O Pacto do Atlântico Norte, Pacto de Agressão(1)
14 DE JANEIRO, o Departamento de Estado norte-americano publicou uma longa declaração sob este título grandiloqüente: “Estamos construindo a paz. A segurança coletiva no Atlântico Norte”.
Esse documento oficial expõe a posição dos Estados Unidos na chamada questão do “Pacto do Atlântico Norte”, a cujo respeito o governo dos Estados Unidos, de conformidade com o Canadá, vem desenvolvendo negociações, desde o verão passado, com os governos da Grã-Bretanha, da França, da Bélgica, da Holanda e do Luxemburgo .
No ano passado, sob o pretexto de defesa coletiva, os meios dirigentes dos cinco Estados da Europa ocidental, acima citados, concluiram uma aliança política e militar sob os auspícios dos Estados Unidos; este ano assistimos à execução de um plano anglo-americano de longo alcance, visando a criação de uma “União do Atlântico Norte” com a participação desses mesmos países europeus e do Canadá, sob a direção imediata dos Estados Unidos da América.
Em sua declaração de 20 de janeiro, o Presidente Truman afirmou que o Senado estaria em breve tratando de um projeto de Pacto do Atlântico Norte, pacto que, oficialmente, se inspirava no desejo de fortalecer a segurança no Norte do Atlântico.
I – A União Ocidental, Instrumento Europeu do Bloco Anglo-Americano de Agressão
EM MARÇO de 1948, a Grã-Bretanha, a França, a Bélgica, a Holanda e o Luxemburgo assinavam, em Bruxelas, um pacto de assistência mútua e de defesa coletiva, que serviu como ponto de partida para a criação do grupo distinto de certos Estados do oeste da Europa, pacto esse conhecido sob o nome de “União Ocidental”.
A integração na União Ocidental, de outros países europeus, dispostos a adaptar sua política aos objetivos desse grupo dirigido pela Grã-Bretanha, vem sendo igualmente encarada. Por outro lado, sabe-se que os fundadores da União Ocidental excluíram, desde o início, a possibilidade de uma participação, nessa união, de todos os países de democracia popular e da URSS, demonstrando, assim, que, de modo geral, a União Ocidental não íoi criada no interesse de uma paz duradoura na Europa, mas sim com outros objetivos, que nada têm que ver com a consolidação da paz e da segurança internacional.
Não é por acaso que os homens de Estado dos países componentes desse grupo, a começar pelo ministro da Grã-Bretanha, Bevin, viram-se obrigados a declarar abertamente que a criação da União Ocidental marcava uma transformação importante na política desses países. Aliás, era impossível dissimulá-lo por mais tempo, uma vez terminados os trabalhos levados a efeito nos bastidores com a finalidade de preparar o referido grupo. Não é difícil ver que a criação dessa União significa que os governos da Grã-Bretanha, da França e dos outros países que dela participam romperam definitivamente com a política desenvolvida pelos Estados democráticos que fizeram parte da coalizão anti-hitlerista durante a segunda guerra mundial e que tinham como objetivo o agrupamento das forças de todos os Estados pacíficos para acabar com a agressão hitlerista e o fascismo, e impedir o renascimento das forças de agressão depois de terminada a guerra.
A criação da União Ocidental assinala, antes de mais nada, uma completa modificação da política da Grã-Bretanha e da França quanto à questão alemã e mostra que os governos desses países renunciaram a aplicar uma política democrática e anti-agressiva para com a Alemanha, política que foi adotada nas conferências de Ialta e de Potsdam pelas potências da coalizão anti-hitlerista.
Durante a segunda guerra, mundial, as potências aliadas componentes da coalizão anti-hitlerista achavam-se unidas não só pela vontade de terminar vitoriosamente a guerra libertadora travada contra a Alemanha hitlerista e contra o fascismo, mas também pela vontade de impedir uma nova agressão por parte da Alemanha, que desencadeou duas guerras mundiais no decorrer das últimas décadas. Essas nobres aspirações tinham encontrado sua expressão nas decisões das conferências de Ialta e de Potsdam.
E os pactos de amizade e assistência mútua, pelo prazo de vinte anos, concluídos pela União Soviética com a Inglaterra, em 1942, e com a França em 1944, eram ainda a expressão dessa mesma política que se propunha a impedir o renascimento de uma Alemanha agressiva. É perfeitamente claro que a política que encontrou sua expressão em tais pactos e em outros semelhantes corresponde aos interesses tanto dos países signatários quanto de todos os povos pacíficos da Europa.
A União Soviética continua firme nessa política inteiramente conforme às decisões das conferências realizadas em Ialta e em Potsdam pelos chefes dos governos da URSS, dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, e às quais a França aderiu posteriormente, política cuja finalidade é a de assegurar uma paz duradoura na Europa e de impedir uma nova agressão por parte do Estado que foi o principal responsável pela deflagração de duas guerras mundiais.
A formação da União Ocidental significa que a Grã-Bretanha e a França renunciaram a aplicar a- política anti-agre&siva adotada nas conferências de Ialta e de Potsdam, e que essas potências adotaram uma política nova, muito perigosa para os povos pacíficos, e a qual tem por fim assegurar seu domínio sobre os outros povos da Europa, indo até ao ponto de utilizar, com esse objetivo, o agressor de ontem, que, terminada a guerra, se achou na dependência de ambas. É só assim que se pode explicar que, se no texto do pacto de Bruxelas, há, entre outras, a menção do desejo de não se permitir a reincidência da política de agressão por parte da Alemanha, os governos da Grã-Bretanha e da França, de combinação com o governo dos Estados Unidos, se esforçam, entretanto, na hora atual, por associar e utilizar para seus objetivos a Alemanha Ocidental, onde, com o concurso principalmente das autoridades de ocupação anglo-americanas, estão sendo fortalecidos, cada vez mais, em todos os postos da administração, os velhos elementos pró-nazismo e militaristas da reação alemã. O fato de ter sido essa reviravolta da política dos Estados da Europa Ocidental apoiada e estimulada pelos meios dirigentes dos Estados Unidos aumenta consideravelmente o perigo resultante das transformações políticas surgidas nos países europeus acima mencionados. Esses países romperam com a política pacífica e enveredaram pelo caminho da preparação de uma nova agressão na Europa.
