Sobre as Perspectivas da Revolução na China
Camaradas!
Antes de passar ao problema, considero necessário declarar que não tenho materiais completos sobre a questão chinesa, necessários para desdobrar o quadro total da revolução na China. Por isto, sou obrigado a limitar-me a algumas observações gerais, de princípios, diretamente relacionadas com a questão da orientação fundamental da revolução chinesa.
Tenho as teses de Petrof, as teses de Mif, dois informes de Tau Pinsian e as observações de Rafes sobre a questão chinesa. Penso que todos estes documentos, apesar de seus méritos, têm uma falha enorme, pois passam ao largo de toda uma série de problemas radicais da revolução na China. Penso que é necessário, antes de tudo, chamar a atenção sobre estes defeitos. Por isto, minhas observações terão, ao mesmo tempo, um caráter crítico.
I – O Caráter da Revolução na China
Lênin disse que os chineses teriam em breve o seu 1905. Alguns camaradas compreenderam isto de tal modo que, entre os chineses, deveria repetir-se, ponto por ponto, a mesma coisa que se verificou em nosso país, na Rússia, em 1905, errôneo, camaradas. Lênin não disse, de modo algum, que a revolução chinesa seria uma cópia da revolução do 1905 na Rússia. Lênin disse apenas que os chineses teriam o seu 1905.
Isto significa que, além dos traços gerais da revolução de 1905, a revolução chinesa terá, ainda mais suas particularidades específicas, que devem dar um cunho especial à revolução na China.
Quais são essas particularidades?
A primeira particularidade consiste em que a revolução chinesa, sendo uma revolução democrática burguesa, é ao mesmo tempo uma revolução nacional libertadora, que dirige sua arma contra a dominação do imperialismo estrangeiro na China. Nisto, ela se diferencia, antes de tudo da revolução na Rússia, em 1905. A questão consiste em que a dominação do imperialismo na China não se manifesta apenas em sua potência militar, mas também e sobretudo em que os ramos fundamentais da indústria na China, as estradas de ferro, as fábricas e usinas, as minas, os bancos, etc., se encontram à disposição ou sob o controle dos imperialistas estrangeiros. Mas disto resulta que a luta contra o imperialismo estrangeiro e seus agentes chineses, não pode deixar de representar um papel sério na revolução chinesa. Por isto mesmo, a revolução chinesa se une diretamente às revoluções dos proletários de todos os países contra o imperialismo.
A segunda particularidade da revolução chinesa consiste em que a grande burguesia nacional é muito fraca na China, é incomparavelmente mais fraca que a burguesia russa do período de 1905. Também isto é compreensível. Visto que os ramos fundamentais da indústria estão concentrados nas mãos dos imperialistas estrangeiros, a grande burguesia nacional na China não podo deixar de ser débil e atrasada. Neste sentido, a observação de Mif sobre a debilidade da burguesia nacional na China, como um dos fatos característicos da revolução chinesa, é completamente justa. Mas disto resulta que o papel de iniciador e dirigente da revolução chinesa, o papel de chefe do campesinato chinês, deve caber infalivelmente ao proletariado chinês e ao seu Partido.
Também não se deve esquecer a terceira particularidade da revolução chinesa, de que, ao lado da China, existe e se desenvolve a União Soviética, cuja experiência revolucionária e auxílio não podem deixar de facilitar a luta do proletariado chinês contra o imperialismo e contra as sobrevivências feudais medievais na China.
Tais as particularidades fundamentais da revolução chinesa, que determinam seu caráter e sua orientação.
II – O Imperialismo e a Intervenção Imperialista na China
A primeira falha das teses apresentadas consiste era que elas passam ao largo ou subestimam a questão da intervenção imperialista na China. Lendo-se com atenção as teses, pode-se pensar que na China atualmente, não existe a rigor intervenção imperialista, e sim apenas a luta dos nortistas contra os sulistas ou de um grupo de generais contra outro grupo de generais. Aliás, há a tendência a compreender como sendo intervenção a situação em que existe de fato a entrada de tropas estrangeiras no território chinês e, se este fato não existe, também não há intervenção.
