A região de Campinas (São Paulo) constitui um tradicional centro de produção agrícola, onde a cultura canavieira é a predominante há várias décadas. Centralizam-se aí grande parte dos instrumentos de apoio e financiamento à produção de cana e elevado número de usinas destinadas à transformação da cana em açúcar e álcool.

Hoje, cerca de 35% da produção canavieira são provenientes de pequenos proprietários de minifúndios. Este tipo de fornecedor já predominou nessa região, porém vem sofrendo todo tipo de pressões econômicas e seu número e participação no esquema produtivo diminuem acentuadamente. Há elementos para se afirmar que o processo de concentração da posse da terra caminha de maneira acelerada e que os grandes compradores de terras são, em geral. aqueles que monopolizam a transformação da cana, ou seja, os complexos usineiros, mais viáveis economicamente.
Influem de maneira decisiva neste processo os incentivos fiscais e a intervenção da política
governamental no setor, através do Pró-Álcool e de uma legislação e atos administrativos, por vezes sutis, como aquele que, em tomo de 1972-73, desligou os critérios de cotas de fornecimento na safra e os títulos de propriedade da terra. Esta simples modificação nos Estatutos da Lavoura Canavieira permite que. atualmente, o possuidor da cota não precise, necessariamente, ter o título de propriedade rural, ou seja, ele pode associar-se à Cooperativa dos Fornecedores de Cana, mesmo sem possuir terras para o plantio e pode "alugar" a sua cota a outra pessoa. Tal medida tornou-se fundamental para possibilitar a concentração de terras pelos grupos monopolistas que, de outra maneira, teriam de fornecer cotas fixas aos produtores. Hoje, com inúmeros "testas de ferro" basta um único monopólio para cumprir os requisitos do Estatutos da Lavoura Canavieira. A par de outros fatos, é direta a dedução acerca da necessidade de tais grupos monopolizadores do plantio e da transformação da cana controlarem politicamente a Cooperativa dos Fornecedores de Cana que reúne cerca de 5 a 6 mil cotistas.

As necessidades de modernização e manutenção dos métodos de produção e de transformação da cana impuseram o estabelecimento de um centro industrial de apoio, de forma que a área campineira possui, também, um núcleo fabril nas atividades de metalurgia e alimentação, ao lado de uma indústria incipiente de papel (produzido com o bagaço da cana), de pequena importância no momento, pela baixa qualidade do produto. A produção canavieira, determinando necessidades precisas sobre a indústria de apoio, define o tipo de indústrias que se assentam na área. No ramo da metalurgia, da siderurgia, do material elétrico as indústrias locais, produzem, em geral, equipamentos agrícolas e de usinagem da cana ou acessórios para este tipo de equipamentos. As indústrias desse gênero reúnem um volume razoável de operários, considerando-se o tamanho da população do município. O número de empresas com mais de 1.000 operários também é significativo, quando comparado com o de outras cidades do mesmo porte no interior do nosso estado.

"O número de empresas com mais de 1.000 operários também é significativo, quando comparado com o de outras cidades do mesmo porte no interior do nosso estado”.

A penetração do capital estrangeiro, no setor metalúrgico, é recente, ou seja, começou a se dar há cerca de 5 anos e ocorre de duas maneiras: no nível do complexo de empresas que monopolizam a produção e a transformação da cana (usinas), e que controlam a maior parte das indústrias metalúrgicas da região, e no nível das multinacionais "puras" instaladas na área, cuja produção industrial, em sua maior parte, também está voltada para o setor agrário.

O complexo de empresas que monopolizam a produção e a transformação da cana era, até 3 anos atrás, propriedade exclusiva de uma oligarquia local (grupos familiares), porém ela associou-se ao capital japonês e ao americano (quase 50% do capital) e investe hoje em grandes projetos agroindustriais, no estado e fora dele.

Tais transformações econômicas – que vêm ocorrendo em nível de propriedade da terra, das técnicas de plantio, da produção do álcool e do açúcar e da indústria complementar existente – provocaram mudanças na composição social do município e, por conseguinte, mudanças na correlação de forças entre as classes.