Ao contrário de todos os pactos de assistência mútua concluídos pela União Soviética com os outros Estados europeus, inclusive com a Inglaterra e a França, e que têm por objetivo impedir a possibilidade de uma nova agressão por parte da Alemanha e contribuir, portanto, para a consolidação da paz na Europa, a aliança militar dos cinco Estados ocidentais tem em vista menos a Alemanha do que a possibilidade de utilizar o grupo constituído por essas potências ocidentais contra Nações que foram suas aliadas durante a segunda guerra mundial. Encontram-se nas declarações de numerosos homens de Estado dos países ocidentais, assim como na imprensa anglo-americana e francesa, proposições abertamente agressivas, das quais transparece que a União Ocidental foi criada contra a URSS e os Estados de democracia popular, embora a política desses países constitua um fato incontestável, reconhecido por todos. Nessas condições, por mais que se procure velar os verdadeiros objetivos do pacto de Bruxelas, não se pode negar que a criação da União Ocidental nada tem que ver com os interesses da defesa desses Estados.
Por outro lado, desde já transparece claramente que, sob o pretexto de impedir uma situação que poria em perigo a “estabilidade econômica” dos países aderentes a esse pacto, há o propósito de recorrer a medidas militares e repressivas de toda espécie contra a classe operária e as forças democráticas crescentes no interior desses Estados, e também contra o movimento libertador dos povos, que cresce nas colônias e nos países dependentes. Não é por acaso que o pacto de Bruxelas constitui uma aliança concluída entre potências colonialistas, as quais, a fim de conservar seus privilégios seculares nas colônias, tentam utilizar o grupo político e militar, que acaba de ser constituido, para reprimir os movimentos de libertação nacional nessas colônias. Tudo isso não faz mais do que acentuar o caráter anti-democrático, reacionário e agressivo da União Ocidental.
A aliança dos cinco Estados da Europa Ocidental vem completar, no plano militar e político, o grupo econômico dos países europeus, criado para garantir a aplicação do “Plano Marshall” na Europa. Esses dois grupos de países europeus recebem sua orientação dos meios dirigentes do bloco anglo-americano, que não está absolutamente interessado na realização de objetivos realmente nacionais, políticos ou ao menos econômicos, de todos os países componentes desses grupos, mas apenas tem por fim consolidar e ampliar suas possibilidades estratégicas e econômicas.
Da mesma maneira que a aplicação do Plano Marshall não tem como finalidade um verdadeiro renascimento econômico, dos Estados europeus, não passando de um meio de adaptar a política e a economia dos países “marshallizados” aos planos egoístas e estratégicos de dominação anglo-americana na Europa, da mesma maneira a formação do novo grupo não tem o objetivo de assegurar uma assistência mútua e a defesa coletiva dos membros da União Ocidental — pois os acordos de Ialta e de Potsdam excluem, para esses países, qualquer possibilidade de agressão — mas sim o de fortalecer e ampliar a influência preponderante dos meios dirigentes anglo-americanos na Europa, subordinando a suas finalidades estreitas toda a política externa e interna dessas Nações européias. É mais do que evidente que esses planos políticos do bloco anglo-americano são incompatíveis com os interesses da paz e a aplicação dos princípios da democracia nos países da Europa.
Quando, em março do ano passado, se constituiu a União Ocidental, os meios dirigentes dos Estados Unidos declararam imediatamente que lhe concederiam seu apoio incondicional.
Semelhante declaração era muito natural, pois esses “meios tinham todas as razões para supor que o novo grupo não poderia escapaz à sua influência e se acharia inteiramente sujeito a todos os planos anglo-americanos. Observadores americanos especiais, cuja função é clara, ficaram, entretanto, para o que desse e viesse, adidos à União Ocidental. Vê-se bem, hoje, que, quanto mais os países da União Ocidental se embrenharem mais depressa e mais profundamente no caminho que os coloca em oposição aos países de democracia popular e a União Soviética — e são impelidos a isso, de todos os modos, pela política do bloco anglo-americano — mais os Estados da Europa Ocidental irão caindo sob a dependência política e econômica dos meios dirigentes dos Estados Unidos, que se mostram de uma absoluta frieza para com a independência política e o renascimento econômico dos Estados da Europa.
Essa situação terá inevitavelmente como conseqüência uma agravação, que já se manifesta a cada instante, das contradições tanto entre os Estados-Unidos e os países do bloco ocidental, quanto no interior do próprio grupo do ocidente europeu. Não foi sobre as bases sadias e sólidas do renascimento econômico que foi edificado o novo grupo da Europa Ocidental, grupo cuja importância é de certo modo acessória, em comparação com a do grupo europeu mais amplo constituído pelos países “marshallizados”. Sabe-se que, longe de levar um auxílio prático mais ou menos sensível, a seus componentes, esse novo grupo não conseguiu absolutamente impedir o aparecimento de dificuldades econômicas sempre crescentes em toda uma série de nações da Europa Ocidental, nem o formidável aumento do desemprego em algumas dessas nações, e não lhes abriu perspectivas reconfortantes de desenvolvimento econômico. Os objetivos agressivos desse grupo transparecem também nas exigências repetidas no sentido de aumentar os exércitos e os orçamentos de guerra, o que prejudica ainda mais a possibilidade de um desenvolvimento econômico duradouro nesses países. Semelhante situação provoca, além de tudo isso, sérias dificuldades políticas, que se agravam incessantemente no interior dessas nações. E isso no momento em que a União Soviética e os países de democracia popular — os quais se encontram apenas nos primeiros passos de seu desenvolvimento socialista — progridem sistematicamente e num ritmo acelerado no caminho de fortalecimento das bases da democracia e da união política dos povos libertados do jugo dos regimes reacionários e opressores.
A União Ocidental já tomou certas medidas para pôr em funcionamento sua organização. Desde a primavera passada foram constituídos não só um Conselho Consultivo, mas ainda um Comitê Permanente da União, formado de representantes dos cinco Estados em Londres. Foi também criado um Comitê Militar e mesmo um Estado Maior da defesa da União Ocidental, composto dos chefes dos Estados-maiores das cinco nações, tendo à frente o marechal britânico Montgomery, embora, os fundadores da União Ocidental não possam invocar o perigo de uma agressão contra suas nações.
A pressa com que foram tomadas todas essas medidas de organização, inclusive a criação de um Estado-maior militar, apesar de nos encontrarmos em tempo de paz, está longe de significar que os membros desse novo grupo estejam, animados do desejo de assegurar uma paz duradoura na Europa. Essa precipitação mostra, ao contrário, que o objetivo visado por essas medidas é o de exercer uma pressão política sobre certos países da Europa, inclusive a parte ocidental da Alemanha, a fim de acelerar graças à propaganda ruidosa feita em relação a essas medidas, a integração desses países no grupo ocidental e, ao mesmo tempo, a fim de agravar a inquietação, a incerteza e a histeria bélica nos meios mais amplos dos Estados europeus, o que, na hora atual, constitui uma das principais finalidades táticas da política de agressão do bloco anglo-americano na Europa.