É o erro mais profundo, camaradas. A intervenção não consiste apenas, de modo algum, na entrada de tropas, e esta não constitui de modo algum a particularidade fundamental da intervenção. Nas condições atuais do movimento revolucionário nos países capitalistas, em que a entrada direta de tropas estrangeiras pode suscitar uma série de protestos e conflitos, a intervenção tem um caráter mais flexível e formas mais mascaradas. Nas condições atuais, o imperialismo prefere intervir por meio da organização da guerra civil no seio do país dependente, por meio do financiamento das forcas contrarrevolucionárias, por meio do apoio moral e financeiro a seus agentes chineses contra a revolução. Os imperialistas quiseram apresentar a luta de Denikin e Koltchák, de ludénitch e Vrangel contra a revolução na Rússia, como uma luta exclusivamente interna. Mas todos nós sabíamos, e não somente nós como também o mundo inteiro, que, por trás desses generais contrarrevolucionários russos, se encontravam os imperialistas da Inglaterra e dos Estados Unidos, da França e do Japão, sem o apoio dos quais teria sido completamente impossível uma séria guerra civil na Rússia. É necessário dizer a mesma coisa sobre a China. A luta de U Pei-Fu e Sun Tchuan-Fan, Tchjan Tzo-Lin e Tchjan Tzun-Tchan contra a revolução na China, seria simplesmente impossível se os imperialistas de todos os países não inspirassem esses generais contrarrevolucionários, se não os financiassem, se não lhes fornecessem armamentos, instrutores, “conselheiros”, etc.
Em que consiste a força das tropas de Cantão? No fato de que elas têm ideias e o entusiasmo que as inspiram na luta para se libertar do imperialismo, no fato de que elas trazem a libertação da China. Em que consiste a força dos generais contrarrevolucionários na China? No fato de que, por trás deles, se encontram os imperialistas de todos os países, os proprietários de todas e quaisquer estradas de ferro, concessões, fábricas e usinas, bancos e escritórios comerciais na China.
Por isto, a questão não consiste apenas, ou mesmo não consiste tanto, na entrada de tropas estrangeiras, quanto no apoio que os imperialistas de todos os países prestam à contrarrevolução na China. A intervenção com mãos alheias — eis, agora, a raiz da intervenção imperialista.
Por isto, a intervenção imperialista na China é um fato indubitável contra o qual a revolução chinesa dirige sua arma.
Por isto, quem passa ao largo ou subestima o fato da intervenção imperialista na China, passa ao largo ou subestima o que há de principal e mais fundamental na China.
Dizem que os imperialistas japoneses manifestam alguns indícios de “inclinação” para os elementos de Cantão e para a revolução chinesa em geral. Dizem que os imperialistas norte-americanos, neste sentido, não ficam atrás dos japoneses. É enganar-se a si próprios, camaradas. É necessário saber diferenciar a essência da política dos imperialistas, inclusive dos japoneses e norte-americanos, de seu mascaramento. Lênin disse muitas vezes que é difícil vencer os revolucionários com pancadas, com o punho cerrado, mas, às vezes, eles são vencidos facilmente com carinho. Nunca se deve esquecer, camaradas, esta verdade dita por Lênin. Em qualquer caso, é claro que os imperialistas japoneses e norte-americanos compreenderam suficientemente a importância dessa verdade. Por isto, é necessário diferenciar rigorosamente entre o carinho e o elogio aos elementos de Cantão, e o fato de que os imperialistas mais generosos em carinhos, são os que se agarram mais tenazmente às “suas” concessões e estradas de ferro na China, e não estão dispostos de modo algum a renunciar às mesmas.
