraquecendo nossa capacidade de resistência material, através do fornecimento de armas obsoletas para as quais não existem peças sobressalentes, do conhecimento minucioso dos pontos estratégicos do pais, da preparação psicológica para a submissão e para a entrega de nossas bases. Esse jogo está perfeitamente claro. Os jornalistas Joseph e Stewart Alsop, em artigo na revista “Saturday Evening Post”, de 20 de dezembro de 1947, falaram com suficiente clareza, em nome do imperialismo ianque, quando escreveram a respeito dos planos , do Departamento de Estado de dominação do mundo:
“Exigências mínimas incluiriam provavelmente bases na Groenlândia, Islândia, Açores, Ilha Ascensão e na extremidade do saliente brasileiro. Se possível, essas bases seriam ganhas por meio de negociações políticas. Se as negociações falhassem, tornar-se-ia necessário “considerar muito seriamente” o estabelecimento de bases sem consentimento mútuo, em suma, pela força”.
É preparando-se para essa eventualidade que os aviadores americanos fazem o levantamento aéreo fotogramétrico de todos os pontos, linhas e regiões de valor militar e estratégico no Brasil. Ainda recentemente, conforme publicou a “Imprensa Popular”, um avião americano pernoitou em Manaus e o seu piloto, instado pela reportagem da “Folha do Norte”, declarou sem rebuços que se encontrava cumprindo missão especial do governo do seu país nos territórios do Chile, e do Brasil. Durante a primeira quinzena de agosto último, a opinião pública foi surpreendida pela denúncia feita por alguns jornais sobre a ameaça iminente de ocupação das bases aéreas de Val-de-Cães, no Pará, e Parnamirim, no Rio Grande do Norte, para o que deveriam chegar ao Brasil dentro de dias milhares de soldados norte-americanos.
Em relação com a questão das bases, é oportuno recordar as ocorrências de um passado recente. Restaurada a paz em 1945, relutaram os americanos em evacuar nossas bases, que pretendiam continuar ocupando indefinidamente. Sentiam-se eles aqui como se estivessem não em território aliado mas em pais vencido e militarmente ocupado. Alguns fatos conhecidos e incontestáveis ilustram perfeitamente esta situação; na base aérea de Natal, certa vez o comandante brasileiro teve que protestar com energia contra a ordem dos militares ianques proibindo a entrada de brasileiros no local da torre de tráfego, por eles controlado. E na base de Fortaleza, o sub-comandante Major Joléo da Veiga Cabral reagiu contra a ordem do comando americano local, que proibira a entrada de brasileiros, inclusive oficiais, na área ocupada pelos americanos.
A despeito desse comportamento dos ocupantes, de nossas base:,, o governo brasileiro não tomou quaisquer providências visando recuperá-las. Elas foram evacuadas graças à patriótica e empolgante campanha desencadeada em todo o país pelo Partido Comunista, começando pelo histórico discurso proferido por Prestes da tribuna da Assembléia Constituinte. E ainda hoje o governo espera apenas que relaxe a vigilância dos patriotas para que possa ceder às exigências do imperialismo ianque para reocupar nossas bases. No recente caso de Parnamirim e Val-de-Cães houve um recuo momentâneo, mas o perigo continua.
Seção Naval Americana no Ministério da Marinha
Outro tentáculo da Comissão Militar Mista Brasil-Estados Unidos — a Seção Naval Americana — prende-se ao Ministério da Marinha. Tem como comandante o Contra-Almirante Leland Pearson Lovelte, o qual é auxiliado por cerca de 15 oficiais. Entre estes estão os Capitães de Mar e Guerra Charles Julian Wheeler, Walter Ansel, Albert Eisner Fitzwilliam e French Robert Moore, os capitães de fragata Alvin Arthur Jones, Harry Sommer, o capitão de corveta Marvin Fred Hathaway, o capitão tenente John William Gay, os primeiros tenentes John Edward Nichols e George Washington Beck, e mais o tenente coronel Lawrence Coker Hays Jr., do Corpo de Fuzileiros Navais. A Seção Naval tem seus escritórios no próprio edifício do Ministério da Marinha, instalados no 7.° andar.
O Contra-Almirante Leland Pearson Lovette, da Marinha americana, não prima pela discrição. Em periódicas viagens, tem percorrido todo o litoral brasileiro, recebe a imprensa e, com o cinismo de um conquistador, vai dizendo à reportagem os reais objetivos de sua viagem. Assim, por exemplo, por ocasião de sua viagem no mês de março de 1948, “A Noite”, “O Jornal” e outros órgãos transcreveram declarações por ele prestadas em Salvador, Recife e outras capitais, que visitava — afirmando invariavelmente que estava fazendo “inspeção” de nossos portos e bases, É que ele considera esses portos e bases não colocados sob nossa soberania, mas como simples postos avançados da Marinha norte-americana.