Paralelamente à criação desse novo grupo na Europa, os meios dirigentes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha realizaram, nos últimos meses, preparativos visando constituir uma União do Atlântico Norte, compreendendo, além dos cinco Estados da Europa Ocidental, o Canadá e os Estados Unidos. Os objetivos visados pela União do Atlântico Norte são muito mais vastos do que os do grupo da Europa Ocidental, e não é difícil verificar-se que se prendem muito estreitamente aos planos tendentes a estabelecer, pela força, o domínio mundial dos anglo-americanos, sob a égide dos Estados Unidos.
II – O Pacto do Atlântico Norte e os Planos Anglo-Americanos de Dominação Mundial
A CRIAÇÃO da União Ocidental corresponde aos objetivos do bloco anglo-americano na Europa, desde já se verifica que o grupo da Europa Ocidental não é mais do que um elemento, e não o mais importante, no sistema das medidas que fazem parte dos planos tendentes a estabelecer a dominação mundial dos anglo-americanos. Deixando para a Grã-Bretanha o principal lugar na União Ocidental, os meios dirigentes dos Estados Unidos têm todas as possibilidades para exercer a ação que lhes convém quanto à política de todo o grupo da Europa Ocidental.
Não deve também ser esquecido que o pacto concluído no Rio de Janeiro entre os países da América do Norte e da América do Sul e que, na grande maioria dessas nações, assegura aos meios dirigentes dos Estados Unidos a influência que desejavam exercer nesses países, entrou em vigor no fim do ano passado.
O Departamento de Estado considera, naquele documento, a realização da União Ocidental na Europa e a entrada em vigor do pacto inter-americano como fatores importantes, que prepararam o terreno para a aplicação, na escala mundial, da política dos Estados Unidos. Na realização dessa política, o elemento principal é o pacto do Atlântico Norte, que deve apoiar-se sobre grupos de países já constituídos na Europa e na América; e desde o início, os meios dirigentes dos Estados Unidos chamaram a si a realização de toda essa questão.
Em seu documento “A segurança coletiva no Atlântico Norte”, o Departamento de Estado norte-americano esforça-se por apresentar o Pacto do Atlântico Norte, por ele preparado, como um acordo regional incidindo sobre as questões de segurança, concluído entre os países do Atlântico Norte, deixando, assim, na sombra, a verdadeira natureza, e o verdadeiro sentido desse pacto. A inconsistência da explicação destinada a justificar a necessidade do pacto transparece do próprio fato, que todos conhecem, de não estarem ameaçados por qualquer agressão os países do Atlântico Norte.
A fim de mascarar ainda mais o caracter real e os verdadeiros objetivos do pacto do Atlântico Norte, o Departamento de Estado teve de recorrer a absurdas elocubrações sobre a “política de obstrução” da URSS na Organização das Nações Unidas, assim como também a declarações propositalmente vagas, sobre a necessidade de “fazer frente ao agressor potencial com forças muito superiores”, o que segundo ele, constituiria o dever de um grupo especial de países dirigidos pelo Estados Unidos e que não podem esperar até o momento em que a Organização das Nações Unidas se encontre suficientemente forte.
O Departamento de Estado não pode dissimular que o Pacto do Atlântico Norte tem um caracter hostil à União Soviética e aos países de democracia popular, embora se tenha limitado a toda espécie de alusões obscuras relativas ao “agressor potencial”. Mas, por outro lado, não ousou falar abertamente dos objetivos anti-soviéticos do novo pacto que preparou, pois a difusão de calúnias quanto à suposta agressividade da política da URSS volta-se, o mais das vezes, na opinião pública internacional, contra aqueles que recorrem a esses métodos desonestos de luta política.
O projeto de Pacto do Atlântico Norte e as circunstâncias que acompanham sua preparação revelam nitidamente as aspirações de domínio mundial do bloco anglo-americano.
Embora o Pacto do Atlântico Norte preveja a participação, na qualidade de um núcleo, de cinco países europeus, do Canadá e dos Estados Unidos, é claro para todos que a direção desse empreendimento pertence aos meios dirigentes dos Estados Unidos, que fazem bloco com os meios dirigentes da Grã-Bretanha, por ser esta última a potência capitalista mais forte da Europa. Nessas condições, o Pacto do Atlântico Norte torna-se, de fato, o principal instrumento da política agressiva dos meios dirigentes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha “dos dois lados do Atlântico”, isto é, nos dois hemisférios, e corresponde, assim, às aspirações agressivas visando estabelecer o domínio mundial dos anglo-americanos; o que, como se sabe, Churchill proclamou constituir a tarefa principal dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, após a guerra, no seu sensacional discurso pronunciado em Foulton, no comício bastante singular que se realizou sob a presidência de Truman.
O projeto do Pacto do Atlântico Norte admite, ao lado dos Estados Unidos, do Canadá e dos cinco Estados da Europa Ocidental, inclusive esse Estado “atlântico-norte” que é o Luxemburgo, a integração de alguns outros Estados. Fala-se muito nisso, na hora atual.
Trata-se de associar a esse pacto países como a Suécia, a Noruega e a Dinamarca, e nota-se a atividade particular desenvolvida nessa circunstância pelo governo norueguês. Alguns propõem evitar as dificuldades que surgirão com a realização do pacto escandinavo em separado, o que, de acordo com os autores desses planos, não impediria de arrastar os países escandinavos na órbita dos Estados dirigidos, na realidade, pelo grupo do “Atlântico Norte”.
Declara-se que se está discutindo a possibilidade de uma participação, no Pacto do Atlântico Norte, da Espanha franquista, de Portugal(2), da Itália e mesmo da Turquia, considerando-se sem dúvida poder contribuir, dessa forma, para a realização das tarefas propostas pelo grupo dirigente do “Atlântico Norte”. Discute-se, ao mesmo tempo, um plano que prevê a formação de uma união mediterrânea ou a conclusão de um pacto do Mediterrâneo Oriental, como instrumento acessório do grupo do “Atlântico Norte”.
Esses planos que prevêem a criação de grupos de Estados distintos e sempre novos, sob a égide dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, acentuam cada vez mais os objetivos do grupo imperialista fundamental que está sendo constituído nas bases do Pacto do Atlântico Norte, e, longe de assumir um caráter regional, encarnam as pretensões de certas potências no sentido de dominar todas as partes do globo.