III – O Exército Revolucionário na China
A segunda observação a propósito das teses apresentadas, refere-se à questão do exército revolucionário na China. É que passaram ao largo da questão do exército, ou ela é subestimada nas teses. É a segunda falha das teses. O avanço dos elementos de Cantão para o norte, não é encarado em geral como o desdobramento da revolução chinesa, e sim como a luta dos generais de Cantão contra U Pei-Fu e Sun Tchuan-Fan, como a luta pela supremacia de uns generais sobre outros. É o erro mais profundo, camaradas. Os exércitos revolucionários na China constituem o fator mais importante da luta dos operários e camponeses chineses pela própria libertação. Será por acaso que, até maio ou junho do ano corrente, a situação na China era encarada como o domínio da reação, que começou após a derrota dos exércitos de Fen lu-Siang, ao passo que, depois, no verão do ano corrente, bastou que as tropas vitoriosas de Cantão avançassem para o norte e ocupassem Hupê, para que o quadro se modificasse radicalmente em favor da revolução? Não, não é por acaso. Pois o avanço dos elementos de Cantão é um golpe sobre o imperialismo, um golpe sobre seus agentes na China, e é a liberdade de reunião, a liberdade de greve, a liberdade de imprensa e a liberdade de organização para todos os elementos revolucionários na China em geral, para os operários em particular. Eis em que consistem a particularidade e a significação mais importante do exército revolucionário na China.
Anteriormente, nos séculos XVIII e XIX, as revoluções começavam geralmente com a insurreição do povo, na maior parte desarmado ou mal armado, que se chocava com o exercito do velho regime e que ele tratava de desagregar ou, pelo menos, atrair parcialmente para o seu lado. Era a forma típica de explosões revolucionárias no passado. O mesmo ocorreu em nosso país, na Rússia, em 1905. Na China, as coisas passaram-se de outro modo. Na China, não é o povo desarmado que se levanta contra as tropas do velho governo, e sim o povo armado, representado pelo seu exército revolucionário. Na China, a revolução armada luta contra a contrarrevolução armada. Esta é uma das particularidades e uma das vantagens da revolução chinesa. Nisto consiste a importância especial do exército revolucionário na China.
Por isto, a subestimação do exército revolucionário é um defeito, inadmissível das teses apresentadas.
Mas disto resulta que os comunistas da China devem prestar uma atenção especial ao trabalho no exército.
Em primeiro lugar, os comunistas da China devem reforçar por todos os modos o trabalho político no exército e conseguir que o exército se torne o porta-bandeira efetivo e exemplar das ideias da revolução chinesa. Isto é necessário especialmente porque, agora, todos e quaisquer generais que nada têm de comum com o Kuomintang, aferram-se aos elementos de Cantão, aferram-se a esses elementos como à força que esmaga os inimigos do povo chinês e, agarrando-se aos elementos de Cantão, desagregam o exército. Neutralizar esses “aliados” ou torná-los verdadeiros partidários do Kuomintang, só é possível por meio do reforçamento do trabalho político e por meio da organização do controle revolucionário sobre eles. Sem isto, o exército poderá cair na situação mais penosa.
Em segundo lugar, os revolucionários chineses, inclusive os comunistas, devem tomar a peito o estudo da arte militar. Não devem encarar a arte militar como uma questão de segunda categoria, pois ela, na China, é atualmente, o fator mais importante da revolução chinesa. Os revolucionários chineses e, por conseguinte, também os comunistas, devem estudar a arte militar a fim de avançar gradualmente e ocupar no exército revolucionário os postos dirigentes. Esta é a garantia de que o exército revolucionário na China seguirá pelo caminho justo, diretamente para o objetivo. Sem isto, as hesitações e vacilações no exército podem tornar-se inevitáveis.
