A Penetração Militar do Imperialismo Ianque no Brasil
A EXPRESSÃO “Doutrina Truman” é bastante conhecida daqueles que acompanham os acontecimentos internacionais do mundo de hoje. Nasceu essa expressão de um discurso em que o ex-camiseiro de Kansas e atual pensionista da Casa Branca proclamou o direito dos Estados Unidos à supremacia universal. Também não será difícil a quem acompanha os acontecimentos internacionais do mundo de hoje recordar o enorme acervo de crimes já cometidos pelos novos êmulos de Hitler contra a vida soberana dos povos.
É comum, porem, a tendência para associar a aplicação da chamada Doutrina Truman exclusivamente países como a Grécia, a Turquia e a China, olvidando o Brasil. A verdade é, no entanto, que, antes mesmo de ser oficialmente formulada, no seu discurso de 12 de março de 1947, já a doutrina expansionista e guerreira do principal porta-voz do imperialismo ianque era concretamente aplicada em nosso país, do mesmo modo que, de resto, em outros países, como a China, onde teve um fracasso rápido e completo.
No Brasil, porém, a aplicação da Doutrina Truman prossegue, facilitada do mil modos pela vil cumplicidade do governo Dutra, que é necessário encarar simultaneamente como uma ditadura feudal-burguesa anti-operária e anti-popular e como um governo que alienou a independência nacional em favor do imperialismo ianque, empenhando-se, a serviço deste, em preparar a nação para a pior das aventuras guerreiras.
Se bem que, sob todos os pontos de vista, já seja o nosso país um apêndice dos Estados Unidos, em dois aspectos, principalmente, se_ faz sentir o encadeamento do Brasil à atividade belicista do imperialismo ianque: na absorção sistemática e cada vez mais completa do aparelho militar brasileiro pelo comando norte-americano e no escandaloso roubo de nossas riquezas minerais para alimentar as usinas armamentistas dos Estados Unidos. Vejamos em que consiste o aspecto diretamente militar, aquele que se refere à penetração de uma potência estrangeira no próprio cerne das nossas forças armadas. É evidente que nada pode ser mais significativo do que isso para caracterizar a alienação da soberania nacional, o grau de colonização do país pela potência imperialista mais interessada na deflagração de uma nova guerra mundial. É evidente também que aí está a mais decisiva comprovação dos preparativos guerreiros no Brasil.
O Contraste Entre a Função Estatal das Forças Armadas e as Suas Tradições Democráticas
AS FORÇAS armadas constituem um elemento da estrutura geral do Estado. Não é possível compreender o papel das forças armadas sem definir o caráter do Estado, que integram e defendem, quando necessário pela violência organizada.
Em nosso pais, durante mais de dois terços do século passado, foram as forças armadas um elemento de garantia do império escravocrata. A serviço do império, sufocaram as numerosas sublevações populares que assinalaram o turbulento período da Regência e se encerraram com a Insurreição Praieira. As forças armadas ajudaram a estabilizar o Império e, em seu nome, isto é, no interesse da classe dos senhores de terra escravagistas, fizeram, durante cinco anos, a guerra injusta ao Paraguai.
Depois de 1889, as forças armadas se tornaram um elemento de garantia da existência da República presidencialista, que tem sido a expressão estatal do domínio de classe dos latifundiários, aos quais se associou, desde o seu aparecimento, a grande burguesia. Em defesa da ordem feudal-burguêsa, o Exército (principal ramo das forças armadas) sufocou o levante do Forte de Copacabana em 1922, bateu os insurretos de São Paulo em 1924, perseguiu durante dois anos e meio a Coluna Prestes, combateu a insurreição nacional-libertadora de 1935, assegurou o golpe para-fascista de 10 de novembro de 1937 e freou o ascenso democrático de 1945 com o golpe reacionário de 29 de outubro.
Naquelas ocasiões, entretanto, em que setores diversos das classes dominantes levaram a disputa entre si ao extremo dos conflitos violentos as forças armadas também acompanharam essa divisão, fornecendo elementos a um e a outro lado. Foi o que aconteceu durante o período de Floriano, por ocasião da disputa do poder em 1930 e quando da revolta armada de 1932, em São Paulo.
Defini-las como instrumento de defesa do Estado feudal-burguês não invalida, porém, a afirmativa de que as nossas forças armadas possuem importantes características democráticas, principalmente no que se refere ao Exército. Essas características, têm sido cerceadas e por vezes sufocadas pelos comandos superiores, mas nunca puderam ser extirpadas. Um conjunto de circunstâncias peculiares tem-nas mantido vivas, motivo porque jamais um movimento democrático em nossa Pátria deixou de encontrar vigoroso eco nas fileiras das forças armadas.
É que, antes de tudo, somos um país semi-colonial, de estrutura econômica atrasada, oprimidos pelas grandes potências imperialistas. Num país assim, não podem as forças armadas, está claro, desempenhar o papel de conquistadoras de territórios alheios e de opressoras de outros povos. Essa circunstância e o próprio desenvolver de nossa História não iriam favorecer a formação de um terreno propício ao florescimento de algo parecido com o prussianismo, com um militarismo empedernido e agressivo, apesar de todo o esforço da reação.
Além disso, o grosso da oficialidade, que, mais no Exército do que na Marinha, se origina da pequena burguesia e vive dentro dos seus padrões médios, não pode deixar de sentir os efeitos da pauperização de um país semi-feudal e semi-colonial, particularmente nas épocas de crise aguda, quando é atingida a generalidade da pequena burguesia. Ao contrário do que sucede nos países imperialistas, faltaram às classes dominantes possibilidades para corromper a oficialidade com as migalhas do saque colonial e dos capitais exportados. A oficialidade brasileira sente, por isso, as reivindicações econômicas comuns às camadas médias e, de certo modo, acompanha o fluxo e refluxo característico dessas camadas no plano político.
Com relação às tropas, compreende-se que seja profunda a sua vinculação com as camadas mais exploradas, com as massas trabalhadoras da cidade e do campo, e a influência que delas recebem. É o que explica o heroísmo das legiões de soldados e marinheiros, que participaram das lutas populares do passado, e que fecundaram com o seu sangue as mais audaciosas aspirações libertadoras do povo brasileiro.
Essa participação de tantos dos seus melhores elementos da oficialidade e das tropas, nas lutas populares, têm mantido através dos tempos, as qualidades democráticas existentes em nossas forças armadas. O Exército brasileiro, particularmente, possui tradição democrática, que lhe dá uma posição peculiar em toda a América Latina.
O povo brasileiro se orgulha do Exército que, no século passado, se recusou a caçar escravos fugidos das senzalas e assim ajudou a extinguir a escravatura. Foi o mesmo Exército que, desde os seus primórdios, participou da Inconfidência Mineira, da insurreição dos soldados e alfaiates em 1798 na Bahia, das lutas da Independência travadas em 1822-23 também na Bahia, da insurreição republicana de 24 em Pernambuco, dos Farrapos e da Praieira, contribuindo ainda para derrubar uma instituição reacionária como a monarquia. Para os patriotas será sempre fonte de grande inspiração a figura de Benjamin Constant Botelho de Magalhães, que fez da Escola Militar um agitado centro de irradiação democrática e foi o mais ardente propagandista da República. Já neste século, saíram do Exército os homens que, expressando principalmente o descontentamento e as aspirações da pequena burguesia, promoveram os levantes de 1922 e 1924 e, por mais de dois anos, percorreram o Brasil com a Coluna Invicta, Oficial do Exército , quando jovem, foi o grande Luiz Carlos Prestes, a maior figura de revolucionário que já teve a nossa Pátria, aquele a quem a massa do povo consagrou como o Cavaleiro da Esperança. Recordemos o heroísmo com que soldados e oficiais do Exército e da Aeronáutica, combateram em 1935, pela Aliança Nacional Libertadora. Lembremos, enfim, que as características democráticas das forças armadas se afirmaram brilhantemente na gloriosa FEB e nos bravos marinheiros e aviadores, que lutaram contra o nazi-fascismo. É este aspecto do passado que, apesar do triste espetáculo oferecido pelos traidores de farda, infunde no povo brasileiro a certeza de que permanece vivo o sentimento de honra e de dignidade patriótica no seio do Exército , da Marinha e da Aeronáutica.
Não olvidemos, entretanto, uma circunstância fundamental, que é impossível deixar de levar em conta. É que as classes dominantes detêm em suas mãos o aparelho do Estado e podem, por isso, dispor sempre de uma sólida supremacia nos comandos, e, em geral, entre as patentes superiores das forças armadas, neutralizando pelo menos uma parte importante da massa da oficialidade. Isso permite às classes dominantes utilizar as forças armadas para a defesa dos interesses mais reacionários e empregar toda a espécie de recursos para asfixiar as tendências democráticas e anti-imperialistas que existem e freqüentemente se manifestam no seio da oficialidade e das tropas. É nesse sentido que faz o possível para difundir nas fileiras das forças armadas a ideologia mais obscurantista, desde a justificação da indiferença pelas questões ligadas à emancipação econômica e política de nossa Pátria até a aberta pregação do fascismo e do selvagem anti-comunismo, que atualmente se combina à desavergonhada propaganda da excelência do “modo de vida americano”. É notória a campanha para tornar a nossa oficialidade dócil à presença de um número cada vez maior de militares ianques, dia a dia mais insolentes. A elaboração da infame Lei de Reforma dos Militares, fruto típico do acordo inter-partidário, não foi inspirada senão pelo medo da reação diante da oficialidade democrática, que se opõe à colonização do país — o que manifestou com notável vigor na campanha contra a entrega do petróleo — e não abdicaria, amanhã, da sua dignidade nacional, aceitando o humilhante papel de mercenários, de simples massa de manobra na guerra de agressão, em que os trustes de Wall Street esperam amontoar novos milhões à custa dos povos submetidos ao seu tacão.