Isso é também testemunhado pelo projeto de criar um grupo dos países da Ásia Sul-Oriental, grupo cuja realização foi abordada na recente conferência de Delhi, Índia, convocada sob o pretexto de discutir a questão indonésia. Mas nem é preciso dizer que a complacência de certos líderes que fazem parte dos governos desses países não basta ainda para que os povos da Ásia consintam em enveredar pelo caminho escorregadio para o qual os impelem ativamente, as potências assoberbadas por graves dificuldades em suas colônias, assim como seus ricos protetores.
Tudo isso demonstra que, procedendo à criação da União do Atlântico Norte, os meios dirigentes dos Estados-Unidos e da Grã-Bretanha se esforçam por arrastar nessa aventura, quer diretamente, quer por caminhos travessos, o maior número possível de Estados, tomando-os, assim, em suas mãos. Para isso recorrem a todos os meios, mesmo aos mais inadmissíveis. Praticam a esmola econômica, financeira e outras. Prometem a melhoria da situação econômica dos países que, na realidade, sob o domínio da “política do dólar”, conhecem dificuldades econômicas sempre novas. Invocam o perigo — inexistente — representado pelo “agressor potencial” e, ao mesmo tempo, recorrem a meios brutais de pressão sobre os governos das pequenas nações.
Entretanto, a situação, sob determinado aspecto, está absolutamente clara. Como quando da criação da União Ocidental, os inspiradores do pacto do Atlântico Norte excluíram, de início, toda a possibilidade de adesão, a esse pacto, dos países de democracia popular e da URSS. Deixaram entender, assim, não só que esses Estados não podem aderir ao pacto, como, ainda, que esse pacto é dirigido precisamente contra a URSS e as democracias populares.
De tudo isso conclui-se que o Pacto do Atlântico Norte tem como finalidade permitir aos meios dirigentes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha tomar em mãos as rédeas do maior número possível de Estados, após havê-los colocado na impossibilidade de desenvolver uma política nacional independente, interna ou externa, e de havê-los utilizado como meio acessório de realizar seus planos agressivos que visam estabelecer no mundo o domínio anglo-americano. Assim sendo, não se pode, evidentemente, cogitar de uma participação da URSS ou dos países de democracia popular, no Pacto do Atlântico Norte ou em outros grupos de Estados do mesmo gênero.
Houve, talvez, quem supusesse, durante um certo tempo, que no período consecutivo à guerra seria possível, por toda sorte de meios de pressão e de ameaças vindas de fora, desviar a União Soviética do caminho do socialismo, que ela se traçou, pois alguns “espertalhões” contavam que, depois das duras provações militares e econômicas da segunda guerra mundial, a URSS ficaria demasiadamente debilitada para conseguir superar, por seus próprios meios, suas dificuldades internas e que ela se veria reduzida a abandonar suas posições socialistas a fim de obter o apoio econômico das potências capitalistas mais fortes. Para todos nós, é evidente o absurdo desses cálculos, o que aliás, não exclui a possibilidade de outros cálculos mesquinhos e de outros planos hostis à nossa pátria soviética.
No documento oficial acima mencionado, o Departamento de Estado foi forçado a reconhecer não ter conseguido “após três anos de tentativas infrutíferas obstar uma modificação da política soviética”. É o Departamento de Estado quem o declara, aparentemente para justificar os planos que, na hora atual, prevêem a criação de uma União do Atlântico Norte, visto ser impossível esconder por mais tempo o caracter anti-soviético do Grupo do “Atlântico Norte” que está sendo constituído.
De tudo quanto acaba de ser dito conclui-se que, de fato, o Pacto do Atlântico Norte é a expressão mais evidente das aspirações agressivas de um grupo restrito de potências e, antes de mais nada, a expressão das aspirações dos meios dirigentes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, que pretendem adaptar nesta ou naquela medida, à realização de seus objetivos, a política dos governos que se prestam para tanto ou que dependem diretamente deles, nas outras nações. É mais do que evidente, também, que há uma relação estreita entre a União Ocidental, o bloco inter-americano, os pactos atualmente em preparação, dos países da Ásia Sul-Oriental, etc, e a realização dos objetivos visados pelo Pacto do Atlântico Norte, que representa um papel primordial nos planos anglo-americanos tendentes a estabelecer o domínio anglo-americano tanto na Europa Ocidental, quanto no Atlântico Norte, ra América do Sul e no Mediterrâneo, na Ásia e na África — em suma, onde quer que lhe seja possível.
É necessário, entretanto, reconhecer que criar sempre toda sorte de blocos e alinhar os signatários sob pactos sempre novos, confeccionados nas chancelarias do Departamento de Estado norte- americano e do Foreign Office é uma coisa; mas que, realizar efetivamente os objetivos propostos pelos inspiradores desses blocos, desses pactos, é coisa muito diferente.
A formação desses blocos, a assinatura desses pactos não suprimem ainda os numerosos choques e contradições que existem entre os países signatários. Mesmo no interior do bloco anglo-norte-americano esses pactos não diminuem em nada as contradições entre os principais parceiros. As aspirações agressivas dessas duas potências se entrechocam a cada passo. É tanto mais necessário, portanto, dizer que não se poderia, pela simples assinatura de diferentes pactos, suprimir os antagonismos de interesses existentes entre os grandes e os pequenos países, membros desses blocos onde um parceiro, ou mesmo um grupo de Estados, quer aproveitar-se de todas as ocasiões para realizar um lucro à custa de um outro parceiro ou de um outro grupo de Estados, recorrendo, para isso, a todos os meios possíveis e imagináveis de pressão e de ação econômica.
Por outro lado, não se deve esquecer que nem todos os países consentirão em aderir a esses blocos e que nem todos os Estados que deles já fazem parte consentirão em obedecer sem reservas e em todas as circunstâncias ao diktat anglo-americano.
E afinal, pode-se ignorar um fato tão importante quanto o prodigioso impulso do movimento de libertação nacional, que começou nestes últimos tempos nos países do Oriente, entre os povos que têm afinal a possibilidade de levantar a cabeça?
E é preciso, em suma, levar em conta a União Soviética e os países de democracia popular, que realizam a verdadeira vontade de seus povos e os grandes princípios da amizade e da igualdade nas relações com as outras nações.
A própria existência do Estado Soviético, cuja força e prestígio internacional crescem dia a dia, e o poderoso apoio que lhe asseguram as forças democráticas nos outros países, são um obstáculo insuperável à realização de todos os planos, sejam quais forem, visando estabelecer a hegemonia mundial desta ou daquela potência; isso já foi historicamente confirmado pela liquidação dos Estados fascistas que tentaram realizar seus planos fantásticos de domínio mundial, planos dos quais bem pouco diferem os planos atuais de domínio anglo-americano.