IV – O Caráter do Futuro Poder na China
A terceira observação assinala, que, nas teses, não foi tomada em consideração, ou o foi insuficientemente, a questão do caráter do futuro poder revolucionário na China. Mif, em suas teses, aproximou-se desta questão e este é o seu mérito. Mas, aproximando-se, ele temeu qualquer coisa e não se decidiu a levar questão até o fim. Mif pensa que o futuro poder revolucionário na China será o poder da pequena burguesia revolucionária sob a direção do proletariado. Que significa isto? Os mencheviques e os social-revolucionários, durante a revolução de fevereiro de 1917, também formavam partidos pequeno-burgueses e, em certa medida, revolucionários. Significa isto que o futuro poder revolucionário na China será um poder menchevique-social-revolucionário? Não, não significa. Por que? Porque o poder menchevique-social-revolucionário era um poder imperialista na essência, ao passo que o futuro poder revolucionário na China não pode deixar de ser um poder anti-imperialista. A diferença aí é radica!
O governo de Mac Donald era mesmo um poder “operário”, mas, ao mesmo tempo, era um governo imperialista, pois se baseava na conservação do poder imperialista da Inglaterra, por exemplo na Índia e no Egito. O futuro poder revolucionário na China terá a vantagem sobre o governo de Mac Donald no fato de que ele será um poder anti-imperialista.
A questão não consiste apenas no caráter democrático-burguês do poder de Cantão, embrião do futuro poder revolucionário de toda a China, e sim antes de tudo em que este poder é e não pode deixar de ser um poder anti-imperialista, o cada avanço deste poder é um golpe sobre o imperialismo mundial, isto é, um golpe em favor do movimento revolucionário mundial.
Lênin tinha razão ao dizer que, se anteriormente o movimento nacional-libertador, antes do começo da época da revolução mundial, era uma parte do movimento democrático geral, agora, depois da vitória da revolução soviética na Rússia e do começo da época da revolução mundial, o movimento nacional-libertador é uma parte da revolução proletária mundial. Mif não tomou em consideração esta particularidade.
Penso que o futuro poder revolucionário na China lembrará, em geral, por seu caráter, o poder sobre o qual se falou em nosso país, em 1905, isto é, algo no gênero da ditadura democrática do proletariado e do campesinato, com a diferença, porém, de que será um poder anti-imperialista por excelência.
Será um poder de transição para o desenvolvimento não capitalista ou, com mais exatidão, socialista da China.
Eis em que direção deve marchar a revolução na China.
Este caminho de desenvolvimento da revolução é facilitado por três circunstâncias.
Em primeiro lugar, pelo fato de que a revolução na China, como revolução nacional-libertadora, dirigirá sua arma contra o imperialismo e seus agentes na China;
Em segundo lugar, pelo fato de que a grande burguesia nacional na China é débil, mais débil que a burguesia nacional na Rússia do período de 1905, o que facilita a obra da hegemonia do proletariado, a obra da direção do campesinato chinês pelo partido proletário;
Em terceiro lugar, pelo fato de que a revolução na China se desenvolverá em circunstâncias que dão a possibilidade de aproveitar a experiência e o auxílio da revolução vitoriosa na União Soviética.
Depende de muitas circunstâncias o triunfo certo, infalível, por este caminho. Em todo caso, uma coisa é clara — a luta exatamente, por este, caminho de desenvolvimento da revolução chinesa, é a tarefa fundamental dos comunistas chineses.
Daí decorre a tarefa dos comunistas da China na questão da atitude para com o Kuomintang e para com o futuro poder revolucionário na China. Dizem que os comunistas chineses devem sair do Kuomintang. Isto é errôneo, camaradas. Seria o erro mais profundo os comunistas chineses saírem do Kuomintang, atualmente. Toda a marcha da revolução chinesa, seu caráter, suas perspectivas, mostra sem dúvida que os comunistas chineses devem permanecer no Kuomintang e, aí, reforçar seu trabalho.
Mas poderá o Partido Comunista da China tomar parte no futuro poder revolucionário? Não somente poderá como também deverá tomar parte. A marcha da revolução na China, seu caráter, suas perspectivas, mostra eloquentemente que o Partido Comunista da China deverá participar do futuro poder revolucionário da China.
Esta é uma das garantias necessárias de que a hegemonia do proletariado chinês será realizada de fato.