Outro esforço persistente e já antigo das classes dominantes tem objetivado a conquista de certo tipo pequeno burguês cuja popularidade granjeada com uma efêmera participação em qualquer movimento armado, pode servir oportunamente para cobertura das piores manobras reacionárias. Que esse esforço tem alcançado, sem dificuldade, numerosos e significativos êxitos, aí está para atestá-lo o rápido processo através do qual se deixou absorver pela reação a maior parte dos antigos “tenentes” A ironia da história iria transformar homens como Eduardo Gomes, Oswaldo Cordeiro de Farias, Juarez Távora e Juracy Magalhães, precisamente eles, nos mais ardorosos agentes do imperialismo ianque.
Antecedentes da Penetração do Imperialismo Ianque nas Forças Armadas
A SITUAÇÃO das forças armadas, a sua função, a sua ideologia política e militar oficial, a sua estrutura orgânica, tudo isso tem se modificado, acompanhando intimamente o desenvolvimento das relações das classes dominantes com o imperialismo, refletindo o aprofundamento da penetração imperialista em nosso país, e, principalmente nos últimos anos dentro do próprio aparelho estatal brasileiro.
Nesse particular, isto é, no que se refere à influência do imperialismo nas forças armadas, basta-nos aqui assinalar, com a entrada do Brasil na guerra contra o nazi-fascismo, em 1942, o início de um período completamente novo. A partir de 1942, desenvolvendo-se rapidamente em poucos anos, processou-se um fenômeno absolutamente inédito na história do Brasil, desde a proclamação da sua independência: a absorção do aparelho militar do país por uma potência estrangeira. Referimo-nos ao imperialismo norte-americano, que compartilha hoje, organicamente, em plano de superioridade, do comando das forças armadas, ocupa bases aéreas tem o monopólio do fornecimento de material bélico, dita regras sobre a estrutura e o treinamento das unidades militares, impõe a sua política e a sua estratégia e, principalmente, contando com a colaboração servil do grupo de oficiais de alta patente que tem a hegemonia no comando, prepara o país para a mais nefanda das guerras, aquela que mais violentamente contrasta com os interesses nacionais.
A penetração do imperialismo no Brasil vem de longa data. Mas, até os últimos dez anos, essa penetração partia de várias potências imperialistas, simultaneamente, embora uma ou outra gozasse de certa supremacia durante esta ou aquela fase. Até a primeira guerra mundial, a supremacia esteve com os ingleses e franceses, e, por isso mesmo, a posição do Brasil no conflito inter-imperialista de 1914-1918 foi a favor dos Aliados. A partir de 1920, cresce a influência do imperialismo norte-americano. Este, através dos famosos empréstimos ao Estado do Rio Grande do Sul,financia o movimento armado da Aliança Liberal em 1930, abre o caminho do poder a Getúlio Vargas e desaloja o rival inglês. Durante toda década de 30, o imperialismo norte-americano teria, porém, que disputar o mercado brasileiro com a Alemanha, Japão e Itália, que aqui conquistam importantes posições econômicas e influem politicamente na fascistização do país. A derrota do Eixo nazi-nipo-fascista é que iria, finalmente, entregar ao capital financeiro ianque o privilégio quase monopolista de colonizar o Brasil.
Mas a concorrência inter-imperialista em nosso país, enquanto existiu como um fator de primeira importância, permitia às classes dominantes brasileiras oscilar entre as diversas potências em choque e disso tirar certas vantagens, inclusive a preservação de uma independência nacional de escasso conteúdo real, mas formalmente completa. A penetração dos agentes imperialistas dentro do aparelho do Estado estava, por isso, longe de atingir o ponto a que hoje chegou. Também por esse motivo, podiam as forças armadas manter intacto o seu caráter nacional.
O primeiro esforço mais sério de penetração no próprio cerne das forças armadas foi levado a efeito pelo nazi-fascismo, durante a década de 30. O ascenso do fascismo no plano internacional, em franca preparação para a segunda guerra mundial, e a própria fascistização interna do país, facilitaram ao Eixo a conquista ideológica dos oficiais reacionários, sobretudo daqueles que ocupavam os mais importantes postos de comando. O integralismo penetra fortemente na Marinha e no Exército se faz sentir a influência fascista de Eurico Dutra, Góes Monteiro, Newton Cavalcanti, Gustavo Cordeiro de Farias, Canrobert Pereira da Costa, Alcio Souto, Mendes de Moraes, Zenóbio da Costa, Bina Machado, Filinto Muller, Lima de Figueiredo, Afonso de Carvalho e outros mais apagados. Dutra e Góes recebem prazenteiramente condecorações de Hitler, Mussolini e Hiroito. Em compensação, recusam os armamentos que o General Marshall oferecia em nome dos trustes ianques e preferem fazer encomendas de material bélico na Alemanha, apesar de que era fácil prever que esta última não conseguiria entregar as encomendas, mal deflagrasse a guerra. A denúncia do fato coube, em 1943, ao general anti-fascista, Manoel Rabello, na sua conhecida carta ao Presidente da República, a propósito do caso da revista “Seiva” da Bahia.
A entrada do Brasil na guerra, ao lado das Nações Unidas, não se fará sem a oposição do núcleo de fascistas mais ativos das forças armadas. Os próprios ianques irão encontrar, a princípio, a resistência desse núcleo de fascistas que, até o último instante, tudo fez para sabotar o esforço de guerra e impedir o envio da Força Expedicionária Brasileira, o que conseguiu durante todo o ano de 1943. Mas assim que a sorte da guerra se define claramente a favor das Nações Unidas, não encontraram mais os ianques nenhuma dificuldade para tomar a seu serviço os simpatizantes declarados e os ativos colaboradores do nazi-fascismo. Com o apoio dessa gente puderam os ianques aprofundar a infiltração dentro das forças armadas, contando, para isso, ainda, com as condições excepcionalmente favoráveis da guerra.
Em virtude da luta contra o inimigo nazi-fascista, a colaboração entre as nossas forças armadas e as dos Estados Unidos se tornou forçosamente muito íntima. Formou-se, em 1942, uma Comissão Militar Mista Brasil—Estados Unidos. Numerosas bases aeronavais no Norte e Nordeste fora ocupadas pelos ianques, que aqui mantiveram, durante cerca de três anos, algumas dezenas de milhares de soldados, marinheiros e aviadores. Militares ianques contribuíram para o treinamento da Forca Expedicionária Brasileira e junto a ela atuaram na Itália. Muitos oficiais brasileiros fizeram cursos de especialização nos Estados Unidos. Tudo isso se refletiu na própria estrutura orgânica das nossas forças armadas, que começaram a substituir o tradicional modelo francês, inclusive a sua doutrina militar, pelo novo modelo norte-americano. Assim, a nossa divisão expedicionária foi inteiramente organizada dentro do tipo norte-americano, de divisão de infantaria, bastante diferenciado do tipo até então obedecido no Brasil(1).
Mas enquanto os antifascistas brasileiros, inclusive os comunistas apoiavam a colaboração militar do Brasil com os Estados Unidos para a luta comum contra o nazi-fascismo, não viam, ao mesmo tempo, que, à sombra dessa luta comum, o imperialismo ianque não perdia tempo nem media esforço para atingir os seus próprios objetivos. Neste sentido, afirmou Prestes em maio de 1949:
“Ao apoiarmos todos aqueles que lutavam contra o nazismo, esquecíamos que os objetivos do imperialismo eram diferentes daqueles por que lutavam os povos soviéticos e o proletariado do mundo inteiro. Tratava-se para o imperialismo ianque de liquidar o concorrente alemão e de conquistar novas posições para ulterior expansão. Mas, idealizando a política dos monopólios ianques, víamos o aliado e esquecíamos que este tratava de liquidar os concorrentes no Brasil através da lista negra, da conquista de novas posições por meio dos acordos de Washington, de penetrar no aparelho estatal, de infiltrar-se nas forças armadas e de ganhar ideologicamente os chefes militares brasileiros, e, inclusive, de ocupar militarmente o nosso solo, em nome da luta comum contra o nazismo”(2).
