A SUA carta relativa à questão dos Soviets na China, enviada à redação do “O Comunista do Campo”(1) me foi remetida da redação para que eu a respondesse. Supondo que você não faça objeção a que eu a responda, envio-lhe uma pequena resposta à sua carta.

Penso, camarada Martchulin, que a sua carta foi motivada por um mal-entendido. E vou dizer-lhe porque.

1) Nas teses de Stálin destinadas a propagandistas fala-se contra a formação imediata de Soviets de deputados, operários, camponeses e de soldados na China atual. Você, porém, ao se manifestar contra Stálin, apóia-se nas teses e no discurso de Lênin apresentados ao II Congresso da Internacional Comunista onde se fala apenas sobre os Soviets camponeses, sobre os Soviets dos trabalhadores, sobre os Soviets do povo trabalhador, mas onde não se diz nem uma palavra sobre a formação dos Soviets de deputados operários.

Por que Lênin não fala sobre a formação dos Soviets de deputados operários nem em suas teses e nem em seu discurso? Porque Lênin tem em vista, tanto no seu discurso quanto nas suas teses, os países onde “não se pode nem falar de um movimento puramente proletário”, onde “quase não existe o proletariado industrial”(2). Lênin afirma claramente em seu discurso que ele se refere a países como a Ásia Central e a Pérsia, onde “quase não existe o proletariado industrial”(3).

Pode-se incluir no número desses países a China com os seus centros industriais como Changai, Hong-Kong, Nanquim, Tientsin etc., onde já há cerca de três milhões de operários organizados em sindicatos? Sem dúvida que não.

É claro que quando se fala da China atual, onde existe um certo mínimo de proletariado industrial, deve-se ter em vista não simplesmente os Soviets camponeses ou os Soviets dos trabalhadores, mas a formação dos deputados operários e camponeses.

O problema seria outro se se tratasse da Pérsia, do Afeganistão, etc. Mas as teses de Stálin se referem, como se sabe, à China e não a Pérsia, ao Afeganistão, etc.

Por isso a sua réplica à Stálin e a sua citação do discurso e da tese de Lênin apresentados ao II Congresso do Komintern são errôneas, abstratas.

2) Você cita, em sua carta, um trecho das “Teses Complementares” do II Congresso da Internacional Comunista relativamente ao problema nacional e colonial onde se afirma que no Oriente “os partidos proletários devem realizar uma intensa propaganda das idéias comunistas e estabelecer, logo na primeira oportunidade, Soviets operários e camponeses”. Nesse ponto você supõe que estas “Teses Complementares” e o trecho citado das mesmas sejam de autoria da Lênin. Isso é falso, camarada Martchulin. Aqui você simplesmente se engana. As “Teses Complementares” são de autoria de Roi. Foram aprovadas pelo II Congresso como teses de Roi, aprovadas em “complemento” às teses de Lênin(4).

Para que se necessitou das “Teses Complementares”? Para se destacar particularmente, entre os países coloniais atrasados que não possuem proletariado industrial, países como a China e a Índia, em relação aos quais não se pode afirmar que ali “quase não há proletariado industrial”. Leia as “Teses Complementares” e você compreenderá que estas se referem, principalmente, à China e à Índia(5).

Como pôde acontecer que se tenha necessitado das teses particulares de Roi, “complementares” às teses de Lênin? A questão está em que as teses de Lênin foram escritas e publicadas muito antes da inauguração do II Congresso, muito antes da chegada dos representantes dos países coloniais e antes dos debates travados na comissão especial do II Congresso. E como os debates travados na Comissão do Congresso, revelaram a necessidade da separação, do número das colônias atrasadas do Oriente, de países como a China e a Índia, surgiu então a necessidade das “Teses Complementares”.

Por isso não se pode misturar o discurso e as teses de Lênin com as “Teses Complementares” de Roi, da mesma forma que não se pode esquecer o fato de que quando se trata de países como a China e a Índia deve-se ter em vista a formação de Soviets operários e camponeses e não simplesmente Soviets de camponeses.

3) Será preciso formar Soviets operários e camponeses na China? Sim, será preciso obrigatoriamente. Fala-se sobre isto claramente nas teses de Stálin para propagandistas, onde se afirma:

“A fonte fundamental da força do Kuomintang revolucionário é constituída pelo desenvolvimento posterior do movimento revolucionário dos operários e dos camponeses e pelo fortalecimento de suas organizações de massa — os Comitês revolucionários de camponeses, dos sindicatos dos operários e de outras organizações revolucionárias de massas, como elementos preparatórios dos futuros Soviets…”
Toda a questão está em quando criá-los, em que condições e em que situação?

Os Soviets de deputados operários são organizações universais da classe operária e por isso são a melhor organização revolucionária da classe operária. Mas isto ainda não significa que se possa criá-los sempre e em quaisquer condições. Quando Krustaliov, primeiro presidente do Soviet de deputados operários em Piter, no verão de 1906, após o refluxo da revolução, colocou a questão da formação dos Soviets de deputados operários, Lênin lhe replicou afirmando que naquele momento, quando a retaguarda (o campesinato) ainda não se aproximara da vanguarda (o proletariado), — era inoportuno criar os Soviets dos deputados operários. E Lênin tinha toda razão. Por que? Porque os Soviets de deputados operários não são uma simples organização de operários. Os Soviets de deputados operários são órgãos de luta da classe operária contra o poder existente, órgãos de insurreição, órgãos de um novo poder revolucionário e somente como tais podem se desenvolver e se fortalecer. E se não há condições para uma luta direta de massas contra o poder existente, para um levante de massas contra esse poder, para a organização de um novo poder revolucionário, então é inútil a criação de Soviets de operários, uma vez que eles, sem condições como essas correm o risco de desaparecer e se transformar em centros de discussões estéreis.