V – A Questão Camponesa na China
A quarta observação refere-se à questão do campesinato na China. Mif pensa que é necessário lançar inteiramente a palavra de ordem de formação de Soviéts, exatamente de Soviéts camponeses, na aldeia chinesa. Penso que é um erro. Mif antecipa-se. É impossível construir Soviéts nas aldeias, passando ao largo dos centros industriais da China. Entretanto, a questão da organização de Soviéts nos centros industriais da China não se levanta, atualmente, na ordem do dia. Além disto, é necessário ter em vista ser impossível encarar os Soviéts fora da ligação com o meio ambiente. Os Soviéts, no caso em questão os Soviéts camponeses, só poderiam ser organizados se a China atravessasse um período de ascensão máxima do movimento camponês que despedaça o velho poder e cria o novo poder, levando em conta que os centros industriais da China já teriam despedaçado o dique e entrado na fase da formação do poder dos Soviéts. Pode-se dizer que o campesinato chinês e, em gerai, a revolução chinesa já entraram nesta fase? Não, não é possível. Por isto, falar agora sobre Soviéts é antecipar-se. Por isto, não há necessidade de levantar agora a questão dos Soviéts, e sim a formação de comitês camponeses. Tenho em vista os comitês camponeses, eleitos pelos camponeses, capazes de formular as reivindicações fundamentais do campesinato e que tomem todas as medidas a fim de passar à realidade essas reivindicações de modo revolucionário. Estes comitês camponeses devem servir de eixo em torno do qual se desencadeará a revolução nas aldeias.
Sei que, entre os partidários do Kuomintang e mesmo entre os comunistas chineses, existem pessoas que não consideram possível o desencadeamento da revolução nas aldeias, temendo que a atração do campesinato pela revolução prejudique a frente única anti-imperialista. É o erro mais profundo, camaradas. A frente anti-imperialista na China será tanto mais forte e poderosa quanto de um modo mais rápido e fundamental for atraído o campesinato chinês pela revolução. Os autores das teses, especialmente Tan Pin-sian e Rafes, têm toda a razão quando afirmam que a satisfação imediata de uma série de reivindicações camponesas mais amadurecidas, é a condição mais necessária da vitória da revolução chinesa. Penso que é tempo de despedaçar a inércia a “neutralidade” em relação ao campesinato, que são notadas nos atos de certos elementos do Kuomintang. Penso que tanto o Partido Comunista da China como também o Kuomintang e, por conseguinte, igualmente o poder de Cantão, devem passar imediatamente das palavras aos atos e focalizar o problema da satisfação imediata das reivindicações mais vitais do campesinato.
Dependem do curso da revolução as perspectivas que deverão existir neste sentido e os limites aos quais é possível e necessário chegar. Penso que é necessário, no final de contas, chegar à nacionalização da terra. Em todo caso, não podemos renunciar a uma palavra de ordem como a nacionalização da terra.
Quais os caminhos e atalhos pelos quais devem ir os revolucionários chineses, a fim de levantar os milhões e milhões de camponeses da China para a revolução?
Penso que, nas cogitações atuais, só é possível falar sobre três caminhos.
O primeiro caminho é o da formação dos comitês camponeses e a penetração dos revolucionários chineses nesses comitês para influenciarem o campesinato. (Um assistente: “E as uniões camponesas?”). Penso que as uniões camponesas se agruparão em torno dos comitês camponeses, ou as uniões camponesas se transformarão em comitês camponeses, revestidos deste ou daquele poder, necessário à realização das reivindicações camponesas. Já falei acima sobre este caminho. Mas ele é insuficiente. Seria irrisório pensar que a China tem bastantes revolucionários para essa obra. A China tem cerca de 400 milhões de habitantes. Dentre eles, cerca de 350 milhões são chineses. Dentre eles, mais de 9/10 são camponeses. Seria um erro pensar que algumas dezenas de milhares do revolucionários chineses possam esgotar esse oceano do campesinato. Por conseguinte, é necessário ter mais outros caminhos.