Bloco Pan-Americano, Padronização dos Armamentos e Tratado do Rio de Janeiro
O IMPERIALISMO ianque vem desenvolvendo uma furiosa atividade de caráter guerreiro na Europa Ocidental. A instalação e o funcionamento dos estados maiores da União Ocidental e do Pacto Atlântico Norte, os embarques de bilhões de dólares em armamentos para a Europa, as repetidas conferências de chefes militares e a mobilização dos mais elevados efetivos já registrados em tempo de paz, tudo isso é parte dessa atividade belicista. O estado-maior de Washington estabeleceu, além disso, uma divisão de tarefas que atribui aos Estados Unidos o fornecimento de armas, os bombardeios aéreos estratégicos (de longo alcance) e as mais importantes operações navais, à Inglaterra os bombardeios aéreos táticos e uma parte das operações navais e terrestres, ficando reservado à França e aos demais países do ocidente europeu a incumbência do grosso das operações terrestres. E, em suma, com soldados dos seus satélites que o imperialismo ianque espera fazer a guerra contra a União Soviética e as Democracias Populares, uma vez que não confia em que o próprio povo norte-americano lhe forneça os enormes contingentes humanos indispensáveis à agressão em expectativa.
Mas o imperialismo ianque não se baseia apenas na Europa Ocidental. Para os seus planos guerreiros também precisa contar com a América Latina. Eis o que dizia o correspondente da United Press, Vincent Wilber, em telegrama publicado pelo “Diário de Notícias” de 1.” de junho último:
“Funcionários militares e diplomáticos dos Estados Unidos olham para a América Latina como uma fonte potencial de três dos principais fatores para a defesa do mundo ocidental, em face de uma agressão comunista. São eles: matérias primas, que compreendem alimentos, bases militares e recursos humanos”.
E a verdade é que já vai adiantada em toda a América Latina, principalmente no Brasil, o país mais populoso, de maior extensão territorial e de importância estratégica fundamental, a atividade orientada pelo imperialismo ianque no sentido da preparação para o ataque geral contra a União Soviética e as novas Repúblicas Populares, sob a camuflagem, que a ninguém engana, de “defesa contra uma agressão comunista”.
Já em 1946 apresentava Truman ao Congresso norte-americano um projeto visando a formação do chamado bloco pan-americano, através da padronização dos armamentos das forças armadas de todo o hemisfério. Como é compreensível, a padronização deveria implicar o privilégio para os Estados Unidos, de único fornecedor de material bélico à América Latina, suprimindo por completo a concorrência de alguns vendedores europeus e sufocando a incipiente indústria de armas e munições de países como o Brasil e a Argentina. Ao mesmo tempo, a Junta Inter-Americana de Defesa (órgão sediado em Washington e constituído em 1942 para fazer face à luta contra o Eixo, não se dissolvendo, porém, após a derrota deste) obedecia à batuta de Truman, recomendando a padronização aos governos latino-americanos. É o que revelava Summer Welles, em discurso radiofônico, reproduzido pelo “Jornal do Comércio” de 25 de fevereiro de 1947:
“Recentemente anunciou-se que a Junta Inter-americana de Defesa, em uma série de recomendações submetidas em junho passado aos governos de todas as nações americanas e ao Conselho Executivo da União Pan-Americana, aplainou o caminho para o passo dado pelo Presidente Truman. As recomendações da Junta tendem à uniformização americana de todo o equipamento militar, todo o material militar e ainda todas as instalações militares em cada país da América”.
A esta altura, é necessário salientar, como um exemplo de magistral clarividência política, que Prestes, mal foi anunciada a existência do projeto de Truman visando a formação de um bloco militar pan-americano, previu com todas as minúcias o que daí poderia resultar e efetivamente resultou. Em discurso na Assembléia Constituinte, a 8 de maio de 1946, advertia Prestes:
“As nossas forças armadas passarão à categoria de elementos submissos às forças norte-americanas. É inevitável. Pela maneira por que está sendo projetado nos Estados Unidos esse bloco pan-americano, essa organização militar do continente, visa ele colocar nossas forças armadas, frente ao Exército ultra-moderno dos Estados Unidos, nas condições — tomadas as devidas proporções — de nossas polícias estaduais frente ao Exército nacional. E, mais dia, menos dia, teremos o nosso Exército, com soldados brasileiros, sob o comando de oficiais norte-americanos. É esse o caminho, é essa a tendência do imperialismo ianque. Estamos alertando. Ninguém mais do que nós deseja que isso não se realize e lutaremos contra tal coisa. Mas hoje, mesmo o ministro da Marinha chega a declarar-se muito satisfeito com o projeto do presidente Truman, de submissão completa das nossos forças armadas as norte-americanas”(3).
Isto foi dito em maio de 1946. O curso dos acontecimentos posteriores transformou, bem rapidamente, em realidade a científica previsão que Prestes fazia para alertar a nação, através da tribuna da Constituinte.
Em maio de 1947, voltou Truman perante o Congresso ianque com um novo projeto de padronização do material bélico e do treinamento das forças armadas latino-americanas. Esse projeto, todo ele de caráter intervencionista, chega a estipular — na Seção 4. — formais obrigações para os governos estrangeiros no que se refere à utilização do material bélico vendido (nem sequer se trata de aparente donativo), o que significa que o Capitólio de Washington iria legislar para toda a América Latina, ao jeito de uma metrópole com relação às colônias.
A onda de protestos, que levantou no continente inteiro, tem mantido o projeto engavetado, embora, vez por outra, um deputado ou senador ianque se refira a ele. Mas, na verdade, a aprovação, do projeto já é desnecessária, porque, mesmo sem ele, a padronização se encontra praticamente adiantada no Brasil e, em graus diversos, no resto da América Latina. Ela vai se fazendo por acordos de bastidores, o mais possível sem publicidade.
Com a assinatura, a 2 de setembro de 1947, em Petrópolis, do conhecido “Tratado do Rio de Janeiro”, deu o imperialismo ianque outro importante passo para o enquadramento da América Latina no seu dispositivo militar de agressão anti-soviética. Elaborado sob a direta supervisão do general Marshall, então secretário de Estado, estabeleceu o Tratado todo um mecanismo para fins agressivos, como de costume sob o eufemismo de “Defesa e Assistência Mútua”. O artigo 3.º do documento determina que qualquer “ataque” a um Estado americano será imediatamente considerado como um ataque a todos os Estados signatários, obrigando-os a “ajudar” o país inicialmente “agredido”, através de uma série de mediidas que o artigo 8.° estipula, desde o rompimento de relações econômicas e diplomáticas até a declaração de guerra. O Tratado, naturalmente, só cogita de tais medidas para o caso de um “agressor” extra-continental.
O Tratado define, também, uma “zona de segurança americana”, que, do lado do Pacífico, não fica longe da Sibéria nem da China, e, do lado do Atlântico, toca Dakar e se aproxima da Europa Ocidental. Mas as obrigações solidárias dos Estados signatários não se restringem ao que possa acontecer nesta zona, já por si absurda, mas abrangem, também, com a previsão de consultas coletivas e medidas práticas, todo ato efetuado sobre o “território de um Estado americano fora das ditas áreas” (artigo 3.°). Trata-se de uma cláusula completamente unilateral, porque são os Estados Unidos o único país americano que possui jurisdição sobre territórios “fora das ditas áreas”. Nem por isso deixou de ser aceita, estendendo as obrigações dos Estados signatários às dezenas de bases que os Estados Unidos multiplicam por todo o mundo, cercando a União Soviética e as repúblicas populares, bem como — eis o mais aberrante — aos próprios aviões e navios de guerra norte-americanos, onde quer que se encontrem!
Essa interpretação foi abertamente advogada pelo conhecido senador Vandenberg, a 29 de agosto de 1947, durante a Conferência de Petrópolis quando afirmou:
“Toda agressão contra um avião ou um navio de um país do continente americano fora da zona de segurança constituirá uma agressão contra o território deste Estado americano. Os outros países são obrigados a ir em sua ajuda”.
A interpretação do senador Vandenberg, aceita na Conferência, envolve, assim, mesmo a aviões e belonaves que tiverem penetrado em céus ou águas de um Estado estrangeiro sem seu consentimento e sofram, por isso, as sanções que o Direito Internacional assegura formalmente e sem controvérsias. A essas sanções, justiceiramente aplicadas no Báltico ou no mar da China, poderá um grosseiro jurista de Washington denominar de “agressão” e convocar as nações do hemisfério a correr para o holocausto em “defesa do continente”!
O objetivo claro do Tratado do Rio de Janeiro é, pois, o de envolver juridicamente os países da América na guerra imperialista preparada pelos Estados Unidos.
O Tratado do Rio de Janeiro constituiu igualmente uma cobertura jurídica para a aplicação pelos Estados Unidos de um princípio militar que os generais nazi-ianques, tão férteis em eufemismos, chamam de “defesa dinâmica”. Significa esse princípio que a guerra deve ser feita e, sobretudo, preparada a partir de bases situadas fora do território nacional (do território norte-americano, evidentemente).
“A segurança — afirmou o comentarista Walter Lippman — se estende às regiões em que existem aeródromos podendo servir aos aviões para decolar”.
Isso significa que todos os aeródromos brasileiros são necessários à “segurança” ou à “defesa dinâmica” dos Estados Unidos, em primeiro lugar, está claro os do saliente nordestino.