O Que Significa a Padronização dos Armamentos
Enquanto isso, prossegue em nosso país a padronização de nossas Forças Armadas, de acordo com o plano Truman. Efetivamente, segundo telegrama da Associated Press, de 27-12-46, os Estados Unidos haviam entregue 400 milhões de dólares de armamentos a países latino-americanos, dos quais 290 milhões vieram para o Brasil, incluindo-se aí os 64 milhões destinados à FEB. Nada menos, portanto, de 74% de todo o armamento vendido à América Latina, dentro da Lei de Empréstimos e Arrendamentos, destinou-se a nosso país. Cumpre mencionar, além disso, que desde o segundo semestre de 1947 chegaram ao Brasil cerca de 200 aviões de guerra e de instrução, adquiridos na América do Norte. Desses aviões, em sua maioria construídos para a última guerra e já com bastante tempo de vôo, muitos não mais existem, destruídos que estão sendo nos freqüentes sinistros que tantas vidas vêm roubando à nossa aviação. Nossas compras de material bélico são feitas agora exclusivamente nos Estados Unidos. É a padronização na prática, Além disso, padroniza-se também a instrução militar, que é ministrada, desde o início da formação da FEB, à base dos regulamentos norte-americanos (Field Manual). O uniforme vem sendo igualmente padronizado: a camisa verde oliva foi substituída pela camisa caqui e permitido o seu uso no interior dos quartéis e repartições militares. E na Aeronáutica o armamento é todo de fabricação norte-americana e o fardamento é quase inteiramente igual ao dos aviadores ianques. Para maior semelhança, ultimamente foi substituído o quepe branco pelo quepe caqui, para fardamento da mesma cor. Muitas das camisas usadas pelos nossos oficiais e sargentos trazem a seguinte etiqueta: “Exército Brasileiro Serviço de Intendência. Reeves. Glengarrie Poplin. Sanforized, Made by Union Shirt Co. N.Y.” Além disso, o governo brasileiro assinou com o dos Estados Unidos um acordo, pelo qual será estabelecida no Brasil uma Academia Superior de Guerra, conforme foi amplamente noticiada pela imprensa em 31 de julho, dirigida por oficiais ianques, o no qual “se especializarão os mais proeminentes oficiais do Exército, Marinha c Aeronáutica em operações mistas”. Nessa mesma notícia, que nos chegou através de um telegrama de Washington, informava-se, pela primeira vez, da existência de um Comitê Misto de Defesa Brasileiro-Norte-Americano, o que indica já ter sido abandonada pelo governo brasileiro a defesa nacional em favor da defesa “continental”. E confirmando esta série de fatos, temos a confissão do general Carl Spaatz, chefe das forças aéreas norte-americanas, no relatório de que falam os telegramas de 21 de agosto. Eis um trecho do aludido telegrama:
“Spaatz acentuou que, no mês de maio passado, o comando aéreo das Caraíbas também assumiu a direção das operações e apoio dos atividades aéreas, no maioria dos países centro e sul-americanos, além de cooperar para uniformizar os armamentos e a técnica militar entre os Repúblicas americanas”.
Com a padronização dos armamentos das forças armados do continente, o imperialismo americano monopoliza para a sua indústria de guerra todo o mercado continental, forçando o fechamento das fábricas nacionais de material bélico dos demais países e colocando-os, em relação à sua defesa externa, na dependência completa do governo de Washington, A padronização vem importando para o Brasil na liquidação de várias iniciativas e realizações de vulto, entre ás quais merece destaque a Fábrica Nacional de Aviões, de Lagoa Santa, criminosamente fechada pelo governo Dutra. Pesa igual ameaça sobre a Fábrica de Viatura Hipomóveis, de Curitiba, a pretexto de moto-mecanizar todo o Exército; a Fábrica Nacional de Motores, cuja finalidade e atividade foram desviadas pelo governo, e sobre quaisquer tentativas de indústria aeronáutica; a construção de navios, de guerra iniciada nos estaleiros da Ilha do Viana; a Fábrica de Material de Transmissões do Exército e as fábricas de canhões e torpedos da Marinha. Enquanto isso, telegrama de Washington, publicado no “Correio da Manhã” de 17-8-48, anunciava a instalação na capital paulista de um “centro técnico de aeronáutica” organizado pelos “padronizadores” ianques e que controlará tudo quanto se relacione com a aviação, desde a construção de aeroportos até o preparação de pilotos. Esta é a situação a que o governo de traição nacional que aí temos está arrastando nosso Pátria; fechamento de nossas fábricas de material de guerra para adquirir excedentes do indústria bélica norte-americana e ficarmos assim virtualmente desarmados e submetidos à voracidade dos monopólios do todo-poderoso vizinho do norte, pois, como afirma o general Petit, com toda a sua autoridade — quando um Exército recebe seu armamento de um país estrangeiro, ele está à mercê desse país”(14).
Subordinação de Nossas Forças Armadas ao Exército Ianque
Na prática já se esta convertendo em realidade aquela dramática advertência de Prestes, na Assembléia Constituinte:
“As nossas forças armadas passarão a categoria de elementos submissos às forças armadas norte-americanas. É inevitável. Pela maneira por que está sendo projetado nos Estados Unidos esse bloco pan-americano, essa organização militar do continente, visa ele colocar nossas forças armadas, frente ao exército ultra-moderno dos Estados Unidos; nas condições — tomadas as devidas proporções — de nossas polícias estaduais frente ao Exército Nacional. E, mais dia menos dia, teremos o nosso Exército, com soldados brasileiros, sob o comando de oficiais norte-americanos. E esse o caminho, é essa a tendência do imperialismo ianque. Estamos alertando. Ninguém mais do que nós deseja que isso não se realize, e lutaremos contra tal coisa”(15).