O segundo caminho é exercer influência sobre a campesinato por intermédio do aparelho do novo poder popular revolucionário. Sem duvida, nas novas províncias libertadas será criado o novo poder, segundo o tipo do poder de Cantão. Sem dúvida, este poder e o aparelho deste poder, se ele quer realmente impelir a revolução para a frente, deve tratar de satisfazer as reivindicações mais urgentes do campesinato. E a tarefa dos comunistas e, em geral, dos revolucionários da China, consiste em penetrar no aparelho do novo poder, aproximar este aparelho das massas camponesas e auxiliá-las, por intermédio do mesmo aparelho a satisfazer suas reivindicações essenciais, tomando as propriedades rurais ou diminuindo os impostos e o arrendamento — segundo as circunstâncias.
O terceiro caminho consiste em exercer influência sobre o campesinato por intermédio do exército revolucionário. Já falei sobre a significação importantíssima do exército revolucionário na revolução chinesa. O exército revolucionário da China é a primeira força que penetra nas novas províncias, é a primeira que penetra nas massas mais compactas do campesinato e, por intermédio dela, antes de tudo, o camponês faz um julgamento sobre o novo poder, sobre suas más ou boas qualidades. Depende, sobretudo, do procedimento do exército revolucionário, de suas relações com o campesinato e com os proprietários rurais, de sua boa vontade em auxiliar os camponeses, a atitude do campesinato em face do novo poder, do Kuomintang e, em geral, da revolução na China. Se se tem em vista que muitos elementos duvidosos se infiltraram no exército revolucionário da China, que esses elementos podem modificar a fisionomia do exército no pior sentido, é compreensível a grande importância que tem, aos olhos do campesinato, a fisionomia política do exército e, por assim dizer, sua política camponesa. Por isto, os comunistas da China e, em geral, os revolucionários da China devem tomar todas as medidas para neutralizar os elementos anti-camponeses do exército, manter no exército o espírito revolucionário e agir de tal forma que o exército auxilie os camponeses e os levante para a revolução.
Dizem que o exército revolucionário é acolhido de braços abertos na China mas, depois que o exército se aquartela, começa uma certa desilusão. O mesmo aconteceu em nosso país, na União Soviética, durante a guerra civil. Explica-se isso pelo fato de que o exército, libertando novas províncias e aquartelando-se nelas, é obrigado a alimentar-se de um modo ou de outro, à custa da população da redondeza. Nós, revolucionários soviéticos, conseguimos compensar em geral estas falhas com o fato de que, por intermédio do exército, procuramos auxiliar os camponeses contra os proprietários rurais. É necessário que os revolucionários chineses também aprendam a compensar estas falhas aplicando uma política camponesa justa, por intermédio do exército.
VI – O Proletariado e a Hegemonia do Proletariado na China
A quinta observação refere-se ao problema do proletariado chinês.
Penso que nas teses, são acentuados insuficientemente o papel e a importância da classe operária da China. Rafes pergunta: no sentido de quem devem orientar-se os comunistas chineses — no sentido dos elementos de esquerda ou no sentido do centro do Kuomintang? Estranha pergunta. Penso que os comunistas chineses devem orientar-se, antes de tudo, no sentido do proletariado e orientar os líderes do movimento libertador na China no sentido da revolução. Só assim a questão será focalizada de modo justo. Sei que, entre os comunistas chineses, existem camaradas que consideram indesejáveis as greves dos operários pelo melhoramento de sua situação material e seus direitos, e dissuadem os operários de fazer greves. (Um assistente: “Isto aconteceu em Cantão e Shangai”). É um grande erro, camaradas. É a mais séria subestimação do papel e do peso específico do proletariado da China. Isto deve ser assinalado nas teses como um fenômeno absolutamente negativo. Seria um grande erro se os comunistas chineses não aproveitassem o atual ambiente favorável para auxiliar os operários a melhorarem sua situação material e seus direitos, ainda que seja por meio de greves. Para que, então, a revolução na China?
