1 O primeiro número de Princípios alcançou sucesso incontestável. A edição praticamente se esgotou num prazo curto.
Inúmeras cartas de seus leitores louvaram a iniciativa. Repercutiu também no exterior. Na França, traduziram e divulgaram alguns de seus artigos. Em Portugal, difundiram-se matérias inseridas na revista. Os albaneses saudaram o seu lançamento.

O êxito inicial é um estímulo para prosseguir na rota traçada. Incentiva e simultaneamente aumenta a responsabilidade de seus editores. O que significa cumprir o programa anunciado.
Não é fácil, porém, cumpri-lo. O estudo consciencioso da realidade brasileira à luz dos interesses do proletariado – a classe mais avançada da sociedade – exige esforço considerável. E ainda é relativamente precária a mobilização do material humano. Há igualmente pouca experiência metodológica no tratamento de problemas complexos da atualidade.

Essas dificuldades, no entanto, serão removidas no processo mesmo da execução da tarefa a que Princípios se propôs. Apesar de tudo, apresentam aspecto positivo, qual seja o de forçar os colaboradores em geral, todos nós, a investigar, a pesquisar, a aprofundar o conhecimento teórico que ilumina a prática social. Aliás, na falta de domínio em semelhante terreno encontram-se algumas das sérias debilidades constatadas na atuação dos setores de vanguarda, que conduziram e podem novamente conduzir ao subjetivismo ou à cópia mecânica de realizações levadas a cabo em ambientes distintos do nosso.

Fora de dúvida, a efetivação de nossos planos começará modestamente. Dentro de nossas possibilidades. Ao nível de nossa capacidade de discernimento em assuntos relevantes. Sem medo de incorrer em equívocos, sempre possíveis no exame de questões intrincadas.

2 O quadro mundial relacionado com a evolução da crise que afeta o sistema capitalista-imperialista como um todo define-se com nitidez sempre maior.
Em traços gerais, esse quadro confirma, na sua dimensão universal, as grandes verdades enunciadas em meados do século passado por Karl Marx e Friedrich Engels. O capitalismo estendeu-se por toda parte, até os recantos mais retardados, inclusive onde subsistiam economias primitivas. E impôs as suas leis, a sua dominação. Em contrapartida, ampliou-se a força que nasce com ele e a ele se opõe decididamente: o operariado. “Cada vez mais a sociedade se divide em dois vastos campos inimigos, em duas grandes classes diametralmente opostas: a burguesia e o proletariado” – afirmaram aqueles sábios alemães. Desse modo. os antagonismos de classe simplificaram-se. Quem era independente, ou relativamente independente, no âmbito da economia ou das diversas profissões, foi tornando-se explorador ou explorado, empregador ou empregado – uns poucos, exploradores; a maioria, explorada.

O capital não apenas domina, internacionaliza-se em escala ascendente. Há muito ;á não existem economias nacionais puras, genuínas. Estão entrelaçadas num sistema mundial único, no qual preponderam os monopólios gigantes, todo-poderosos, e os potentes consórcios financeiros. Desses entrelaçamentos, resulta a espoliação desmedida da maioria da população do Globo por um punhado de parasitas insaciáveis.

Esse estado de coisas reflete-se intensamente no agravamento generalizado e profundo dos males sociais. E na identidade de métodos e políticas postos em prática por governos reacionários em distintas regiões.

De tal maneira que a informação geral sobre a situação e a orientação político-econômica de determinado país coincide plenamente com a de muitos outros, em particular se pertencem à igual classificação de desenvolvimento econômico. Na Colômbia, por exemplo, fala-se em desaquecer a economia (“passar da fase atípica de crescimento acelerado para um estado normal de crescimento lento”); em exportar manufaturados para equilibrar a balança cambial; em “abertura” democrática acompanhada da promessa de prosseguir na tarefa de restauração procurando o bem-estar do povo…; em acrescer as receitas governamentais com endividamento externo. Na Espanha, ocorre a redução dos salários reais através do aumento dos preços dos gêneros de primeira necessidade, do estabelecimento de pisos salariais decretados pelo governo ou por meio de pactos sociais, do aumento de impostos e tarifas que pesam sobre os trabalhadores, da manutenção de uma alta taxa de desemprego atuando como freio às reivindicações operárias; concede-se aos monopólios privados os fundos acumulados dos impostos e da poupança popular, incentiva-se o aumento das inversões estrangeiras; e se diz que, por muito ruim que seja o atual governo ou outro semelhante, sempre é melhor do que algo pior, o “endurecimento” fascista. Tudo como no Brasil. A mesma linguagem. O mesmo estilo governamental. A mesma falsa solução para os problemas candentes. Além disso, em qualquer lugar do mundo de hoje, a encarnação de Satanás configura-se nos comunistas, no proletariado, nos camponeses sem terra, na ralé popular. Seriam eles os perturbadores da santa paz do deus cifrão. E, por esse motivo, tampouco há sistema político burguês que prescinda de leis antigreve, antiterror, de segurança nacional, do “aperfeiçoamento” constante dos instrumentos de “defesa” do Estado… para exorcizar os demônios.