A interferência exercida em nossas Forças Armadas pelos militares ianques dessa Comissão é cada dia maior e suas posições se vão consolidando. Até o soldado raso observa e estranha a atitude dos oficiais americanos quando são recebidos em certas unidades: interpelam diretamente as praças e inspecionam até os banheiros, e suas opiniões sobre as tropas-inspecionadas são publicadas no boletim interno da unidade, lido para os oficiais e praças. Também tem repercutido profundamente no seio das nossas Forças Armadas o seguinte fato: quatro jovens atletas brasileiros, selecionados entre centenas, deixaram de ser incluídos no núcleo de formação de pára-quedistas por pressão dos militares ianques. É que eles, embora apresentando todas as condições exigidas pela especialidade, eram de cor, quer dizer, não satisfaziam as exigências racistas dos americanos. A própria oficialidade brasileira, por isso que está em contacto mais direto com os militares ianques e sente mais de perto a realidade, começa a achar insuportável tal situação. Há meses foi enviada a cada deputado federal cópia de uma carta impressa, assinada com o pseudônimo muito significativo de Alferes Tiradentes, revelando fatos positivos e graves dessa penetração ianque na vida íntima do Brasil. Diante dessa odiada penetração de forças estrangeiras em nossas Forças Armadas, o governo vem apelando para as leis de exceção contra os militares, com a finalidade evidente de intimidar os vacilantes e mesmo de afastar das fileiras os militares patriotas que não suportam em silêncio este estado de coisas, profundamente humilhante e desconhecido em nossa história.
A Comissão Mista, que se ramifica em todas as nossas Forças Armadas, corresponde em princípio às missões militares norte-americanas que, na Grécia de Tsaldaris e na China de Chiang Kai Chek, chegaram ao ponto de se apresentarem sem mais disfarces como o governo de fato ou uma instituição que controla e dirige o governo. Há inegavelmente diferença de grau, mas apenas de grau, porque a tendência é a mesma, isto é, de controle e supervisão dos nossos negócios internos por parte dos imperialistas norte-americanos. A persistente propaganda guerreira, a chantagem da “próxima guerra”, tem sido também o pretexto para a permanência de tal Comissão, como foi o pretexto para o fechamento do Partido Comunista do Brasil, para a cassação da autonomia municipal das principais cidades brasileiras, para a cassação de mandatos, para a apresentação do monstruoso projeto de Lei de Segurança, para a abolição das franquias democráticas. Neste sentido, assinala Prestes:
“… é com tais sofismas que se permite a intervenção direta de agentes norte-americanos em nossos negócios internos, na Polícia, no Ministério do Trabalho, nos Estados Maiores de nossas Forças Armadas, em nossa política com o exterior, em nosso comércio com o estrangeiro, enfim em toda a vida da nação. É explorando essa ameaça de guerra iminente, verdadeira chantagem imperialista, que sem nenhuma consulta ao nosso povo, os senhores das classes dominantes vão entregando o país a seus patrões de Wall Street e a eles submetendo os destinos da Nação cada vez mais prejudicados nas Conferências internacionais e pan-americanas e, mais particularmente, com o Plano Truman de uniformização de armamentos e de sujeição de nossas Forças Armadas ao controle do comando norte-americano, É claro que daí à concessão de bases militares e à ocupação de nosso solo pelos soldados do imperialismo não será grande nem difícil o caminho a percorrer”(16).
X – A Dominação Ianque em Outros Ministérios
A situação não é melhor nos outros ministérios, isto é, nos da Viação e Obras Públicas, do Exterior e da Fazenda. A inexistência de comissões mistas absolutamente não significa resistência de seus titulares à penetração imperialista. É que parece não interessar aos próprios imperialistas, por enquanto, o controle direto de certos órgãos públicos.
No Ministério da Viação, por exemplo, os imperialistas ianques controlam indireta mas firmemente grande parte das atividades ministeriais. A aviação comercial norte-americana encontra todas as facilidades e obtém grandes vantagens no Brasil, podendo fazer, como vem fazendo, esmagadora concorrência às companhias realmente nacionais de aviação. 0 importante setor da energia elétrica está dominado por trustes norte-americanos, como a Bond and Share Corporation, aqui denominada de Empresas Elétricas Brasileiras, e as empreas componentes da Brazilian Traction, Power and Light Limited, que operam com capitais associados canadenses e norte-americanos. Além dos escandalosos favores que a Light vem recebendo do governo, como o de utilizar vultoso patrimônio que de direito pertence ao Estado, o sr. Dutra pretende garantir-lhe um empréstimo de 90 milhões de dólares, utilizando para isso nossa disponibilidades no Banco Internacional. A firmeza desse controle indireto, exercido pelos norte-arnerícanos sobre o Ministério da Viação e Obras Públicas, revela-se ainda agora no conteúdo americano do chamado Plano SALTE. Neste programa administrativo, demagògicamente chamado de Plano, só existe uma coisa fundamental — porque as demais são medidas de cunho inteiramente orçamentário — consiste na entrega definitiva à Light e à Bond and Share todo o campo nacional para a exploração de energia elétrica.
Também no Ministério da Fazenda ainda não se verifica o controle direto do imperialismo ianque. Mas o próprio titular da pasta, sr. Correia e Castro, como agente do truste petrolífero Gulf Oil Corporation, do poderoso grupo finaceiro Mellon, defende melhor que ninguém os negócios de Wall Street no Brasil. E isto pôde ser comprovado pessoalmente pelo sr. John Snyder, Secretário do Tesouro norte-americano, quando aqui esteve, no ano de 1947. Serviu-lhe de cicerone o sr. Correia e Castro, que tudo facilitou para o declarado exame de nossa vida econômica e financeira pelo magnata ianque. E foi ainda o sr. Correia e Castro que fez de público, em seu discurso de 21 de novembro de 1947, declarações deste teor: “Temos hoje necessidade de oferecer todas as garantias possíveis ao capital, seja interno, seja externo”, defendendo assim descaradamente os interesses do capital monopolista ianque.