Eis de que maneira Lênin se referiu aos Soviets de deputados operários:

“Os Soviets de deputados operários são órgãos de luta direta das massas” …”Não foi uma teoria qualquer, não foram apelos de quem quer que seja, não foi uma tática elaborada por alguém, não foi uma doutrina partidária, mas a força dos acontecimentos que conduziu esses órgãos de massa, apartidários, à necessidade da insurreição e os transformou em órgãos da insurreição. E estabelecer tais órgãos atualmente — significa criar órgãos da insurreição (o grifo é meu — J. Stálin), apelar para a sua formação — significa apelar para a insurreição (O grifo é meu J. Stálin). Esquecer-se disto ou dissimular isto perante as amplas massas do povo seria a mais imperdoável miopia e a pior política”(6).
Ou ainda:

“Toda a experiência de ambas as revoluções, tanto a de 1905 como a de 1917 e igualmente todas as resoluções do Partido Bolchevique, todas as suas declarações políticas durante muitos anos conduzem ao fato de que o Soviet de Deputados Operários e Soldados somente é real como órgão da insurreição, (o grifo é meu — J. Stálin) somente como órgão do poder revolucionário (o grifo é meu — J. Stálin). Não tendo esta tarefa os Soviets são um mero brinquedo que conduz inevitavelmente à apatia, à indiferença, à desilusão das massas para quem, com toda razão, já se tornaram repugnantes as resoluções e os protestos sem fim”(7).
O que significa, em tal estado de coisas, apelar para a imediata formação de Soviets de deputados operários, camponeses e de soldados hoje na China do Sul, na região, digamos, do governo de Wu Han, onde agora se acha no poder o Kuomintang revolucionário, onde agora se desenvolve um movimento sob a palavra de ordem “todo o poder ao Kuomintang revolucionário?” Apelar atualmente para a criação de Soviets de deputados operários e camponeses nessa região — significa apelar para a insurreição contra o poder do Kuomintang revolucionário. É racional isto? Claro que não é racional. É claro que, quem apelar atualmente para a criação imediata de Soviets de deputados operários nessa região, está tentando saltar a fase do Kuomintang da revolução chinesa e se arrisca a colocar a revolução na China em situação bem difícil.

Eis como se apresenta a questão, camarada Martchulin, da formação imediata dos Soviets de deputados operários, camponeses e soldados da China.

No II Congresso do Komintern foi aprovada uma resolução especial sob o título: “Quando e em que condições se pode criar Soviets de deputados operários”. Esta resolução foi também aprovada por Lênin. Eu lhe aconselharia a tornar a ler esta resolução. Não deixa de ser interessante. (Vide II Congresso do Komintern, notas taquigráficas, pg. 580-583).

4) Quando se tornará necessário formar na China os Soviets de deputados operários e camponeses? Ter-se-á de criar obrigatoriamente na China Soviets de deputados operários e camponeses no momento em que a revolução agrária vitoriosa se expandir amplamente, quando o Kuomintang, como bloco dos populistas revolucionários da China (O Kuomintang de esquerda) e o Partido Comunista começar a ser superado, quando a revolução democrático-burguesa, que ainda não venceu e que ainda demorará a vencer, começar a manifestar os seus aspectos negativos, quando se tiver que passar, passo a passo, do tipo atual de organização estatal do Kuomintang, ao novo tipo proletário de organização do Estado.

É exatamente assim que é preciso compreender o trecho em questão, relativo aos Soviets de operários e camponeses nas “Teses Complementares” de Roi, aprovadas pelo II Congresso do Komintern.

Já chegou esse momento?

Não há necessidade de demonstrar que tal momento ainda não chegou.

E o que fazer agora? É preciso ampliar e aprofundar a revolução agrária na China. É preciso criar e fortalecer todas e cada uma das organizações de massa dos operários e camponeses, dos soviets sindicais e dos Comitês de greve até às uniões camponesas e aos Comitês revolucionários camponeses, para transformá-los, na medida em que progredir o movimento revolucionário e na medida em que obtiver êxitos, em bases orgânicas e políticas para os futuros Soviets de deputados operários, camponeses e soldados.

Esta é a tarefa do momento.
 

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(1) Nota da edição russa: “O Comunista do Campo” era uma revista bi-semanal destinada aos ativistas do Partido no campo e era um órgão do Comitê Central do PC (b) da URSS. A revista foi publicada de dezembro de 1924 a agosto de 1930. O seu redator-chefe até fevereiro de 1927, foi V. M. Molotov. 
(2) V. L. Lênin — Obras, tomo XXV, pág. 353, edição russa, Moscou. 
(3)V. I. Lênin — Idem, idem. 
(4) Notas Taquigráficas do II Congresso Internacional Comunista, página 122-126. 
(5) Idem, idem, pág. 122. 
(6) V. I. Lênin — Obras, tomo X, pág. 15, edição russa, Moscou. 
(7) V. I. Lênin — Obras, tomo XXI, pág. 288, edição russa, Moscou.

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“Com o aparecimento dos partidos revolucionários marxistas-leninistas, o aspecto do movimento revolucionário mundial modificou-se e a modificação foi tão profunda que o mundo foi abalado de uma forma que jamais os nossos antepassados poderiam imaginar”. — MAO TSE-TUNG