Certamente, no outro extremo da hierarquia social também operam, com identidade de propósitos, as forças progressistas. A linguagem, as ações, a estratégia e a tática assemelham-se, internacionalizam-se. Luta-se contra a carestia, contra o desemprego, contra a rebaixa dos salários, contra o domínio imperialista, contra o fascismo e os regimes reacionários. No fundo, os embates se dão entre a revolução e a contra-revolução. E se destacam, como elementos essenciais da luta, a unidade – unidade da classe operária, das forças populares e democráticas – e o desmascaramento dos oportunistas de todos os quilates.

Costuma-se dizer que o mundo é um só. Na verdade, não o é. Pelo menos no que respeita ao corpo social. Há dois mundos: o do capital e o do trabalho – o da exploração, da opressão violenta dos povos e o da luta dos trabalhadores, da rebeldia crescente das massas populares. O inimigo, sim, é um só. Por isso, qualquer que seja a forma nacional de que se revista o combate decidido dos trabalhadores, seu conteúdo é o mesmo: pôr fim ao sistema caduco, superado pela História, e abrir caminho à instauração de outra formação econômico-social que conduza a Humanidade à sociedade sem classes.

3 Com a criminalidade em aumento, o terrorismo em ascensão e a inquietude social montante, ergue-se a voz dos pregoeiros da não-violência. Querem desarmar os espíritos, terminar com a agressividade que estaria dominando os homens… Como os antigos cristãos, apregoam o amor ao próximo. “Acabai com a violência e tudo será resolvido!” Sem lutas sangrentas, sem revolução…
Acontece que a violência não existe como elemento próprio da natureza humana. Ou como rutura de regras morais há muito estabelecidas. É um subproduto do sistema capitalista, que nasce usando a violência e por meio dela se mantém. Está ligada à injustiça social sempre maior, à feroz exploração da força de trabalho, à espoliação de nações inteiras por banqueiros e monopólios internacionais, à preparação de novas grandes guerras, à instauração do fascismo, filho legítimo do capital monopolista. Não desaparecerá jamais mediante a inócua pregação da paz e do amor. Mas unicamente com o emprego de outro tipo de violência, da violência revolucionária, abrindo a perspectiva do desaparecimento das classes antagônicas. “Acabai com o capitalismo e estareis forjando as condições para a verdadeira paz entre os homens!” Não corresponderia bem melhor à realidade da época que vivemos?

4 O resultado das eleições presidenciais francesas que denota, seguramente, a inclinação da grande massa do eleitorado daquele país para a esquerda, trouxe à baila o slogan pequeno-burguês do “casamento do socialismo com a liberdade”: Quem andava indeciso e com grandes dificuldades de definir sua filiação ideológica e política pronunciou-se. “É esse o socialismo que eu almejo”: Tais posições partem em geral dos que condenam o verdadeiro socialismo proletário, atribuindo-lhe caracteres liberticidas.

Todavia, somente o socialismo burguês poderá casar-se com a liberdade burguesa. Porque não é socialismo, nem a liberdade capenga e unilateral vai além dos limites permitidos pelos interesses capitalistas. Acaso essa liberdade possibilita a expropriação dos expropriadores? O confisco do capital monopolista em benefício do conjunto da sociedade? A liquidação do monopólio da terra? A transformação radical dos órgãos repressivos do Estado? Democracia em geral não existe. Ela tem um conteúdo preciso de classe – é burguesa ou proletária. A essência do Estado, de onde emana a liberdade política, é sempre uma ditadura de classe, seja da burguesia, seja do proletariado. Por isso, o socialismo científico proletário se casa com a democracia proletária. O que significa liberdade para os antigos explorados e oprimidos; e forte restrição aos direitos dos velhos exploradores e opressores. Liberdade para o povo destruir a máquina da opressão secular e construir uma nova vida sem capitalistas nem latifundiários.

Em certas condições, as liberdades democráticas devem ser defendidas e garantidas pela luta das massas. É sempre útil a sua existência no regime de classes contrapostas. Mas que não se confunda, nem se identifique com a verdadeira liberdade no autêntico socialismo. Nem se imagine possível chegar à emancipação social através das eleições, do parlamentarismo, do mitterandismo francês.
Extravagante conúbio esse do socialismo com a liberdade, nos marcos da sociedade capitalista…

EDIÇÃO 2, JUNHO, 1981, PÁGINAS 3, 4