O sr. Correia e Castro, traçando a orientação do Ministério da Fazenda neste sentido, vem concedendo todas as facilidades para os senhores de Wall Street, como se pode facilmente observar através de suas medidas administrativas. O seu parecer sobre a exploração de nosso petróleo foi no sentido de entregá-lo aos monopólios. A sua reforma bancária é no sentido de entregar todo o nosso sistema de crédito aos banqueiros dos Estados Unidos. As suas iniciativas no Acordo de Tarifas Aduaneiras foram todas no sentido de abrir as portas do país para a penetração das mercadorias norte-americanas, facilitando assim, juntamente com a sua política de restrição de crédito, a liquidação das indústrias nacionais.
O Itamarati, por sua vez, não possuí comissão diplomática mista Brasil-Estados Unidos, mas funciona, ele próprio, como dependência da embaixada norte-americana. Possuímos outrora uma tradição da diplomacia brasileira no exterior. Nossos representantes compareciam às reuniões internacionais procurando defender os inrere/sses brasileiros. Depois começou o processo de submissão, de colocação dos representantes do nosso Ministério do Exterior sempre na retaguarda dos representantes do Foreign Office e iprincipalmente do Departamento de Estado, até chegarmos ao governo Dutra, quando essa submissão atingiu um nível sem precedentes, quando o próprio titular do Itamarati, perdendo a própria noção da dignidade de seu cargo, vangloria-se da nossa condição de satélite, ao proclamar em discurso de despedida ao embaixador ianque, mr. William Pawley:
“Vai o colosso norte-americano à frente do ocidente, para não dizer à frente do mundo, tendo assumido corajosamente uma responsabilidade sem precedente na história. Somos solidários com o seu destino e, na suo órbita, por uma imposição da geografia, do sentimento e até do egoísmo esclarecido, correremos os mesmos perigos”.
É assim o próprio titular do Ministério das Relações Exteriores quem confessa e tenta justificar, com absoluta sem cerimônia, a subserviência do atual governo aos seus amos de Washington, colocando-se numa permanente posição de joelhos diante do “colosso norte-americano”. Então, profundamente convencido de seu papel de satélite, o governo brasileiro, através de seus delegados na ONU, comete a indignidade de votar a favor da Inglaterra, na questão anglo-egípcia, colocando-se ao lado do imperialismo contra um país, oprimido como o nosso, que luta por sua libertação. Na Conferência de Genebra a delegação brasileira votou sempre com a delegação americana, assinando em cruz, tanto naquela como nas conferências de Havana e Bogotá, as Cartas econômicas e políticas de colonização do hemisfério, escritas e apresentadas pelos norte-americanos — diretamente ou por intermédio de outra delegação.
Assim os enviados brasileiros, defendendo não os interesses do Brasil mas os dos Estados Unidos, subscreveram a Carta de Havana, que é um documento monstruoso, cheio de armadilhas para as vítimas do imperialismo ianque. Em seu artigo 18, a Carta diz que:
“Nenhum Estado membro aplicará taxas ou outras imposições internas aos produtos importados ou nacionais de maneira a proteger a produção nacional”.
Em outras palavras, significa isto: está proibido proteger a produção nacional contra o avanço dos monopólios estrangeiros. Estes terão entrada franca.
Enviamos outra delegação a Bogotá. A delegação americana redigiu nova Carta, a Carta da Organização dos Estados Americanos, e as demais delegações a assinaram, entre estas a do Brasil. Trata-se de um documento que procura coonestar o desrespeito à soberania dos países latino-americanos, freqüentemente praticada pelo governo e os homens de negócios dos Estados Unidos. O comentarista internacional de “O Estado de São Paulo” (9-6-48), fazendo o elogio da Carta, confessou:
“Aqui a forma jurídica apenas procura cobrir o que já existe e normalmente age no cenário do Hemisfério”.
E assim se cria a nova doutrina das classes dominantes, já esposada e defendida oficialmente pelo chefe da delegação brasileira em Bogotá, sr. João Neves da Fontoura .
É realmente indigna das tradições do Itamaraty a atitude disciplinada, o bom comportamento, a obediência com que a delegação brasileira nos conclaves internacionais apóia sem variações as proposições norte-americanas, na maioria dos casos contra os próprios interesses nacionais do Brasil. O rompimento de relações com a União Soviética é outro ato mundialmente reconhecido como mais uma “vitória” do Departamento de Estado e mais uma prova de servil obediência do governo brasileiro ao governo dos Estados Unidos.
XI -Missão Técnica de Controle Geral de Nossa Economia
Se examinarmos a nossa história de país dependente das forças imperialistas encontraremos numa ou noutra ocasião os observadores técnicos ou as missões econômicas para aqui enviados pelos seus governos ou organizações financeiras, com a finalidade de inventariarem nossas riquezas e arrancar-nos concessões ou fiscalizar as finanças públicas. O trabalho dessas missões e o aspecto com que se apresentam variam de acordo com uma série de circunstâncias. Para não remontarmos a um passado muito distante, recordemos apenas que em 1931 aqui esteve a missão Niemayer, por exemplo, enviada pelos banqueiros da City. Mais tarde, dos Estados Unidos, veio-nos a missão Cooke. E da mesma procedência, já nos últimos tempos do governo Vargas, chegou a missão Taub. Desde então, especialmente após a formação do governo Dutra, tornou-se de uma freqüência bastante significativa a vinda de tais observadores e missões, remetidos pelos homens do Departamento de Estado ou de Wall Street, para a realização de estudos econômicos, mineralógicos, da borracha e sobretudo de nossa condições estratégicas e militares.