Eis porque, já em 1946, a servilíssima Junta Inter-Americana de Defesa aceitava esse princípio, como o revelou Summer Welles, no mesmo discurso já citado:
“A Junta salientou a necessidade da adoção por parte das nações americanas do princípio da defesa dinâmica avançada, constituindo as primeiras linhas de defesa as forças navais e aéreas, que operassem de bases avançadas, à maior distância, possível do hemisfério. Pediu também a criação de uma linha de defesa interna, formada por uma rede de bases militares, navais e aéreas que pudessem ser usadas reciprocamente pelas repúblicas americanas para a defesa comum”.
É mais do que óbvio que a ditadura Dutra aceitou o princípio da “defesa dinâmica”, não do Brasil, mas da metrópole norte-americana. Por isso foi assinado pelo Itamaraty o infamante Tratado do Rio de Janeiro. Por isso é que se põem à disposição do imperialismo ianque os recursos humanos e as bases, que ele exige de modo tão descarado.
A Tese da Submissão ao Imperialismo Ianque Pregada Pelos Chefes Militares Brasileiros
Para infiltrar os seus agentes em nossas forças armadas e transformá-las, gradualmente, em massas de manobra do estado maior_ de Wasghington, visando o seu aproveitamento na guerra em preparação, teve o imperialismo ianque a colaboração servil dos generais simpatizantes do fascismo e dos antigos líderes do movimento “tenentista”, que, apesar da fachada oposicionista habilmente conservada, já há muito tempo serviam às classes dominantes.
Em completo antagonismo às tradições democráticas das nossas forças armadas e num aberto menosprezo ao sentimento de dignidade nacional comum a todos os patriotas, advogam os neo-colaboracionistas, publicamente, uma situação de satélite para o Brasil. O triste mérito não cabe somente ao ignóbil ministro udenista Raul Fernandes. Também o disputam os generais Canrobert, César Obino e Cordeiro de Farias. Para esses chefes militares o conceito de defesa nacional tornou-se obsoleto, uma vez que a própria soberania nacional está alienada. Trata-se agora, pura e simplesmente, da defesa dos Estados Unidos. Porque agora o que tem prioridade é a “defesa do hemisfério”, porque temos as obrigações do Tratado do Rio de Janeiro, porque, enfim, a defesa do Brasil já está contida na defesa dos Estados Unidos. “O mundo ocidental gira hoje em torno da América do Norte”, eis a crua premissa que estabelece o general Cordeiro de Farias para justificar toda a submissão ao imperialismo ianque.
Já não há sequer a preocupação de indagar, num plano abstrato pelo menos, da espécie de guerra em que seria juridicamente lícito ao Brasil intervir ao lado dos Estados Unidos. A própria hipótese de neutralidade é sumariamente afastada. Os novos emulos de Petain e Laval estabelecem como um dogma, desprezando inclusive a Constituição de 46, que o Brasil participará de qualquer espécie de guerra a reboque da metrópole norte-americana.
Eis o que declarou o general Canrobert, ministro da Guerra, após uma viagem aos Estados Unidos, em entrevista publicada pelo “Estado de São Paulo” de 22 de maio de 1949: “Não há dúvida de que o Brasil ocupa uma posição estratégica de vital importância no Continente! Sua participação na última guerra foi com justiça chamada de “Corredor da vitória”. Essa expressão não é exagerada como muitos pensam. Todas as vezes que for preciso o Brasil estará presente em qualquer luta ao lado dos Estados Unidos, porque a nossa política com esse país é de vital importância para a nossa segurança militar, política e econômica” (o grifo é nosso — J. G.). O general César Obino, chefe do Estado Maior Geral das Forças Armadas em 1947 ainda parecia resistir ao engodo da “defesa do hemisfério” e lançava a pergunta: defesa contra quem? Eis, porém, o que afirmou o mesmo general, na solenidade de abertura das aulas da Escola Superior de Guerra (Ver “Correio da Manhã” de 16 de março de 1950):
“Participamos do sistema de defesa do hemisfério ocidental, com obrigações consubstanciadas no Tratado do Rio de Janeiro. É cada vez mais acentuada a interdependência das nações, o que nos deve alertar sobre a possibilidade de sermos envolvidos em um conflito de grande envergadura, em conseqüência de compromissos assumidos naquele Tratado ou por motivos supervenientes”.
Tese igual fora antes amplamente desenvolvida na conferência pronunciada pelo General Cordeiro de Farias, com o fim de expor as funções da Escola Superior de Guerra, estabelecimento que o conferencista seu comandante, proclamou ser copiado de modelos ianques. Essa conferência pode ser, aliás, considerada como a mais acabada exposição doutrinária da submissão do Brasil aos Estados Unidos até hoje porventura publicamente exposta por uma alta autoridade. Depois de se referir ao Tratado do Rio Janeiro, eis o que declara o general Cordeiro de Farias (Ver “Jornal do Comércio” de 29 de maio de 1949):
“Liguemo-lo simplesmente — nos seus efeitos e causas – aoPacto do Atlântico Norte e consideremos nossa situação na questão que divide o mundo nos campos do Ocidente e do Oriente. Aí nossa atitude está também assentada. Não temos relações diplomáticas com a Rússia e já nos definimos claramente em relação ao comunismo, cabeça de ponte dos interesses do governo de Moscou, considerando-o ilegal no país. Do outro lado, as tendências tradicionais do povo brasileiro, nossa secular amizade com a América do Norte completam o quadro da situação internacional de nossa terra, colocando-a numa posição clara diante de um possível terceiro conflito mundial, ainda que nele fossem possíveis atitudes neutras” (o grifo é nosso — J. G .).
O general Cordeiro expôs ainda, nessa mesma conferência, inspirando-se no seu mestre, o general Eisenhower, a teoria da “guerra total”, que, ao lado de alguns chavões sobre a guerra moderna, encerra um nítido convite à militarização completa do país em função da preparação para uma nova carnificina mundial, com a ameaça, inclusive, de eliminação daqueles “que não puderem concorrer para a luta ou a puderem prejudicar”.
O Comando Norte-Americano das Forças Armadas Brasileiras
ASSIM pensam, por conseguinte, alguns dos homens mais responsáveis pela defesa nacional. É, por isso, com sua conivência que se processa a absorção cada vez maior do comando das nossas forças armadas pelos agentes militares do imperialismo ianque.
As denúncias veiculadas a esse respeito pela imprensa independente são abundantes e nunca foram desmentidas, porque não há mesmo, o que desmentir(4).
Recordaremos aqui o fato de que continua funcionando a Comissão Militar Mista Brasil – Estados Unidos, criada para atender aos problemas da última guerra e que, após o término desta, não se dissolveu. Junto aos três ramos das forças armadas e enquistadas em todos os pontos-chaves dos seus comandos, funcionam seções das correspondentes forças armadas norte-americanas, cujas atividades são freqüentemente noticiadas em boletins oficiais publicados na imprensa brasileira. A seção do exercito norte-americano, que ocupa o Brasil, tem o seu quartel general no 18.º andar do Ministério da Guerra e está sob o comando do major-general Charles Mullins, substituto do seu colega William Morris Júnior. O comandante da seção da marinha ianque foi, até há pouco, o contra-almirante Leland Pearson Lovette, ainda sem substituto. No comando da seção da força aérea ianque o major-general George C. MacDonald substituiu até há pouco o seu colega Gordon P. Saville.
Deste último é a autoria do plano militar ianque para o Brasil exposto em uma conferência perante autoridades militares, em fins de 1946, e que ficou conhecido como “Plano Saville”. Plenamente aceito pelos traidores uniformizados e com a sua execução em franco andamento, são os seguintes os seus principais itens:
- ocupação pelos Estados Unidos de nossas bases aeronavais do norte e de zonas territoriais, sobretudo no saliente do nordeste; desenvolvimento da rede de viação aérea (aeródromos, depósitos, centros de manutenção) no interior do país, visando sobretudo o eixo Brasil-Caraibas.
- controle e monopólio pelos Estados Unidos de nossas riquezas, sobretudo dos minerais estratégicos e das matérias primas necessárias à produção de guerra.
- reorganização de nossas forças armadas, visando: a preparação para operações no exterior de grandes unidades do Exército , além de tropas de pára-quedistas e de fuzileiros navais; localização do esforço principal da Força Aérea e da Marinha (bases, portos militares, escolas, treinamento para patrulhamento do litoral e comboios) no norte e nordeste; desguarnecimento dessa zona (prevista como zona de ocupação ianque) por forças de terra e concentração destas forças nas regiões centro e sul do país — onde estão as grandes massas operárias — a fim de assegurar a “ordem” na retaguarda imperialista.
Um impulso importante à execução do Plano Saville deu-o o general Mark Clark, quando aqui esteve em maio-junho de 1949. Outro passo importante foi levado a efeito pelo sub-secretário de Estado Edward Muller, que presidiu no Rio, em março passado, a conferência de embaixadores-espiões, repudiada pelo povo brasileiro através de vigorosas manifestações. Embora não seja militar e oficialmente aqui não se encontrasse em missão militar, o sr. Muller teve demorada entrevista confidencial com o general Fiúza de Castro, chefe do Estado Maior do Exército.