Após tudo quanto acaba de ser dito, compreende-se que, nestes últimos tempos, como todo mundo sabe, os países do bloco anglo-americano e principalmente os Estados Unidos da América, pagam tão amplamente seu tributo ao desejo de assegurar um crescimento inaudito de seus exércitos, de aumentar em proporções formidáveis seu orçamento de guerra, de estender suas redes de bases aéreas e navais em todas as partes do mundo, e arquitetam outros planos militares de toda espécie, compreendendo até a cruel, selvagem previsão de uma utilização das bombas atômicas para a realização desse objetivo.
A fim de justificar essa desenfreada política de agressão, os meios dirigentes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha semeiam por todos os mpdos o temor e a incerteza na opinião pública da Europa e da América, representando de maneira falsa o impulso sem precedente das forças democráticas e os movimentos de libertação nacional do após guerra como uma “agressão perigosa”; mesmo entre os governos, estimulam aqueles que se tornam, de fato, ativos provocadores de guerra, embora, a propaganda de guerra tenha sido unanimemente condenada pela Organização das Nações Unidas. E cada vez mais eles incitam as criaturas que lhes servem de instrumento e a imprensa a eles ligada contra os países pacíficos como a URSS e os Estados de democracia popular e não se pejam de espalhar ondas de mentiras e de ameaças belicosas.
Precisam fazer tudo isso porque muitas vezes são impotentes para resolver com eficiência seus problemas internos que chegam à maturidade em seus próprios países devido às modificações surgidas na situação histórica. E é por isso que ligam seus planos ulteriores, antes de tudo, à realização deste ou daquele objetivo de agressão no exterior, mesmo compreendendo que só o poderão conseguir pela violência, pela deflagração de uma nova guerra.
Apenas terminada a segunda guerra mundial, os meios dirigentes dos Estados Unidos procederam à criação de bases militares aéreas e navais no Atlântico e no Pacífico, assim como também em vários mares longínquos e até mesmo em regiões situadas a milhares de quilômetros das fronteiras dos Estados Unidos. Desde então, o número das bases militares americanas, em vez de diminuir, aumentou consideravelmente, tanto no hemisfério oriental como no hemisfério ocidental, tanto nos países da Europa quanto nos da América, da Ásia e da África. Estados inteiros, principalmente entre aqueles que estão situados nas proximidades das fronteiras com a URSS, são preparados de modo a servir de bases de operações mais cômodas para as forças aéreas anglo-norte-americanas e para uma agressão eventual contra a URSS. Estoques de armamentos diversos chegam em ondas contínuas a esses países, por conta dos créditos americanos incessantemente renovados.
Nenhum homem de juizo poderá afirmar que os Estados Unidos assim estão agindo para assegurar sua própria defesa. Por outro lado, sabe-se também que após a segunda guerra mundial, terminada com o esmagamento das potências de agressão, nenhum perigo de agressão paira sobre os Estados Unidos.
E, em suma, quem pode considerar como fortuito o fato de que após o fim da segunda guerra mundial, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha tenham conservado em Washington seu Estado Maior conjunto, que continua a trabalhar na sombra, a preparar novos planos de agressão. Se esses planos não existissem, para que seria conservado esse Estado-Maior hoje, em tempo de paz, e que necessidade haveria de enviar tropas americanas e britânicas para o território de vários outros Estados, em número sempre crescente?
Se as tropas americanas se acham atualmente aquarteladas nos países da Europa e da Ásia, não há de ser para ocupar, nesse período de após-guerra, os antigos territórios inimigos. Elas são mantidas no território de numerosas nações membros da Organização das Nações Unidas. Nestes últimos anos, os meios dirigentes dos Estados Unidos tomaram o costume de se atribuir o direito de enviar tropas para os territórios de outras nações, como a Grécia, na Europa, ou a China, na Ásia, pretendendo que isso é necessário à segurança dos Estados Unidos.
É perfeitamente claro que semelhante política exterior nada tem que ver com os legítimos interesses dos Estados Unidos e que se acha inteiramente impregnada de um espírito de violência, de um espírito de agressão. É geralmente reconhecido que certos meios dos Estados Unidos se esforçam em transformar a Alemanha Ocidental e o Japão em instrumento de seus planos de agressão, de tornar esses países igualmente seus cúmplices na agressão que se prepara.
Não é também por acaso que os Estados Unidos vêm adiando, sob toda sorte de pretextos, a conclusão dos tratadcs de paz com a Alemanha e o Japão. Essa é a conseqüência natural da política externa dos meios dirigentes dos Estados Unidos, que hoje têm em vista não a consolidação da paz geral, mas sim a realização dos planos de agressão.
Conhece-se o caráter agressivo da política dos Estados Unidos em relação às forças democráticas crescentes e aos países democráticos. O povo grego não pôde ainda sair do impasse em que se encontra pelo fato de que as forças reacionárias, que lhe são estranhas, se acham fortemente apoiadas do exterior. Bastou que os povos da Tchecoslováquia chamassem à ordem, no ano passado os meios reacionários de seu país e que apoiassem as forças democráticas da vanguarda, para que os meios dirigentes dos Estados Unidos e do bloco anglo-norte-americano, todo ele, desenvolvessem ruidoso escândalo em torno dos acontecimentos internos da Tchecoslováquia e fizessem toda sorte de tentativas para se imiscuir nos negócios internos desse país.
Em suas relações com a União Soviética, os meios dirigentes dos Estados Unidos e dos outros países do bloco anglo-americano alardeiam cada vez mais sua recusa de levar em conta os acordos que, ainda recentemente, foram unanimemente adotados como base da política que a URSS, os Estados Unidos e a Inglaterra deviam manter em comum após a guerra.
Com o exemplo da questão de Berlim, o governo soviético demonstrou claramente, mais uma vez, que na hora atual os meios dirigentes dos Estados Unidos e da Inglaterra não se julgam interessados num acordo e numa cooperação com a URSS. Mesmo quando falam nessa possibilidade, acabam invariavelmente repudiando, de forma categórica, os acordos na véspera concluídos e sabotando abertamente toda cooperação real com a URSS. Isso chegou ao ponto de, no comércio com a União Soviética, os Estados Unidos manterem uma política intolerável de boicotagem, o que prova que os iniciadores dessa política são partidários do princípio segundo o qual “contra a União Soviética, todos os meios são bons”, embora semelhante política abale, antes de mais nada, o prestígio da própria nação que o utiliza.