Mas como se tudo isso não bastasse, resolveu-se constituir mais uma comissão mista, de natureza econômica e financeira, destinada a transformar por completo a nossa economia num apêndice ou num simples, complemento da economia norte-americana, inclusive para revisar nossas leis de acordo com os monopólios ianques. No dia 23 de fevereiro de 1948, “A Noite” estampava um telegrama de Washington revelando que o Departamento de Estado anunciara a formação de uma Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, composta de três brasileiros e três norte-americanos, atuando os chefes dos dois grupos (do grupo brasileiro e do grupo norte-americano) como co-presidentes da comissão. Posteriormente vieram mais detalhes: o co-presidente ianque, sr. John Abbink, foi nomeado com o título de ministro plenipotenciário; o co-presidente brasileiro, sr. Valentim Bouças, é um elemento de quem um jornalista americanófilo, a título de elogio, afirmou que:
“por ter se tornado autorizado representante de grandes interesses norte-americanos no Brasil, é mais norte-americano, por vezes, do que os próprios componentes da missão Abbink”.
Dessa forma a missão Abbink nada tem de “mista”, em realidade, mas de puramente americana — composta como é de homens de negócios americanos e de seus agentes brasileiros. Um telegrama de Washington indica perfeitamente o raio de atividades abrangido pela missão Abbink:
“Ainda segundo o Departamento de Estado, a Comissão tratará de cinco assuntos: primeiro, os recursos naturais do Brasil; segundo, a mão de obra especialmente no que se refere aos operários especializados; terceiro, os problemas fiscais e bancários; quarto, os problemas do comércio interno e externo; e, quinto, a situação do Brasil no economia internacional”.
É uma comissão, como se vê para supervisionar todos os setores da vida econômica e financeira do Brasil, submetendo-os aos interesses dos Estados Unidos. É outro órgão público, dirigido e constituído por americanos para tratar dos recursos naturais do Brasil — ferro, petróleo, quedas d’água, tudo o mais, como se o nosso país tivesse aberto falência e se encontrasse em leilão. Também a mão de obra especializada será levada em conta — isto é, os americanos trarão os “técnicos”, operários qualificados, ganhando polpudos ordenados, enquanto os operários brasileiros, com seus atuais salários de fome, serão seus meros ajudantes. Os problemas fiscais e bancários serão estudados, com a devassa de todas as importantes repartições, oficiais, pelos norte-americanos e seus agentes brasileiros e veremos como eles sugerirão o diminuição de tais ou quais impostos que incidem sobre indivíduos ou organizações dos Estados Unidos e como procurarão ampliar o campo de ação para os bancos estrangeiros. Tratarão tombem do comércio interno e externo, procurando de certo fazer com que o Brasil deixe de produzir aquilo que os Estados Unidos também produzem (algodão, por exemplo), suspenda todas as medidas de controle e adote, ‘enfim, sem qualquer restrição, á política de portas abertas por onde os monopólios possam mais facilmente penetrar. Tratarão finalmente da “situação do Brasil na economia internacional”. Que significa isto? Até hoje sempre soubemos que quem trata dos negócios brasileiros em relação a outros países é o próprio governo brasileiro. Entretanto, segundo o novo programa traçado por Washington, será a missão Abbink que irá tratar, de agora por diante, de todos os problemas brasileiros na economia mundial.
O que ainda é mais sério é que essa comissão encontrará em cada Ministério e quase que em cada repartição público no Brasil técnicos e especialistas norte-americanos já exercendo funções de responsabilidade. São educadores e sanitaristas, técnicos em agricultura e mineralogia, em economia e finanças.
Assim é que ela contará, no Ministério da Agricultura, por exemplo, com grande número de técnicos à sua disposição. É o próprio sr. Daniel de Carvalho, ministro da Agricultura, quem dá a informação, falando a “O Jornal” de 2 de abril de 1948:
“Atualmente, conta o Departamento (Departamento Nacional da Produção Mineral, do Ministério da Agricultura), trabalhando como os técnicos brasileiros com o metalurgista Frank Noe, do Bureau of Mines, a cujo cargo estão os estudos de sintetização de minérios de ferro e do aproveitamento da pirita que ocorre como impureza no carvão nacional; M C Malamphy, que introduziu a aplicação dos processos geofísicos no Brasil; Victor Oppenheím. que estudou geologia no sul do país; John Van Nostrend Dorr III, Philip Guild, geólogos da Geological Survey que estudam em colaboração com os geólogos nacionais os minérios de ferro do centro de Minas, acompanhados do geólogo americano Milton Denaut”.
O sr. Daniel de Carvalho deixou, porém, de explicar que o sr. Frank Noe, funcionário do governo brasileiro, atuando num dos departamentos mais importantes do Ministério da Agricultura, é ao mesmo tempo funcionário da embaixada norte-americana. Deixou de explicar que a atuação desses técnicos estrangeiros tem lugar através de outra espécie de comissão mista, o Comitê Interdepartamental de Cooperação Científica e Cultural — comitê dirigido pelo sr. John E. Good e que constitui uma das seções da embaixada norte-americana, de onde parte e penetra no Ministério da Agricultura do Brasil.