Logo após a partida de mr. Muller, chegava ao Brasil o tenente-general Hoyt Vandenberg chefe do estado maior da Força Aérea Norte-Americana e membro do estado maior combinado das forcas armadas ianques.
O objetivo da visita de tão alta autoridade, que também percorreu outros países sul-americanos foi o de “uma verdadeira inspeção às bases continentais”, como declarou sem subterfúgios o reacionário “Estado de São Paulo”. Pouco antes, aqui esteve o general Keneth B. Wolf, diretor do Serviço do Material Aeronáutico dos Estados Unidos, a quem foram abertas todas as portas afim de esquadrinhar o que quisesse. Uma “visita” mais demorada foi, em abril passado, a do general Robert Walsh, que, por coincidência, exerceu o comando das bases aéreas norte-americanas no Brasil durante a segunda guerra mundial. Sem nenhuma cerimônia, declarou o general Walsh à imprensa que apenas vinha completar a inspeção do general Vandenbcrg: “Em sua visita, ele (o gen. Vandenberg, não pôde conhecer em detalhe o parque aeronáutico brasileiro. É o que venho fazer no Brasil”. E, ao que tudo indica, não teve dificuldade para fazê-lo. Acompanhado do general de brigada Reuben Hood Jr., adido de Aeronáutica da embaixada norte-americana, esteve o general Walsh no Centro Técnico de Aeronáutica de São José dos Campos, na base militar de Cumbica, em São Paulo, percorreu as instalações do campo de Marte na capital bandeirante, reviu o antigo quartel general das forças terrestres ianques, situado no bairro da Piedade, no Recife, visitou a Radio-Station do Pina e; além de outras bases, também meteu o nariz em Volta Redonda e na fábrica de aviões de Lagoa Santa. Assinalemos, fina mente, a chegada, em fins de junho, do general Robert Harper, diretor do Ensino da Força Aérea Norte-americana, que também inspecionou o que bem lhe aprouve e deixou as diretivas correspondentes à “jurisdição”.
Todos esses traficantes de carne humana, de Mark Clark a Walsh Harper, se movimentaram desembaraçadamente pelo território nacional, receberam as informações que exigiam e deixaram as suas ordens aos chefes militares “nativos” no sentido do aceleramento da preparação guerreira. Particularmente foi notado que após essas visitas suspeitíssimas de altas patentes ianques, adiantou-se a reocupação das bases do norte e do nordeste, que já vinha sendo feita às escondidas.
Ao mesmo tempo, o raio de ação das seções do Exército , Marinha aeronáutica dos Estados Unidos, com sede permanente no Brasil, é. fato, ilimitado. As forças armadas brasileiras foram transformadas em subsidiárias dessas seções.
As manobras militares das regiões mais importantes são realizadas com a presença dos oficiais ianques. Ao jeito de um comandante colonial, que efetivamente o é, o general Charles Mullins elogiou em ofício o general Zenóbio da Costa pelas manobras da 1.ª Região Militar, em princípios deste ano. No ano passado, foi por ordem dos ianques suspensa a organização das Diretrizes e Programas de Instrução nas Regiões Militares, sendo fornecidos programas padronizados pelos manuais vigentes nos Estados Unidos. Com isso, ficaram os próprios generais comandante de Regiões reduzidos a meros aplicadores dos figurinos impostos por um estado-maior estrangeiro. As inspeções de oficiais ianques aos quartéis repartições militares são freqüentes. Ainda em princípios deste ano. realizou o general Mullins prolongada viagem pelo nordeste e pelo norte indo até o Amapá, o que só se explica pelo interesse no rico manganês recém-descoberto naquela despovoada região.
Simultaneamente, prossegue a execução do plano de padronização de armamentos, com prejuízo mortal para o pouco que possuímos de indústria bélica independente. É o que denuncia, de modo concreto, o camarada Agildo Barata:
“Nosso “Mauser” modelo 1908 cedeu lugar ao fuzil ianque “Garand”, mau e de modelo mais antigo (1903). Pôs-se de lado nosso excelente mosquetão de Itajubá (modelo de 1923). Duas divisões de Infantaria — a 1.ª e a 2.ª D. I. — têm hoje organização. armas, instrução e uniformes iguais aos das D. I. americanas”.(5)
Na Aeronáutica, a situação chegou ao ponto de não poder levantar vôo um avião em território brasileiro sem controle ianque. A United States Army Flight Unit and Operation (unidade de Vôo e Operações do Exército dos Estados Unidos) funciona nas mesmas salas de controle dasoperações aéreas brasileiras e, junto ao diretor do Tráfego Aéreo, no Aeroporto do Calabouço, funciona uma comissão americana (ver o já citado artigo de João Amazonas). Esse grau de subserviência pôde ser atingido com o solícito apoio do tenente-brigadeiro Eduardo Gomes, comandante até há pouco das Rotas Aéreas e agora candidato presidencial otimamente credenciado pelo imperialismo ianque.
A liberdade dos aviadores ianques para fazer levantamentos aerofotogramétricos e espionar o que bem entendem no Brasil é atestada pelo Boletim Geográfico editado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que é uma entidade oficial. Em seu número de maio de 1949, diz o referido Boletim:
“Foram utilizadas pelo Conselho, como material de grande utilidade na elaboração de trabalhos cartográficos, fotografias aéreas concernentes a aproximadamente um terço do território nacional obtidas pelo método “trimetrogron”, cuja guarda está confiada ao Conselho por oferta da American Air Force”.
Aí está, com todas as letras, o reconhecimento oficial de que é lícito à American Air Force fotografar um terço do território nacional.
As coisas não vão melhor no que se refere à Marinha, apesar do interesse ianque por esta ser, algo menor do que pelos dois outros ramos das forças armadas. A Marinha brasileira já perdeu o caráter de força armada de um país independente, preparada para executar todo tipo de operações. Transformada em organização subsidiária de um estado-maior estrangeiro, vem sendo a nossa Marinha especializada, sob a supervisão de oficiais ianques, em dois tipos de operações: patrulhamento de comboios e guerra anti-submarina. Ao mesmo tempo, está sendo aumentado o Corpo de Fuzileiros Navais, cuja especialidade típica são as operações de desembarque (operações agressivas, portanto). Eis ainda um fato simples, mas muito significativo nos dias que correm. O “O Jornal” de 22 de abril último publicou, em sua 1.ª página, uma fotografia fornecida pelo USIS, espécie de DIP norte-americano funcionando no Brasil, em que se vê o vice-almirante Atila Monteiro Aché recebendo a medalha da Legião do Mérito dos Estados Unidos entregue pelo embaixador Hershel V. Johnson. Segundo o texto-legenda a medalha foi conferida “por conduta excepcionalmente meritória no desempenho de relevantes serviços ao governo dos Estados Unidos, como membro do Bureau Inter-Americano de Defesa e da Comissão Mista de Defesa Brasil – Estados Unidos de janeiro de 1949 a janeiro de 1950”.
Um patriota ingênuo ainda poderia indagar, surpreso, se o vice-almirante Aché não era representante do Brasil nos citados organismos. Não do Brasil é que ele absolutamente não foi ali representante, mas do governo estrangeiro a quem prestou relevantes serviços e que, por isso o condecorou…
A Reocupação Norte-Americana das Bases do Norte e do Nordeste
A PENETRAÇÃO cada vez mais profunda e extensa dos seus agentes no seio das forças armadas brasileiras dá ao imperialismo ianque os elementos de que necessita para acelerar internamente a fascistização do país e, por outro lado, mobilizar os seus recursos humanos, os seus solda dos, para a cruzada anti-soviética anunciada com alarde tão histérico. Mas o imperialismo ianque não se satisfaz com isso. Precisa das nossas bases estratégicas e não confia que os seus agentes de origem nacional possam, por si sós, manter a “ordem” interna, a “ordem” da exploração feudal-burguesa aliada à voracidade do capital financeiro norte-americano. O imperialismo ianque precisa ocupar o nosso solo e já o está fazendo a partir das principais bases do norte e do nordeste.
Ainda durante a última guerra, já era intenção dos ianques permanecer indefinidamente nas bases aeronavais brasileiras, que então utilizavam. Essa intenção transparece da tese descaradamente entreguista defendida. já em julho de 1944, pelo jornalista doublé de escroque Assis Chateaubriand, segundo o qual as nossas bases aeronavais não mais deveriam chamar-se brasileiras, porém “interamericanas”, com restrições dentro delas, à iniciativa das nossas próprias forças armadas!(6)
Ninguém de fato, entre os numerosos serviçais da embaixada ianque, mais adequado do que o imundíssimo Chateaubriand para lançar uma tese tão aviltante.
E a verdade é que somente depois de 1946 devolveram os norte-americanos as bases ainda ocupadas, cedendo à pressão da memorável campanha iniciada pelo camarada Prestes e desenvolvida pelos comunistas em todo o país. Recordemos, porém, que, ao tempo mesmo em que as bases do norte e nordeste voltavam à plena soberania brasileira, o general Gordon P. Saville formulava, diante de militares brasileiros, o plano ianque ao qual ficou ligado o seu nome e que previu, precisamente, a reocupação daquelas mesmas bases.