Todos esses fatos, tirados da política exterior mantida pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha após a guerra, atestam que, na hora atual, os meios dirigentes dessas potências, longe de praticar uma política em prol do estabelecimento de uma paz geral e duradoura, fazem uma política que não pode merecer outra denominação que a de política de agressão, política de desencadeamento de uma nova guerra.
Atrás desse pacto não estão apenas os meios dirigentes agressivos dos Estados Unidos e seus inspiradores britânicos, como Churchill ou Bevin, mas também vários outros fomentadores de guerra, de menor envergadura. Não se deve esquecer, todavia, que a assinatura desses pactos ou de outros semelhantes não basta ainda para garantir e assegurar a possibilidade de realizar os objetivos agressivos, visados pelos inspiradores desses pactos. É bom lembrar, a esse respeito, que os meios democráticos de todos os países aplaudiram unanimemente a declaração amplamente divulgada de Stálin, chefe do Governo soviético:
“Os horrores da guerra recente estão ainda muito vivos na memória dos povos e as forças sociais ligadas à paz são demasiadamente poderosas para que os discípulos de Chur-chill em matéria de agressão possam reduzi-las e convertê-las à idéia de uma nova guerra”.
III – A União do Atlântico Norte Solapa a Organização das Nações Unidas
O DOCUMENTO oficial do Departamento de Estado tenta justificar a criação da União do Atlântico Norte, assim como a dos outros blocos já mencionados, pelo desejo de “fortalecer a Organização das Nações Unidas”. Para dar fé a semelhante declaração, seria preciso admitir-se que a formação da União do Atlântico Norte e dos outros grupos e blocos criados por fora e com o desconhecimento da Organização das Nações Unidas é susceptível de concorrer para o fortalecimento dessa última. Mas nem é preciso dizer que semelhante hipótese é simplesmente absurda.
Na realidade, a constituição da União do Atlântico Norte, que se encontra, por sua vez, à frente de toda uma série de outros grupos de Estados nas diferentes partes do mundo, assinala a ruptura definitiva da política atual dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha com a que foi firmada, de comum acordo, pelos governos dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e da URSS, conjuntamente com várias outras nações, no momento da criação da Organização das Nações Unidas, quando da elaboração e da adoção de sua Carta.
Ninguém ignora que a Organização das Nações Unidas não foi informada nem da questão da criação da União do Atlântico Norte, nem da União Ocidental, nem do pacto inter-americano. Sabe-se, ainda, que a questão da criação de um bloco mediterrâneo, de um grupo dos países escandinavos ou de uma liga dos países da Ásia sul-oriental, assim como a de outras associações de nações que estão sendo organizadas, é atualmente concluída sem a participação da Organização das Nações Unidas e manifestamente contra ela.
Os membros desses grupos e antes de tudo os meios dirigentes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha compreendem que não é de seu interesse levar essas questões perante as Nações Unidas, onde poderiam ser investigados os objetivos reais e o verdadeiro caracter desses grupos. É o que não desejam os governos que presidem à constituição de todas essas alianças, de todos esses blocos e grupos. Preferem agir secretamente, com o desconhecimento da Organização das Nações Unidas. No fundo, ao criar esses blocos e esses grupos, os meios dirigentes dos Estados Unidos e da Grã Bretanha colocam a Organização das Nações Unidas perante o fato consumado.
Isso não impede que repitam em toda oportunidade que a União do Atlântico Norte, assim como os outros blocos e grupos por eles criados contribuem para fortalecer a Organização das Nações Unidas. Mas ninguém acredita em suas palavras. E esses mesmos, que fazem declarações nesse sentido, não dão a mínima importância a tais declarações.
Na realidade, a União do Atlântico Norte e o grupo das potências que a ela aderiu sob a orientação dos meios dirigentes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, estão minando abertamente a Organização das Nações Unidas. Hoje, esses grupos visam solapar a autoridade da Organização das Nações Unidas; amanhã, eles poderão levar à destruição da Organização. Não é sem motivo que vem sendo realizado, há três anos, um trabalho de sapa contra as bases dessa organização, conforme o prova, notoriamente, o desejo de destruir o princípio, inscrito na Carta, da unanimidade das cinco grandes potências para a decisão de todos os problemas importantes referentes à manutenção da paz geral e dã segurança internacional.
Para justificar sua posição na questão da União do Atlântico Norte, o Departamento de Estado invoca a Carta da Organização das Nações Unidas. Mas essas referências, em vêz de comprobatórias, distinguem-se, ao contrário, por sua inconsistência.
O Departamento de Estado invoca o artigo 52 da Carta da ONU, em que se fala da possibilidade de concluir acordos regionais compatíveis com os objetivos e os princípios da ONU. É evidente — e dispensa explicações — a necessidade de semelhante artigo figurar na Carta da ONU. Mas os fatos demonstram que o Pacto do Atlântico Norte não pode ser classificado entre os acordos regionais ali referidos.
Por todo seu senso político, o Pacto do Atlântico Norte e os acordos conexos nada tem em comum com o que é especificado no artigo 52 da Carta da ONU quanto aos objetivos e aos princípios dos acordos regionais.
Não seria absolutamente possível classificar o Pacto do Atlântico Norte entre os acordos regionais, considerando-se que esse pacto engloba nações de dois hemisférios e tem como finalidade não a de regulamentar este ou aquele problema regional, mas sim a de determinar toda a política exterior de potências como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, que intervém incessantemente nos negócios de numerosos outros Estados, e isso em todas as partes do mundo. Só por ironia é que se poderia dizer que o Pacto do Atlântico Norte é um acordo regional. Quem quer que respeite o artigo 52 da Carta da ONU não fará tal afirmação, pois a União do Atlântico Norte não é criada na base do artigo 52, mas sim com a violação flagrante da Carta e dos princípios fundamentais da Organização das Nações Unidas.
O Departamento de Estado invoca, também, o artigo 51 da Carta da ONU, que fala no “direito natural de legítima defesa, individual ou coletiva, no caso em que um Membro das Nações Unidas seja alvo de uma agressão armada”, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias ao restabelecimento da paz internacional.
É evidente a necessidade da inclusão de semelhante artigo na Carta da ONU. Mas não é menos evidente que a formação de um bloco atlântico-norte não pode encontrar uma justificativa nesse artigo 51.
É o que se conclui, antes de mais nada, pelo fato de que nem gs Estados Unidos nem a Grã-Bretanha, nem os outros países atlântico-norte. nenhum deles está ameaçado por uma agressão armada. Por esse motivo, qualquer referência ao artigo 51, para justificar a criação da União do Atlântico-Norte é desprovida de qualquer fundamento.