Atuando junto ou dentro do Conselho Nacional do Petróleo, a missão Abbink vai encontrar as seguintes organizações e técnicos americanos:
De Golyer & Mac Naughton — como consultora do Conselho Nacional de Petróleo.
Schlimberg Surence — nos perfis elétricos.
United Geophysical Company S. A. — nos trabalhos geofísicos.
Drilling & Exploration Company Inc. —- para os trabalhos de perfuração.
Geólogos americanos P. Hastings Keller e Arthur Melvin Helt, Earle F. Taylor, Donaid F. Campbell — para os trabalhos de geologia .
Não é possível esquecer os srs. Herbert Hoover Jr. e Arthur A. Curtice, que para aqui vieram a fim de orientar o governo na feitura do projeto de lei sobre o petróleo, em termos que possibilitassem o seu domínio pelos trustes ianques. Oficialmente, entretanto, eles são apresentados como convidados especiais do governo brasileiro. Também em 1931, quando aqui esteve a missão Niemayer, o “The London Times” anunciou que o sr. Otto Niemayer era convidado do governo brasileiro, que contratara seus serviços de conselheiro técnico. Mas como nessa época era forte a rivalidade imperialista entre Londres e Washington, a balela foi logo desmascarada. A propósito, diz um historiador imperialista:
“O jornal New York Times insistia em que “contrária mente às notícias propaladas, ele não foi convidado pelo Governo Provisório, mas foi enviado ao Brasil para salvaguarda dos Rothschilds” (17).
Assim o que era verdade em relação ao sr. Niemayer, também o é em relação ao srs. Hoover e Curtice. Com a diferença de que, submetida com está a Inglaterra, na situação de sócio menor dos Estados Unidos, nenhum dos seus jornais se atreve a desmentir a balela do convite, para declarar que os srs. Hoover e Curtice são enviados da Standard Oil e não convidados do governo brasileiro. Com a diferença também de que o governo brasileiro de então não satisfez totalmente às exigências do imperialismo inglês, ao passo que o de hoje cede inteiramente às exigências dos imperialistas ianques.
É preciso considerar também outro aspecto da missão desses técnicos estrangeiros, tal como aquele a que se referiu o contra-almirante Juvenal Greenhalgh, em sua recente conferência no Clube Naval. Disse ele, a propósito:
“Os resultados dos trabalhos e descobertas feitas por essas Missões, preciosismos para nós que desconhecemos quase tudo do nosso próprio território, não nos foram, com raras exceções, revelados, e estão decerto ciosamente entesourados nos cofres dos governos de países estrangeiros”(18).
Em outras palavras, isso quer dizer que os técnicos de países imperialistas só trabalham para os trustes e monopólios de seus países, os quais muitas vezes sabem mais do que nós o que existe realmente em nossa terra.
A missão Abbink encontra assim o terreno bem aplainado para sua atuação. Que mais lhe falta? Nada. Ela traz um programa completo a ser cumprido por qualquer colônia. E tanto é assim que o Itamaraty, dias depois de anunciada a formação dessa comissão, divulgou uma nota confirmando o fato, embora fornecendo menos detalhes do que Washington, tão clamorosa é essa ingerência em nossos negócios internos e tão visível é sua finalidade colonizadora.
XII — Caminho da Colonização
Temos assim, através de uma análise do aparelho estatal brasileiro, uma visão de conjunto da situação a que vem sendo reduzida nosso terra, com os punhos cada vez mais apertados pelas algemas da dominação ianque. A dominação norte-americana, portanto, passou a ser feita de dentro do próprio aparelho do Estado, através dos ministérios militares, da Polícia, dos ministérios do Trabalho, da Educação, da Agricultura, da Fazenda. Vê-se claramente que foi traçado um plano completo de colonização de nossa pátria. Muita razão tinha Lenin quando considerava a instabilidade de países semi-coloniais, como o nosso, que não são nem colônias nem verdadeiramente independentes. Chamando a esses países de países médios, que vivem num dilema, numa forma de transição, Lenin dizia:
“Naturalmente para o capital financeiro a submissão mais benéfica e mais “cômoda” é aquela que traz consigo a perda da independência política dos países e dos povos submetidos. Os países semi-coloniais constituem, neste caso, um exemplo típico de países “médios”(19).
Quer dizer, ou avançamos pelo caminho do progresso e da independência nacional, realizando a revolução agrária e anti-imperialista, ou retrocederemos até perdermos a própria independência política e nos convertermos em simples colônias dos Estados Unidos. Que temos visto, com efeito, nos últimos tempos? A entrega cínica de nossas riquezas aos monopólios norte-americanos, o enxame de técnicos ianques em todas as repartições, soldados estrangeiros estacionados em nosso território, participação de cidadãos dos Estados Unidos na direção de repartições públicas brasileiras. Estamos enfim diante de um governo de traição nacional, que tudo entrega, de forma submissa, aos vorazes imperialistas ianques. E estes, no seu plano de expansão ilimitada, estão tudo fazendo, com a conivência das classes dominantes brasileiras, para colonizar nossa terra, para transformar nosso país numa Grécia de Sophoulis ou numa China de Chiang Kai Chek. Isto se vem tornando tão meridianamente claro que o governo de traição do sr. Dutra já sentiu necessidade de justificar com sofismas jurídicos esta realidade nacional, Não foi por acaso que o sr. João Neves da Fontoura, antes e depois de sua chegada a Bogotá, tanto insistiu na explicação da “necessidade” de “progressivas alienações de soberania”, O camarada Prestes vem desmascarando a traição das classes dominantes no Brasil, ao assinalar que elas estão carecendo de nova superestrutura jurídica capaz de cobrir sua atuação impatriótica. Num de seus últimos trabalhos, observa com justeza:
“Afinal é cada vez mais urgente formular a nova doutrina jurídica que justifique a política do sr. Dutra de total entrega do país aos trustes e monopólios norte-americanos. É chegado o momento de dar forma jurídica às teorias “patrióticas” do sr. Góes Monteiro e demais generais fascistas que afirmam ser hoje mais importante para os brasileiros defender a integridade dos Estados Unidos do que a do Brasil, já que esta se encontra dentro daquela, como chegam cinicamente a afirmar,
“Sim, tanta desfaçatez está a exigir com urgência a máscara jurídica de alguma nova doutrina ou teoria para o Direito Internacional Público e, ao que parece, esta é hoje a preocupação maior do sr. João Neves em Bogotá — pôr a trabalhar seus “dotes literários” e a funcionar sua “cultura jurídica” já exercitada da advocacia bancária, a fim de colocar em Bogotá, para honra e glória do Brasil, as pedras fundamentais da nova doutrina que justifique todas as traições e todas as capitulações ao imperialismo ianque, ao “colosso norte-americano” a que humildemente se refere o sr. Raul Fernandes”(20).