Em março de 1948, o contra-almirante Leland Pearson Lovette fez demorada viagem ao norte, enquanto o brigadeiro H. Beverly realizava o mesmo no sul. Eram os prenúncios da nova ofensiva contra as nossas bases, agora em melhores condições, julgavam os imperialistas e os seus lacaios, porque os comunistas haviam sido arrojados à ilegalidade pela ditadura de Dutra, Agosto de 1948 foi, por assim dizer, um mês crítico. Navios ianques ancoravam em Natal, o ministro da Aeronáutica anunciado fechamento da base de Parnamirim para a aviação comercial e aludia capciosamente à nossa incapacidade técnica, preparando assim a ocupação por quatro mil soldados ianques da mais importante de nossas bases enquanto em Val-de-Cãs- no Pará, aceleravam-se os preparativos, supervisionados pelo brigadeiro Correia de Melo, para a recepção de 1500 soldados ianques, cuja vinda era anunciada pela “Folha Vespertina de Belém, na sua edição de 6-8-1948, que também informava já estarem os serviços de Operações e de Águas daquela base sob controle norte-americano. Momentaneamente, entretanto, foram os invasores forcados a recuar diante do clamor popular. A reocupação em bloco ficou adiada, passando a ser feita gradualmente e com todo o cuidado para evitar publicidade.
Isso não impede, porem, que seja notória hoje a ocupação das bases de Val-de-Cãs, Fortaleza, Parnamirim, Recife e Salvador por numerosos aviões militares ianques, inclusive fortalezas-voadoras, (em outubro de 1949, por exemplo, eram assinalados no nordeste os repetidos vôos das fortalezas-voadoras de n.º 483.443 e 485.681, respectivamente sob o comando dos capitães-aviadores Odon e Conkey). Esses aparelhos trafegam sem quaisquer restrições e colhem, com inteira liberdade, as informações estratégicas de que necessitam.
O fato mais escandaloso, todavia, se prende à ocupação por soldados ianques da antiga estação emissora do Pina, no Recife, que recentemente passou a ser oficiosamente designada como “Radio-Station”. A ocupação foi durante algum tempo mantida no maior sigilo, até que os soldados ianques metralharam o automóvel do industrial Baby Costa, que inadvertidamente quis passar pela zona já considerada de jurisdição norte-americana. O escândalo inominável obrigou a Assembléia Legislativa de Pernambuco a pedir explicações ao governo do Estado e este informou que a ocupação norte-americana da Estação do Pina se fizera com o seu conhecimento e por determinação das autoridades superiores responsáveis pela “segurança nacional”. Atualmente, a nenhum brasileiro é permitido transitar próximo à Estação do Pina e das redondezas está sendo brutalmente afastada a população pobre. Recife já é hoje uma cidade ocupada. Recentemente desembarcaram ali mil e quinhentos soldados ianques, que, por enquanto, andam á paisana pela cidade, afim de evitar maiores atritos com a população.
Outra importante base, cujos principais serviços se encontram sob controle de oficiais norte-americanos, é a de Gravataí, próxima de Porto Alegre.
Não satisfeitos com a reocupação cada vez mais completa das antigas bases, estão os ianques providenciando a construção de outras novas, sob sua direta orientação, que se faz sempre com o pretexto de “ajuda técnica.
Em São José dos Campos, a 64 quilômetros da capital de São Paulo, foi construída uma base moderníssima, com gigantescas pistas de 12.000 pés, vários túneis aerodinâmicos e alojamentos para duas mil pessoas.
Ponta Pelada, no Amazonas, estão adiantadas as obras do aeródromo,que deverá ficar “em condições de receber qualquer tipo de avião”, segundo declarou o general George Mac-Donald, em maio último, ao “O Jornal”, por ocasião da sua confessada viagem de inspeção a Manaus.
Tais obras se explicam porque se prevê uma extraordinária intensificação do tráfego de aviões norte-americanos. Segundo informação da seção aeronáutica do “Diário de Notícias” de 20 de junho último, o aeródromo de Ponta Pelada será “dotado de uma pista de dois mil metros e de instalações moderníssimas, para comportar o tráfego intenso de aviões de grande porte, que serão utilizados na ortodrômica Rio-Manaus-Miami” Em Paranaguá, no Paraná, já foram adquiridos os terrenos para a construção de uma base. Por outro lado, jáforam iniciados, por determinação norte-americana, os estudos para a construção de uma base aérea junto à foz do rio Teles Pires, afluente do Tapajós. Essa projetada base colocará ao alcance imediato dos ianques o tório e o quartzo da serra do Cachimbo e encurtará de quatro horas a rota Aragarças-Miami. Provavelmente ainda outros aeródromos estarão sendo sigilosamente construídos, de acordo com as exigências estratégicas do imperialismo ianque.
Preparação Acelerada Para a “Guerra Total”
ENQUANTO os gangsters ianques em uniforme vão ocupando posições no aparelho militar do Brasil, os seus subservientes associados das próprias forças armadas nacionais se apressam em executar as tarefas que receberam na divisão do trabalho.
Assim é que, inteiramente dentro da linha do Plano Raville, têm sido deslocadas para o sul unidades do Exército tradicionalmente sediadas no nordeste. Cerca de nove décimos dos efetivos do Exército se concentram hoje no centro e no sul, onde se localiza a população mais densa, inclusive pouco mais de oito décimos de todo o proletariado brasileiro. A manobra visa dois objetivos bem compreensíveis: o norte e nordeste são abandonados à ocupação por soldados ianques, que encontrarão quartéis vazios e não terão atritos com soldados brasileiros (atritos que foram freqüentes durante o último conflito, produzindo mesmo vários choques sangrentos); os soldados brasileiros, por sua vez, poderão ser lançados contra os movimentos grevistas, populares e revolucionários dos grandes centros operários, sobretudo o Distrito Federal e São Paulo, a fim de manter a “ordem”, a “estabilidade” indispensável à exploração colonial do país e à sua preparação para a guerra. Para os ianques é sumamente vantajoso que a repressão dos protestos da população seja feita, na medida do possível, por tropas oriundas do próprio país ocupado, que assim encobrem a dominação estrangeira.
A utilização de efetivos do Exército em funções policiais, fato até há pouco realmente inédito, vai se repetindo nos últimos tempos. Em agosto do ano passado, mobilizou-se toda a guarnição do Exército e da Aeronáutica em Belo Horizonte para impedir os atos públicos de instalação do Congresso Regional pela Defesa da Paz. Somente quem prepara a guerra se lançaria, com tamanha fúria contra o movimento popular pela Paz. Em janeiro deste ano, tropas federais foram brutalmente lançadas, no Distrito Federal, no Estado do Rio e, principalmente, em Minas, contra os ferroviários grevistas da Central do Brasil. Era preciso realmente a ditadura de Dutra para humilhar de tal maneira o mesmo Exército que, no século passado, recusou o papel de “capitão do mato” contra os escravos. Por sinal que a tropa chegou a relutar diante da vil missão policial, sendo que na estação de Portela, no município fluminense de Vassouras, foi clara a sua confraternização com os grevistas. Ao contrário do que sucede com os generais americanizados, existem no seio das tropas imensas reservas de patriotismo e de solidariedade ao povo, ao seu sofrimento e às suas lutas.
Não admira, por isso, que, dentro do plano geral de preparação belicista, já tenha o Conselho de Segurança Nacional baixado oficialmente instruções para o caso de guerra, prevendo castigos severos contra os que se opuserem à “mobilização total”, inclusive a pena de morte.
É compreensível também que os comunistas sejam em tudo isso um alvo muito especial! Força de vanguarda da classe operária e das massas que defendem a paz e a independência nacional, dirige-se contra os comunistas brasileiros o mais profundo ódio do imperialismo ianque. Explica-se, assim, que os oficiais integralistas do Serviço Secreto do Exército tenham elaborado documento provocativo de tão baixo teor como a última versão do “Plano Cohen”, que, afinal, estourou nas mãos dos seus próprios autores, graças à fulminante denúncia do camarada Prestes, em janeiro deste ano. Nem depois de tão espetacular desmascaramento, recuaram o general Americano Freire — ou “Norte-americano” Freire — e os tenebrosos cérebros do seu serviço secreto da representação de uma ridícula farsa anti-comunista no Recife, com um jeep fugindo dentro da noite, mas deixando cair, providencialmente, nada menos do que o plano… da “insurreição vermelha”!
Recife tem sido, aliás, o palco mais freqüente das provocações anticomunistas, sempre acintosamente elaboradas pelos próprios comandantes militares ali sediados. Os ianques precisam ocupar a grande capital nordestina, mas não podem se sentir tranqüilos diante de sua combativa população que, no passado, já escreveu tantas e tão gloriosas páginas revolucionárias e que, no presente, vem dando aos comunistas o mais vigoroso apoio, inclusive uma votação majoritária nos pleitos eleitorais. A ocupação pelos ianques de Pernambuco se relaciona a recente cassação, em estilo policial, dos mandatos de todos os vereadores comunistas naquele Estado, a começar pela bancada majoritária da Câmara de sua capital. Também para encobrir essa infamante ocupação estrangeira foi forjada pelos chefes militares sediados no Recife a estúpida provocação em torno da prisão de Agliberto Vieira de Azevedo, o combatente nacional-libertador de 1935.