O proletariado não pode ser a força dirigente quando seus filhos são espancados e torturados pelos agentes do imperialismo durante as greves. Suceda o que suceder, é necessário destruir esse abuso medieval a fim de, no seio dos proletários da China, elevar o sentimento da sua força, o sentimento da sua dignidade, e torná-los capazes de dirigir o movimento revolucionário. Sem isto, não se pode nem pensar na vitória da revolução na China. Por isto, as reivindicações econômicas e pelos direitos da classe operária da China, que se orientam no sentido de melhorar sua situação, devem encontrar nas teses o lugar devido. (Mif: “Isto é mencionado nas teses”). Sim, isto é mencionado nas teses, mas infelizmente, estas reivindicações são apresentadas com um relevo insuficiente.
VII – A Questão da Juventude na China
A sexta observação refere-se à questão da juventude na China. É estranho que, nas teses, esta questão não seja levada em conta. Entretanto, a questão da juventude tem, agora, na China, uma significação extraordinariamente importante. Os informes de Tan Pin-Sian falam sobre essa questão, mas, infelizmente, sem bastante relevo. A questão da juventude tem, agora, na China, uma importância imensa. A juventude estudantil (os estudantes revolucionários), a juventude operária, a juventude camponesa — tudo isto é a força que poderia impelir a revolução a passos rápidos se ela se subordinasse à influência ideológica e política do Kuomintang(1). É necessário ter em vista que ninguém sofre o jugo imperialista tão profunda e vivamente, e ninguém sente tão aguda e dolorosamente a necessidade da luta contra esse jugo como a juventude na China. Esta circunstância deve ser levada em conta, por todos os modos, pelo Partido Comunista da China e pelos revolucionários chineses, no sentido de reforçarem, por todos os meios, o trabalho no seio da juventude. A juventude deve ocupar o seu lugar nas teses sobre a questão chinesa.
VIII – Algumas Conclusões
Desejaria assinalar algumas conclusões, em relação com a linha na luta contra o imperialismo na China e com a linha na questão camponesa.
Sem dúvida, o Partido Comunista da China não pode, agora, limitar-se à reivindicação da anulação dos tratados desiguais. A favor desta reivindicação, encontra-se, agora, até mesmo um contrarrevolucionário como Tehjan Sue-Lian. Evidentemente, o Partido Comunista da China deve ir mais longe.
Além disso, é necessário colocar diante de si, como perspectiva, a questão da nacionalização das estradas de ferro. Isto é necessário e, portanto, deve-se trabalhar nesse sentido.
Ainda mais, é necessário ter em vista a perspectiva da nacionalização das mais importantes fábricas e usinas. Neste sentido, levanta-se, antes de tudo, a questão da nacionalização das empresas cujos proprietários se distinguem por uma hostilidade e uma agressividade especiais para como o povo chinês. É necessário, depois, impelir para a frente a questão camponesa, ligando-a à perspectiva da revolução na China. Penso que é necessário conduzir as coisas de modo a, no final de contas, confiscar as propriedades rurais em proveito dos camponeses, e nacionalizar a terra.
O resto é compreensível por si mesmo.
Eis todas as observações que eu queria fazer, camaradas.
Notas de rodapé:
(1*) Nas condições do momento, esta política era justa, pois o Kuomintang representava, então, o bloco dos comunistas e dos elementos mais ou menos de esquerda do Kuomintang, bloco que fazia uma política revolucionária anti-imperialista. Posteriormente, esta política foi anulada como não correspondendo mais aos interesses da revolução chinesa, pois o Kuomintang afastou-se da revolução e transformou-se, no centro da luta contra a revolução, e os comunistas saíram do Kuomintang, rompendo com ele. (retornar ao texto)
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“A paz é o caminho da liberdade e da grandeza da América. É o caminho da emancipação de nossos povos do jugo imperialista anglo-americano. A paz é o caminho da democracia e do verdadeiro patriotismo”.
Luiz Carlos Prestes