Naturalmente os senhores das classes dominantes procurarão também justificar, com sua nova teoria, a instalação de organizações e de funcionários norte-americanos dentro da própria administração pública brasileira. Com isto, o Estado brasileiro já não é apenas um instrumento de exploração e dominação de umas classes por outras: está-se convertendo cada vez mais num instrumento estrangeiro de exploração e dominação de camadas cada vez mais amplas da nossa população. Essa característica, explicada ou não pelos ideólogos do atual governo de traição, vem confirmar mais uma vez as palavras de Marx:
“a dominação de classes já não consegue disfarçar-se sob o uniforme nacional”.
XIII – A Luta Pela Independência Nacional
Entretanto os sentimentos patrióticos de nosso povo são bastante fortes para, concretizados em amplas e vigorosas lutas de massas, na frente única de todos os democratas e anti-imperialistas, restaurar a democracia e fazer respeitar a soberania da nossa pátria. Que não se enganem os traidores, os colaboracionistas, agentes do imperialismo ianque. Aí estão bem vivos os exemplos das repúblicas populares; nem o mais negro terror, nem a mais truculenta repressão nazista, nem os tétricos campos de concentração, nem o fuzilamento de reféns conseguiram intimidar os patriotas e liquidar a sua luta heróica. Esta se desenvolveu, apesar de tudo, e o invasor foi expulso, os traidores receberam o castigo e sobre os escombros de territórios talados pela guerra e o nazismo erguem-se hoje as democracias populares, livres, soberanas e progressistas.
No Brasil o povo começa a abrir os olhos, a ver a realidade, a discernir entre os falsos e os verdadeiros democratas, entre os traidores e os patriotas de verdade. Amadurece, assim, a consciência política da nação, o que não deixa de inquietar aos demagogos e a todas as forças da reação. Traduzindo as apreensões reinantes no seu meio, entre os homens das classes dominantes, o sr. José Américo de Almeida, em seu discurso de meados de maio último, no Senado, declarou francamente:
“E posso dizer já aflito: o povo desiludido perde a confiança nos partidos, perde a confiança no Parlamento, perde a confiança no Governo e poderá perder a confiança na própria democracia”.
Realmente, como pode o povo confiar nesses partidos das classes dominantes, todos eles equivalentes entre si e sempre unidos na traição, na anulação das próprias leis por eles mesmos votadas? Como pode confiar num Parlamento que expulsa do seu seio, auto-mutilando-se, os mais operosos, os mais dedicados e fiéis representantes do povo? Como pode confiar num governo de negocistas e de terror policial, governo de fome e de entrega de nossa pátria à voracidade do imperialismo ianque? Essa democracia de fachada, democracia de banqueiros e latifundiários, democracia de senhores de escravos, democracia a serviço dos imperialistas ianques, democracia em que a classe operária teve seus direitos políticos cassados, pois não pode ter o seu próprio partido, nem organizar-se livremente em sindicatos, nem lutar contra a exploração sem que se abata sobre ela a violência policial dos “democratas” — que confiança pode inspirar ao povo?
Enganam-se por isso os que apostam na apatia e na indiferença das massas. Enganam-se os que abandonam a luta e se acomodam à situação, julgando inevitável a completa dominação ianque de nossa pátria. Enganam-se os agentes do imperialismo, quando pensam ainda poder ocultar sua face de traidores por trás de palavras demagógicas. Enganam-se todos os que subestimam a capacidade de luta e as tradições libertárias de nossa gente. As lutas pela nossa independência servem de exemplo, inspiração e roteiro para os patriotas de hoje. A resistência contra os holandeses no passado, por exemplo, oferecemos preciosas lições. Comemorando o transcurso do tricentenário da Batalha dos Guararapes, o deputado Diógenes Arruda salientou, da tribuna da Câmara Federal, alguns ensinamentos extraídos daquelas lutas contra o invasor estrangeiro:
“Quando o rei de Portugal, D. João IV de Bragança, mandou cessar as hostilidades contra os holandeses, sob pena do castigar os desobedientes, os chefes insurretos responderam que “primeiro expeliriam de Pernambuco os invasores, depois iriam receber o castigo de sua desobediência”.