O bloco do Atlântico-Norte não foi criado com o objetivo de legitima defesa, nem para se desincumbir das tarefas de que fala o citado artigo da Carta. A União do Atlântico Norte, dirigida pelos Estados Unidos, seria absolutamente sem motivos, se não existisse o desejo de estabelecer, pela força, a hegemonia anglo-americana sobre o mundo. O Pacto do Atlântico Norte é indispensável, não para assegurar a legítima defesa, mas para realizar uma política de agressão, uma política tendente a desencadear uma nova guerra.
Daí se conclui que as tentativas feitas pelo Departamento de Estado para justificar pelo artigo 51 da Carta a formação da União do Atlântico Norte não tem a menor base; que essas referências só podem induzir ao erro a opinião pública, mas não saberiam servir para explicar a verdadeira causa da formação do novo bloco “do Atlântico-Norte” e das alianças e blocos subsidiários de toda espécie que lhe estão ligados.
Isso é o que há quanto às referencias do Departamento de Estado aos artigos 51 e 52(4) da Carta da ONU.
Uma vez reconhecida a invalidade das referências do Departamento de Estado à Carta da ONU, resta examinar uma outra explicação dos motivos que incitaram à constituição da União do Atlântico Norte, explicação, essa, que consta igualmente do documento já mencionado. É importante examinar aqui, muito particularmente, a resolução chamada Vandenberg, adotada pelo Senado americano e invocada, agora, pelo Departamento de Estado.
No verão passado, efetivamente, o Senado dos Estados Unidos aprovava uma resolução apresentada por Vandenberg, preconizando uma “orientação nova” da política exterior norte-americana. Lê-se no documento do Departamento de Estado:
“Essa resolução propõe que, pela primeira vez na história da nação, os Estados Unidos se associem, em tempo de paz, a países que se encontram fora do hemisfério ocidental, concluindo, com esses últimos, acordos de segurança coletiva em vista de salvaguardar a paz e de fortalecer nossa segurança.”
A Declaração do Departamento de Estado desmente”,”mais uma vez, suas próprias afirmações segundo as quais o grupo do Atlântico Norte teria um caráter regional. Por outro lado, mostra que após a segunda guerra mundial produziram-se nos meios dirigentes dos Estados Unidos, modificações que revelam o caráter abertamente agressivo dessa política em sua fase atual.
Essa resolução dá ao governo dos Estados Unidos franca liberdade de ação para criar, em tempo de paz, todas as uniões internacionais que bem entender, e, sob o pretexto de garantir a segurança, autoriza os meios dirigentes dos Estados Unidos a entrar em todo e qualquer grupo, a comprometer~se em toda e qualquer aventura, o que corresponde perfeitamente à atual mentalidade agressiva dos meios dirigentes dos Estados Unidos.
A adoção dessa resolução pelo Senado americano significa qua os meios dirigentes dos Estados Unidos não somente repudiaram todas as obrigações principais que assumiram para com a Organização das Nações Unidas, mas ainda que deram uma nova orientação a sua política exterior, a qual doravante se empenha em estabelecer pela violência a hegemonia anglo-americana no mundo. A resolução adotada pelo Senado americano significa, portanto, que os meios dirigentes dos Estados Unidos firmaram uma política de agressão, uma política que prepara a deflagração de uma nova guerra.
Considerando-se essa nova orientação da política exterior dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, não há motivos para espanto no fato de ser a ponta de lança dessa política dirigida contra a União Soviética e os países de democracia popular. A União Soviética e os países de democracia popular defendem de forma conseqüente a causa da paz geral e travam incansavelmente a luta contra todos os fomentadores de uma nova guerra, sejam eles quais forem; não podemos, portanto, esperar uma atitude benevolente para com o nosso país por parte dos meios estrangeiros que são os inspiradores de uma nova agressão e que, na hora atual, preparam energicamente uma nova guerra.
A União Soviética concluiu com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha importantes tratados prevendo uma política comum tanto em relação à Alemanha, a oeste, quanto ao Japão, a leste, tratados esses que representam uma excelente base para o estabelecimento de uma paz geral duradoura, fundada em princípios democráticos. Esses tratados são hoje calcados aos pés, a cada momento, pelos meios dirigentes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, pelo fato de que esses meios seguem atualmente uma nova orientação na política exterior e recusam levar em consideração os acordos que eles próprios assinaram. Violando o espírito e a letra dos acordos anteriormente concluídos, os meios dirigentes dos Estados Unidos e da Grã Bretanha estão constituindo, na hora atual, a chamada “União do Atlântico Norte”, não só sem a participação da URSS, mas ainda com o objetivo deliberado de utilizar esse grupo contra a URSS e os países de democracia popular.
A União Soviética, também ela, concluiu, pelo prazo de vinte anos, tratados de amizade e de assistência mútua com a Grã-Bretanha e a França, tratados que correspondem inteiramente aos interesses de uma paz geral e duradoura e que são de uma importância extraordinária para o fortalecimento da paz na Europa. Mas os meios dirigentes da Grã-Bretanha e da França infringem abertamente esses tratados, desrespeitam as obrigações neles contidas e pelas quais a Grã-Bretanha e a França se comprometeram a salvaguardar e a consolidar a paz na Europa, conjuntamente com a União Soviética. Sabe-se que os governos da Grã-Bretanha e da França, participam da formação do grupo do Atlântico Norte e que, mais ainda, sob o pretexto de melhor garantir sua segurança, criaram a chamada “União Ocidental”, não só sem a participação da URSS mas ainda com o objetivo deliberado de utilizar esse bloco do Ocidente europeu contra a União Soviética.
Os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a França foram, com a URSS, os principais países que prepararam a criação da Organização das Nações Unidas. As Nações Unidas reconheceram, todas elas, que esses quatro Estados e a China deviam esforçar-se por agir num espírito de entendimento e de cooperação no seio da Organização das Nações Unidas, e foi por issa que o princípio da unanimidade das cinco grandes potências para a decisão dos problemas essenciais da paz e da segurança internacional foi colocada na base da Carta da ONU. Ora, imediatamente, ou quase, após a constituição da Organização das Nações Unidas, começaram a querer miná-la. Embora esse trabalho de sapa houvesse sido executado por outros, todos percebiam e sabiam que as diretrizes, nesse sentido, vinha dos meios dirigentes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha.
Como se explica isso?