Mas o plano Saville previu para o Exército, não só uma função policial dentro do país, como o envio de grandes unidades para as frentes de batalha no exterior. Os agentes do imperialismo ianque não escondem que, na próxima guerra, exigirão muito mais do que os 25 mil pracinhas da Força Expedicionária Brasileira. É nesta previsão que nos cursos do Estado Maior do Exército são realizados exercícios que tomam como tema o desembarque em Dakar e operações de guerra na África e na Europa contra a URSS. Evidentemente, não se trata de mera especulação teórica… A questão é colocada de modo prático e concreto pelos ianques que, agora, em face das necessidades surgidas com a sua agressão militar ao povo coreano, impuseram ao governo de traição nacional de Dutra o envio de vinte mil soldados brasileiros para a guerra contra a brava nação asiática. Apesar das declarações despistadoras dos altos chefes do Exército, a mobilização dos vinte mil soldados está em andamento, em meio dos protestos cada vez mais veementes do povo brasileiro, em particular da sua juventude, que não quer ser sacrificada em holocausto aos Estados Unidos.
Também da Aeronáutica anunciam os ianques que exigirão muito mais do que o simples grupo de Aviação de Caça que, em 1944, foi enviado à Itália. Além de equipada e fardada à americana, vem a Força Aérea treinando os seus esquadrões dentro do modelo organizativo e tático norte-americano, de jeito a preparar a sua eventual integração nas unidades da Força Aérea dos Estados Unidos. Um exemplo flagrante é o do Curso de Prática Aérea na base de Cumbica, em São Paulo, que se fundamenta em aviões que não possuímos e em bombas que não usamos. O objetivo desse Curso é o de preparar oficiais brasileiros para operar em esquadrões americanos.
A teoria da “guerra total”, pregada pelo general Cordeiro de Farias, exige a antecipada mobilização total dos recursos humanos e materiais do país para a guerra imperialista de agressão. Daí esse enxame de inquéritos e questionários de finalidades puramente militares, que vêm sendo levados a efeito nos últimos tempos.
As Seções de Estatística Militar, cuja existência devia cessar com o término da última guerra, não desapareceram e voltaram a funcionar, de acordo com a Resolução 420, de 6 de julho de 1947 da Junta Central do Conselho Nacional de Estatística, que entregou ao Estado Maior Geral das Forças Armadas o encargo de sistematizar e revisar os inquéritos, dentro de suas novas necessidades. A fim de encaminhar o cumprimento da Resolução 420, a 4.ª Seção do Estado Maior do Exército fez baixar, em caráter secreto, o chamado Plano Regulador dos Inquéritos Militares. E, de acordo com esse Plano Regulador, uma série de formulários foi distribuída em 1949, de município a município, indagando do número e situação das estações emissoras, das oficinas rádio-técnicas, dos engenheiros, operadores e auxiliares, veículos a motor, eqüinos e muares, postos de gasolina, oficinas de reparo e garages, estabelecimentos que negociam com acessórios, do traçado e estado de conservação não só das vias férreas como de toda espécie de rodovia, etc. O órgão popular “A Tribuna”, de Porto Alegre, publicou, em sua edição de 23 de abril último, o fac-simile do questionário distribuído pelo comandante da unidade de cavalaria sediada em Livramento, no qual se indaga sobre a quantidade de animais de montaria e de tração que poderiam ser fornecidos pela população civil “em caso de extrema necessidade” (sic). Logo depois de fazer essa denúncia, que desmascarava um detalhe dos preparativos guerreiros, foi o órgão gaúcho invadido e selvagelmente depredado pela polícia da ditadura. Mas não são apenas os ministérios militares que estão efetuando inquéritos de caráter belicista. O Ministério do Trabalho, através de um obscuro Serviço de Segurança Nacional, distribuiu aos funcionários das repartições públicas e autarquias um questionário, cujo preenchimento e devolução deveriam ser feitos no prazo de 24 horas. O singular documento, distribuído por um órgão civil, só faz, todavia, perguntas de interesse militar, como, por exemplo, a arma em que serviu o funcionário, se dirige auto ou motocicleta, quantas línguas fala, se é rádio-telegrafista, se sabe nadar, etc. O Conselho Nacional de Estatística, por sua vez. desde 1948 realiza uma espécie de censo profissional muito minucioso, em que sempre inclui indagações claramente militares.
É fora de dúvida que todos esses inquéritos têm um único objetivo: conhecer com antecipação a quantidade e a qualidade do material humano que o imperialismo ianque poderá extrair do Brasil para sacrificai em holocausto à “civilização” cristã e ocidental, ao “modo de vida americano”, ao princípio da «livre empresa” e à intocável santidade dos lucros de Wall Street.
No plano propriamente econômico, o aspecto mais característico da preparação guerreira é o do saque multiforme dos minérios estratégicos brasileiros pelos monopólios norte-americanos. Um outro aspecto característico se reflete no orçamento federal, através do qual se evidencia como uma parte cada vez maior do esforço econômico da nação é absorvida pela preparação guerreira. O orçamento de 1950 dedicou Cr$ 6.318.003.139,00 às despesas dos ministérios e de outros órgãos militares, numa despesa total de Cr$ 22.299.416.784,00. Só ao ministério da guerra foram consignados Cr$ 3.041.097.089,00. Além disso, é conveniente não esquecer que nos ministérios civis também figuram despesas de ordem puramente militar, como certas despesas do Ministério da Agricultura que visam garantir pesquisas de minerais de utilidade bélica, as despesas do Ministério da Viação relativas às rotas de predominante importância estratégica, etc. Isso ocorre num orçamento que tem o déficit oficialmente de Cr$ 3.515.000.000,00 e que dedica apenas Cr$ 1.215.291.365,00 ao Ministério da Agricultura e Cr$ 2.447.572.280,00 para o Ministério da Educação e Saúde. Cumpre ainda observar, a propósito, que os ministérios Militares não encontram dificuldades para receber a totalidade das verbas que lhes são consignadas, além dos créditos extraordinários, à diferença dos ministérios civis, que, a título de compressão de despesas, freqüentemente não aplicam as verbas destinadas a certos serviços, sempre, é claro, que se trate de despesas de interesse exclusivo do povo.
É fácil perceber que o orçamento de 1950 segue o estilo dos anteriores. É um orçamento nitidamente de guerra.
Uma parte do esforço econômico do povo brasileiro já é consumida também no funcionamento de empresas para fins bélicos, empresas que até há pouco não se dedicavam senão à produção para a população civil. Como é compreensível, o imperialismo ianque não pode ver com bons olhos o funcionamento de uma indústria genuinamente nacional de armamentos. Mas é do seu interesse estimular o funcionamento de fábricas que produzam acessórios para o material bélico padronizado, verdadeiro ferro velho que nos impinge a preços de usura. Assim, por exemplo, é sabido que a Metalúrgica Marvin, no Distrito Federal, já há certo tempo que só fabrica estojos de granadas. A General Motors, em São Paulo, tem feito a montagem de grande quantidade de ambulâncias, de jeeps e até de tanques. A General Motors se aparelhou para esse tipo de montagem com material fornecido pelas siderúrgicas do consórcio Jafet-Ademar de Barros e por Volta Redonda, que, agora sob aberto controle ianque, está produzindo ultimamente estojos de granadas, adaptando-se cada vez mais para atividades de tipo bélico. Também em São Paulo, já trabalha para a guerra uma parte da Nitro-Química e a Cia. Nacional de Forjagem de Aço Brasileiro se dedica exclusivamente à produção de granadas, recebendo, com freqüência a inspeção de oficiais americano»!
A perspectiva de transformação da economia brasileira em economia essencialmente de guerra, que fabrique munições e acessórios de armamentos e abasteça grandes efetivos nacionais e estrangeiros de roupa, calçado, alimentos, etc., tem sido objeto de minuciosos estudos dos órgãos militares em conjunto com os lideres da indústria, a principiar pelo sr. Euvaldo Lodi. Com essa perspectiva, já foi investigada pelo Exército a capacidade da indústria metalúrgica para produzir determinados tipos de peças. Foi igualmente feito um levantamento dos estoques disponíveis de peças para cuja fabricação não está aparelhada a indústria brasileira e : que sejam de difícil obtenção no exterior.