Os brasileiros que alcançaram a vitória dos Guararapes nos ensinam assim que, para defender a causa da Pátria contra o inimigo estrangeiro, nem mesmo as ordens de um governo capitulacionista podem ser obedecidas.
Os que hoje não souberem seguir este caminho por espírito de acomodação ou pela falta de coragem cívica, estarão irremediavelmente colocados na mesma posição dos que, como Calabar, não quiseram ficar com o nosso povo o preferiram lançar-se nos braços do estrangeiro todo-poderoso que parecia então invencível”(21).
Em nossa época mesmo podemos encontrar um exemplo como o do pequeno Panamá, exemplo de como um povo unido, resoluto e patriota pode derrotar o poderoso colonizador estrangeiro, obrigá-lo a respeitar a independência dos pequenos países. A campanha popular, pela imprenso e em monumentais comícios por todo o país, desencadeada e dirigida pelos comunistas, para a devolução de nossas bases aéreas e navais, em 1946, é outro exemplo, bem recente e bem nosso, de como se pode vencer o inimigo, mesmo que este conte com o apoio de governantes a serviço do estrangeiro. Assim como também derrotamos a provocação de guerra entre o Brasil e a Argentina, feita pelo Departamento de Estado através do Livro Azul, poderemos derrotar os planos colonizadores do imperialismo ianque, expulsá-lo do aparelho estatal do Brasil, arrebatar-lhe o controle que atualmente exerce sobre os ramos principais de nossa economia, para que esta possa desenvolver-se em sentido progressista e independente. Esse o caminho que nos indica o camarada Prestes, ao traçar a orientação de nossa luta patriótica:
“. . . será essa enfim a maneira de cumprirmos nós, os comunistas brasileiros, a nossa tarefa histórica, a mesma tarefa de todos os Partidos Comunistas, como foi proclamado na memorável reunião de Varsóvia em setembro último: “tomar em suas mãos a bandeira da defesa da independência de seus países”, “não se deixar intimidar”, “permanecer corajosamente na defesa da democracia, da soberania nacional, da liberdade e da independência de seus países”, “na luta contra as tentativas de escravização econômica e política de seus países, saber colocar-se à frente de todas as forças que estiverem dispostas a defender a causa da honra e da independência nacional”(22).
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Notas:
(1) V. I. Lenin — “O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo”, pág- 110 Editorial Vitória — Rio
(2) V. I. Lenin — “O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo”, pág. 33 Editorial Vitória, Rio
(3) E. Zukhov “A Agravação da Crise do Sistema Colonial”, “Problemas”, nº 9, pág. 124 — Rio.
(4) Luiz Carlos Prestes “Como Enfrentar os Problemas da Revolução Agrária e Anti-Imperialista”, “Problemas”, n.° 9, pás. 20-21 — Rio.
(5) W. Fuerlein y B. Hannan — “Dólares en la America Latina”, págs. 172-173 — Fondo de Cultura Econômica — México.
(6) Luiz Cariou Prestes — “Como Enfrentar os Problemas da Revolução Agrária e Anti-Imperialista” — “Problemas”, n.° 9, pég. 22 — Rio.
(7) Luiz Carlos Prestes — “Como Enfrentar os Problemas da Revolução Agrária e Anti-Imperialista” — “Problemas”, n.° 9, pág. 21 — Rio.
(8) Luiz Carlos Prestes — “Como Enfrentar os Problemas da Revolução Agrária e Anti-Imperialista” ~ “Problemas”, n.° 9, pág. 21 — Rio.
(9) Dana G. Munro — “O Comércio Interamericano no Após-Guerra” — Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, n.° 124, dezembro de 1944, pág. 187 — Rio.
(10) “O Observador Econômico e Financeiro”, n.° 148, maio de 1948, pág. 75 — Rio.
(11) “O Observador Econômico e Financeiro”, n.° 92, setembro de 1943, pág. 48 — Rio.
(12) “Boletim do SESP”, novembro de 1947, n.° 52, pág. 5 — Rio.
(13) Victotio Codovilla — “Será América Latina Colônia Ianque?”, pág. 16 — Editorial Anteo-Buenos Aires.
(14) General Petit “Sratégie Américaine Avec des soldats Français”, in Démocratie Nouvelle, pág. 2 7 — Maio de 1948 Paris.
(15) Luiz Carlos Prestes — “Paz Indivisível” — Problemas Atuais da Democracia”, pág. 354 — Editorial Vitória — Rio.
(16) Luiz Carlos Prestes — “Como Enfrentar os Problemas da Revolução Agrária e Anti-Imperialista” — ‘-Problemas”, n.” 9. págs. 22-23 — Rio.
(17) J. f. Normano “Evolução Econômica do Brasil, pág. 279 — Cia. Editora Nacional — São Paulo.
(18) “Folha da Manha, 2º caderno- 1ª pág. Edição de 16 maio de 1948 — São Paulo.
(19) V. I. Lenin— “O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo”, pág. 105 — Editorial Vitória — Rio.
(20) Luiz Carlos Prestes — “O Sr. João Neves e a Independência Nacional em Alienação Progressiva” — “A Classe Operária”, 1.° de maio de 1948 — Rio.
(21) Diógenes Arruda — ”Exemplo dos Guararapes” — “A Classe Operária”, 24 de abril de 1948, pá^s. 4 e 5 — Rio.
(22) Luiz Carlos – Prestes — “Como Enfrentar os Problemas da Revolução Agrária e Anti-Imperialista” — “Problemas”, n.° 9, pág. 42 — Rio.