Isso se explica pelo fato de que, logo após a terminação da segunda guerra mundial, os meios dirigentes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha começaram a pensar que era a eles e não ao conjunto das cinco grandes potências, que devia pertencer o papel dirigente na Organização das Nações Unidas. Considerando que a União Soviética exigiu e continua a exigir a aplicação escrupulosa das cláusulas da Carta da ONU sobre a necessidade de uma atividade combinada das cinco grandes potências, única capaz de salvaguardar realmente os interesses da paz geral e da segurança internacional, os meios dirigentes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha acentuaram seus ataques contra a URSS e redobraram suas atividades no sentido de minar a Organização das Nações Unidas.
Entretanto; tudo isso se mostrava insuficiente.
Como a União Soviética e um certo número de outros Estados não querem consentir numa modificação da Carta da ONU, os meios dirigentes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, segundo a evidência, chegaram à conclusão de que não lhes será possível submeter inteiramente a Organização das Nações Unidas perante sua política agressiva, objetivo que, no entanto, ainda perseguem. A Carta da ONU cria-lhes embaraços e os ataques que estão dirigindo contra a URSS, porque ela defende os princípios que formam a base da Organização das Nações Unidas, ficam sem efeito, pois não puderam abalar nem de leve a posição do governo soviético, defensor da causa sagrada do fortalecimento de uma paz geral e duradoura, e que desmascara sistematicamente todos os agressores e todos os instigadores de guerra, sejam eles quais forem.
Quando se convenceram realmente dessa verdade, os meios dirigentes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha concluíram, como é evidente, pela necessidade de agir à margem da Organização das Nações Unidas. É a essa política que se deve a criação da União do Atlântico Norte, assim como a de outros grupos de potências constituídas secretamente, com o desconhecimento da Organização das Nações Unidas.
Temos, portanto, todo fundamento para afirmar que a União do Atlântico Norte está minando a Organização das Nações Unidas. Deve-se levar em consideração o fato de que isso traduz a vontade bem determinada dos meios dirigentes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha de solapar e destruir definitivamente a Organização das Nações Unidas que, dentro de uma certa medida, retém os outros Estados, impedindo-os de se curvar inteiramente a uma política agressiva, e que, entre as mãos do bloco anglo-americano, só pode se transformar no instrumento dócil de uma política, cujos fins sio o de estabelecer, pela força, a hegemonia anglo-americana no mundo.
Dito isso, compreende-se por que os meios dirigentes dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e da França, que desenvolvem uma política de agressão e preparam uma nova guerra, esforçam-se, na hora atual, em toda parte e sempre, por isolar a URSS, embora semelhante política esteia em contradição flagrante com os compromissos por eles contratados.
A “nova orientação” da política exterior dos meios dirigentes desses Estados não constitui, portanto, mais “do que a volta à sua antiga orientação anti-soviética, visando isolar a URSS, orientação que foi a sua nos anos anteriores à segunda guerra mundial e que quase conduziu a civilização européia à catástrofe.
Inteiramente entregues a seus planos agressivos de domínio mundial, os meios dirigentes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha não compreenderam que a “nova orientação” de sua política, que vai de encontro aos compromissos que contrataram recentemente para com a URSS e as outras Nações Unidas, longe de fortalecer suas posições políticas e econômicas, será, ao contrário, severamente julgada por todos os povos pacíficos, por todos os partidários de uma consolidação da paz geral, que são a imensa maioria em todos os países.
Principais Conclusões
Primeira Conclusão
A UNIÃO SOVIÉTICA deve levar em conta o fato de que os meios dirigentes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha adotaram uma orientação política abertamente agressiva, cujo objetivo final é estabelecer pela força a hegemonia mundial dos anglo-americanos, objetivo, esse, a que corresponde a política de agressão, a política de deflagração de uma nova guerra, por eles dirigida.
Nessas condições, a União Soviética deve conduzir, com maior energia e de modo ainda mais conseqüente, a luta contra todos os fomentadores de guerra, sejam eles quais forem, contra a política de agressão e de desencadeamento de uma nova guerra, por uma paz geral, duradoura e democrática.
Nessa luta para consolidar a paz geral e a segurança internacional, a URSS considera como seus aliados todos os outros Estados pacíficos e todos os inúmeros partidários de uma paz democrática geral, intérpretes fieis dos sentimentos e do pensamento verdadeiros dos povos que suportaram as incríveis provações da última guerra mundial e que, com justificados motivos, repelem todos os agressores, todos os instigadores de uma nova guerra.
Segunda Conclusão
TODOS verificaram que se está minando a Organização das Nações Unidas, porque numa certa medida, a ONU estorva e barra os meios agressivos em sua política de agressão e de desencadeamento de uma nova guerra.
Nessas condições, a União Soviética deve, mais firmemente do que nunca e com perseverança cada vez maior, lutar contra as tentativas dos elementos agressivos e de seus agentes que querem solapar e destruir a Organização das Nações Unidas; deve fazer iodo o possível para que a Organização das Nações Unidas cesse de favorecer esses elementos, como tantas vezes hoje se verifica, e que se mostre mais ciosa de seu prestígio quando é necessário responder àqueles que desenvolvem uma política de agressão e de deflagração de uma nova guerra.
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Notas:
(1) Este documento de tamanha importância para a paz foi divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores da URSS.
(2) Posteriormente à publicação deste documento foi assinado em Washington o Pacto do Atlântico Norte do qual Portugal e Itália são também signatários. (N. da R.)
[N1] Artº. 51 – Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou colectiva, no caso de ocorrer um ataque armado contra um membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer momento, a acção que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais.
[N2] Artº. 52 – 1. Nada na presente Carta impede a existência de acordos ou de organizações regionais destinados a tratar dos assuntos relativos à manutenção da paz e da segurança internacionais que forem susceptíveis de uma acção regional, desde que tais acordos ou organizações regionais e suas actividades sejam compatíveis com os objectivos e princípios das Nações Unidas.
2. Os membros das Nações Unidas que forem parte em tais acordos ou que constituírem tais organizações empregarão todos os esforços para chegar a uma solução pacífica das controvérsias locais por meio desses acordos e organizações regionais, antes de as submeter ao Conselho de Segurança.
3. O Conselho de Segurança estimulará o desenvolvimento da solução pacífica de controvérsias locais mediante os referidos acordos ou organizações regionais, por iniciativa dos Estados interessados ou a instâncias do próprio Conselho de Segurança. 4. Este Artº. não prejudica de modo algum a aplicação dos Artº.s 34 e 35.
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O que existe de novo na luta atual dos povos coloniais contra o imperialismo consiste, em que, agora, participam nesta luta as mais amplas massas populares, e a classe operária marcha à vanguarda, conduzindo o campesinato e as outras camadas do povo.
E. ZHUKOV
“A agravação da crise do sistema colonial”