À medida que maior número de empresas for absorvida pela produção de caráter militar, não só as empresas mineradoras e metalúrgicas, como também as químicas, têxteis, de produtos alimentícios, etc., não só a indústria como a agricultura, mais e mais sentirão as massas a redução da produção para consumo civil, o que só poderá resultar em novo impulso para a alta de preços, o incremento das emissões e a inflação, figurando, assim, como um fator agravante da terrível crise de conjuntura que se abaterá sobre a economia brasileira. A luta contra a transformação radical da economia brasileira em economia de guerra é, pois, uma luta contra o agravamento levado ao extremo da situação das massas. Essa situação, que já reflete em sua trágica miséria as conseqüências da estrutura semi-feudal e quase colonial do país e da política ferozmente anti-popular da ditadura de Dutra, só poderia tornar-se muito pior e atingir níveis ainda desconhecidos, já não diremos com a guerra, mas com a preparação para ela, com o desvio da maior parte do aparelho produtivo do país para as atividades de interesse guerreiro.
O Caminho Revolucionário do Povo Brasileiro
TODA análise da situação nacional, que omitir ou apenas subestimar a importância da penetração do imperialismo ianque em nosso país, será uma análise não apenas incompleta, mas profundamente falsa. Nessa crescente penetração é que reside a característica essencial da situação nacional. Era o que dizia Prestes há mais de um ano e hoje é ainda mais claro do que então:
“A política expansionista, agressiva e guerreira do imperialismo ianque no mundo inteiro e na América Latina, particularmente, que considera como sua retaguarda, o seu “quintal” de domínio privativo, assume no Brasil formas cada vez mais abertas e violentas. Pode-se mesmo dizer que na crescente penetração do imperialismo ianque no país está a característica essencial da situação nacional no momento que atravessamos. É dessa penetração, que se faz cada vez mais abertamente em todos os terrenos — econômico, político, militar e ideológico — juntamente com os fatores internos que a facilitam, que decorrem fundamentalmente todos os acontecimentos econômicos, políticos e sociais, que assinalam a situação do país no momento histórico que atravessamos. O que é certo é que se acentua cada vez mais o processo de colonização do Brasil, aumenta dia a dia sua situação de dependência econômica, política e militar frente ao império norte-americano, dos trustes e monopólios, a soberania nacional, enfim, vai sendo progressivamente alienada, como já reclamava o sr. João Neves em Bogotá, pelas classes dominantes e seu governo de traição nacional, de cínicos fantoches que trocam o uniforme nacional pela libré de lacaios de Truman e de Wall Street”(7).
A penetração imperialista, como acentua Prestes, se desenvolve nos mais variados setores, do econômico ao ideológico, do político ao militar. A rigor, a penetração se processa como um todo, entrelaçando os diversos setores da vida do país. A colonização, do ponto de vista econômico, só pode abrir caminho e fornecer a base para a propaganda ideológica do imperialismo ianque, ao passo que esta complementa, disfarça e assegura a colonização econômica. A submissão de todos os partidos políticos das classes dominantes ao imperialismo ianque só lhe facilita a infiltração no aparelho militar da nação, o que, por sua vez, aprofunda consideravelmente a submissão dos partidos políticos. Mas o próprio caráter primordial e fundamentalmente guerreiro da atuação do imperialismo ianque, no momento histórico atual, faz com que, em cada país por ele oprimido, seja a penetração específica no setor militar a mais grave, a que envolve os perigos mais sérios e imediatos para a vida nacional e, do ponto de vista internacional, para a defesa da paz. Por isso, aliás, é que, hoje, a penetração do imperialismo ianque nos demais setores também se subordina ao seu interesse militar e adquire, cada vez mais, uma finalidade guerreira.
Os fatos que acabamos de apresentar são mais do que suficientes para demonstrar o quanto já penetrou o imperialismo ianque no aparelho militar brasileiro. Aí está, sem duvida, o golpe mais sério no que nos resta de independência nacional. Aí está, porém — eis o que é essencial acentuar — a maior ameaça à nossa sobrevivência como nação, porque a finalidade do imperialismo ianque, ao absorver o aparelho militar brasileiro, com o que garante o processo de colonização e fascistiza politicamente o país, é sobretudo uma finalidade guerreira. O primeiro objetivo do imperialismo ianque é o de adaptar o Brasil completamente ao seu dispositivo militar de agressão anti-soviética, é o de fazer dele uma fonte de recursos materiais e humanos para a nova carnificina mundial.
Principalmente agora, quando o jogo eleitoral aguça momentaneamente as contradições secundárias entre os vários grupos das classes dominantes, é necessário não perder de vista este fato, que é o problema cardial para a nossa atuação: a penetração do imperialismo ianque com a sua finalidade primordialmente guerreira. Essa penetração nos impõe, em qualquer circunstância, como tarefa fundamental, a luta pela independência nacional e pela paz. A situação quase colonial a que já chegamos e a própria agressividade insaciável do imperialismo ianque nos levarão inevitavelmente para lutas revolucionárias de massa. Triunfaremos com tanto maior rapidez quanto mais eficazmente forjarmos uma frente democrática de libertação nacional para expulsar do solo brasileiro o imperialismo norte-americano e na medida em que essa frente democrática puder ser efetivamente dirigida por uma poderosa vanguarda proletária, capaz de elevar os combates da revolução democrático-popular ao nível mais concreto e decisivo. É o que nos ensina o exemplo histórico da China de Mao Tse-Tung. Este é o caminho da Paz, da Independência Nacional e de um Governo Democrático-Popular. É o caminho indicado pelo camarada Prestes e que será trilhado pelas massas cada vez mais compactas do proletariado, dos camponeses, dos intelectuais revolucionários, da pequena burguesia urbana e também pela média burguesia de caráter nacional e progressista. O outro caminho é o da traição nacional, da colonização e da guerra, que as classes dominantes, os latifundiários o os grandes capitalistas, já vêm trilhando há muito tempo e por ele arrastando a nação. A frente das mais vastas massas do povo, cumpre-nos, a nós comunistas, a luta denodada e sem tréguas para inverter radicalmente a situação, levando, por fim, o Brasil, como Estado independente, a se enfileirar, com justo orgulho, entre os Estados já numerosos que constituem as forças fundamentais do campo democrático e anti-imperialista. Será esta a melhor e a mais honrosa contribuição do povo brasileiro à luta mundial pela Paz.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *
Notas:
(1) O general Zenóbio da Costa chegou a querer imitar a discriminação racial ianque na organização da FEB. Durante certo tempo, as fichas dos soldados de cor, no Serviço de Saúde, eram colocadas em separado, na previsão talvez da sua exclusão, ou da formação de unidades de negros e mulatos à parte dos brancos “puros”. Também do mesmo general Zenóbio partiu a idéia de excluir os soldados negros de um dos desfiles no Rio, antes da partida para a Itália. A tentativa de discriminação racial não vingou, porém. Por sinal que a participação do general Zenóbio na FEB se conta quase inteiramente pelos seus fracassos. A ele é que se deve a maior derrota sofrida pelas nossas tropas, a 12 de dezembro de 1914, diante de Monte Castelo, quando o celebrado cabo de guerra preferiu correr velozmente para a retaguarda, deixando a um estupefato oficial seu subordinado, o encargo de ordenar a retirada e coordenar a sua execução. O conhecido carniceiro se tornou extremamente impopular na FEB e foi responsável pelo sacrifício inútil de grande número de pracinhas. (retornar ao texto)
(2) Luiz Carlos Prestes — “Forjar a mais Ampla Frente Nacional em Defesa da Paz, da Liberdade e Contra o Imperialismo”, em “Problemas” n.° 19, junho-julho de 1949, página 69, Rio. (retornar ao texto)
(3) Luiz Carlos Prestes — “Problemas Atuais da Democracia”, pág. 354, Editorial Vitória. Rio. (retornar ao texto)
(4) Chamamos a atenção dos leitores, a propósito, para dois artigos publicados nesta revista e que apresentam denúncias documentadas e minuciosas sobre aspectos da penetração militar norte-americana. Um desses artigos é de autoria do dirigente comunista João Amazonas e apareceu na seção “Nossa Política” de “Problemas”, n.° 20 (agosto-setembro de 1949). O outro é de autoria de Oswaldo Peralva e foi publicado sob o título “O imperialismo ianque domina o aparelho estatal do Brasil”, em “Problemas” n.° 13 (agosto-setembro de 1948). (retornar ao texto)
(5) Agildo Barata — “A aplicação da Doutrina Truman no Brasil”, em “A Voz Operária”, n.° 50, (6-5-1950) — Rio. (retornar ao texto)
(6) Citado por Luiz Carlos Prestes no seu discurso de 26-3-1946 na Assembléia Constituinte — “Problemas Atuais da Democracia”, pg. 311, Editorial Vitória, Rio. (retornar ao texto)
(7) Luiz Carlos Prestes — “Forjar a mais ampla frente nacional em defesa da Paz, da Liberdade e contra o Imperialismo”, em “Problemas”, n.° 19, págs. 26 e 27, junho-julho de 1949, Rio. (retornar ao texto)
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *
“Os trustes e monopólios anglo-americanos querem defender a ferro e fogo seus interesses nas colônias. E é por isso que devemos compreender que a luta do povo coreano é a nossa própria luta, é parte integrante da batalha que todos os povos nacionalmente oprimidos sustentam contra o imperialismo, pela libertação nacional de suas pátrias e que tem hoje, como exemplo a ser imitado por todos nós, o glorioso povo chinês”.
LUIZ CARLOS PRESTES