A cidade de Campinas vem registrando um crescimento de cerca de 7% ao ano, portanto, um crescimento populacional quase três vezes maior que o verificado, em média, em todo o estado.
A migração dentro do município é bastante grande no sentido campo-cidade, e a chegada de migrantes de outras regiões do estado e, principalmente de outros estados da Federação, é enorme.
Ocorre, ainda, que as indústrias locais utilizam diariamente operários de muitas cidades vizinhas, que aqui trabalham, mas não moram.

É evidente que a importância crescente dada à produção do álcool-combustível, no plano nacional, acelerou, nos últimos três anos, as transformações econômicas e sociais que estamos relatando. Dentro do desenvolvimento capitalista brasileiro, a produção de cana tinha uma importância determinada e o processo de transformação já vinha ocorrendo há mais de 20 anos, no sentido aqui apontado. O recente destaque dado à produção do álcool, veio acelerar tais mudanças, instalando o que podemos chamar de ciclo econômico do álcool; sendo que alguns fatores observados nesta análise podem ter um caráter artificial, ou pelo menos transitório, à medida que dependem de uma influência externa, que pode terminar como começou, ou seja, bruscamente. Basta, para isso, que a tentativa de alternativa energética do álcool desestimule os interesses econômicos das classes no poder. Isto, porém, não viria modificar profundamente as características aqui apontadas, uma vez que esta é uma área tradicional de plantio de cana e, portanto, de produção de açúcar e álcool – produtos que, há várias décadas, possuem um peso estável na produção agrária e industrial do país.

No campo político regional, as transformações econômicas e sociais provocaram bruscas alterações na relação e na composição das classes sociais existentes. O camponês médio (lavrador que possui pequenas e médias extensões de terra) desta região é um tipo tradicionalista e de índole conservadora. Suas perspectivas tradicionais foram sendo quebradas rapidamente em contato com os interesses do grande capital. Suas relações com as usinas, sempre mediadas por uma Cooperativa, vieram sendo alteradas, de forma a acelerar um processo de descapitalização progressivo que, em geral, se traduz por endividamento e conseqüente perda da terra. Sem deixar de lado suas idéias conservadoras, sentem muito de perto o risco de perder o pouco que possuem, o que vem trazendo certo espírito de combatividade e de resistência, demonstrado pela tentativa de suspensão do corte da cana, esboçado há poucos meses atrás. Seu nível de organização é muito baixo e as possibilidades de luta contra o grande capital são ainda muito pequenas. O camponês mais jovem demonstra maior capacidade de luta, através de sua atuação dentro da Cooperativa, com propostas radicais em alguns momentos.

Na periferia da cidade, e principalmente em áreas bem determinadas, existem grandes contingentes de proletários rurais (os bóia-frias) que participam maciçamente do corte da cana e da colheita do algodão (segundo produto de cultura da região). Na entre-safra, os valentes têm sido utilizados no plantio e na limpa de lavoura de cana, embora a absorção da mão-de-obra nestas atividades seja bem menor. O assalariamento do volante, sem nenhum Vínculo empregatício, é preponderante e, via de regra, intermediado por um agente, que assume as empreitadas da mão-de-obra, bem como o transporte destes trabalhadores, definindo-se, assim, clientela específica em tomo de cada empreiteiro. No geral, os volantes vivem em condições bastante adversas e precárias, embora exista na região um Sindicato de Trabalhadores Rurais, cuja atuação é muito restrita, inexpressivo o número de sindicalizados (comparando com o número total de trabalhadores da categoria) e lutando ainda com grandes dificuldades econômicas. O pagamento da diária oferecida ao volante, nesta safra, tem oscilado em tomo de Cr$ 130,00, totalizando uma remuneração mensal bem inferior à do salário-mínimo, o que vem provocando grande descontentamento e desestimulando-os a aceitar novas empreitadas no trabalho.

EDIÇÃO 2, JUNHO, 1981, PÁGINAS 41, 42, 43