Princípios edita o seu primeiro número. Revista teórica, política e de informações variadas, aparece para satisfazer uma necessidade premente das forças sociais empenhadas na transformação progressista da nossa sociedade, tendo em vista elucidar problemas, aprofundar o conhecimento das causas e efeitos dos males que afetam a vida do povo e do país. Circulará, no início, trimestralmente. Ambiciona, porém, chegar a ser uma publicação mensal.
Neste primeiro número, apresenta materiais diversos de grande atualidade. Destaca-se a carta de Stalin (e Molotov) dirigida a Tito e Kardelj, nos idos de 1948, quando começava a grande polêmica entre os marxistas-leninistas e os renegados do socialismo na Iugoslávia. Com clareza meridiana, que o passar do tempo só fez confirmar, ele percebeu os primeiros sintomas indicadores de um sério desvio oportunista e contra-revolucionário na conduta dos principais dirigentes daquele país, pressentiu aonde tal desvio poderia conduzir. Afirmou, com a convicção de quem domina a ciência social mais avançada de nossa época, que o caminho seguido pela Iugoslávia resultaria inevitavelmente na degenerescência da República Popular e na liquidação do antigo e combativo partido da classe operária. Ao mesmo tempo, apoiado numa critica de princípios, alertava o movimento comunista mundial acerca do perigo que a posição iugoslava representava para o futuro desse movimento. Estavam em jogo conquistas históricas do proletariado.
A vida deu plena razão a Stalin, e simultaneamente estigmatizou a traição dos Kruschev, Brejnev, Togliatti, Berlinguer, Marchais, e tantos outros revisionistas que, depois do XX Congresso do PCUS, rejeitaram as decisões de 1948 do Cominform e acorreram pressurosos a penitenciar-se diante do velho servidor da reação e do imperialismo. Após a advertência de Stalin, não custou muito para que o PC da Iugoslávia fosse totalmente liquidado e em seu lugar surgisse a denominada Liga dos Comunistas, que já não era, mesmo formalmente, a vanguarda dos trabalhadores, nem a força dirigente do novo Estado, mas uma entidade anódina que servia apenas de disfarce destinado a iludir as massas. Palmilhando a trilha titista, a Iugoslávia converteu-se num centro onde impera o capitalismo burocrático em simbiose com o capital estrangeiro, ampla e livremente implantado no país, explorando milhões de trabalhadores. Sob a capa de socialismo nacional, autogestionário, Tito e seus seguidores instauraram um regime que é o oposto do socialismo, e tudo fizeram para introduzir-se sorrateiramente nas hostes proletárias internacionais, posando de independentes e não-alinhados, mas na realidade como ponta-de-lança do imperialismo, minando o terreno sobre o qual se erguia o socialismo e solapando as bases dos partidos operários.
Neste número, Princípios publica ainda trabalhos que descortinam o panorama político da Polônia, da Espanha e da áfrica, vistos sob o ângulo dos interesses das massas trabalhadoras. Eles ilustram e aprofundam o conhecimento dos leitores, dando uma visão realista do quadro mundial. Sobretudo o documento do PCD, do Daomé, chama a atenção para o desdobrar dos acontecimentos em dezenas de países africanos depois da conquista de sua independência estatal. Para grande parte dos brasileiros, tudo que ali se expõe é novidade, à falta de maiores esclarecimentos sobre aquela região. Poucos conhecem sequer o novo mapa geográfico e político da África. No entanto, o despertar desse vasto continente e as rápidas mudanças que nele se operam apresentam imenso significado histórico nas mutações sociais por que passa o mundo.
Princípios tem um grande programa a realizar. O presente número dedica algum espaço às questões econômicas. Seu objetivo, porém, é tratar permanentemente do assunto, ligado em especial com a crise que se alastra em todos os países capitalistas e revisionistas, provocando gigantescos transtornos na sociedade e enormes sacrifícios aos trabalhadores das cidades e do campo. A propaganda oficial, os economistas e os ideólogos burgueses e pequeno-burgueses falam da crise como de algo acidental, passageiro, cujos motivos devem ser encontrados em fatores transitórios, controláveis, irrelevantes. Mas a crise é o processo natural do desenvolvimento capitalista, polarizando sempre mais a riqueza e a miséria. Cada crise de maior envergadura estimula o avanço tecnológico desse sistema, reforça o poderio dos monopólios, bem como o do capitalismo monopolista de Estado, que se caracteriza por uma vasta socialização capitalista da produção, pelo entrelaçamento dos monopólios com o Estado e pela subordinação do aparelho do Estado burguês aos grandes monopólios. Durante a crise substituem-se as estruturas fundamentais das empresas, o que exige vultosos recursos somente disponíveis entre os mais poderosos. Assim, são liquidados os menos fortes e a concentração e a centralização do capital agigantam-se. Tal renovação, grosso modo, não proporciona aumento de empregos; ao contrário, utilizando métodos sofisticados, reduz a quantidade de trabalhadores enquanto cresce a da produção. O exército de reserva (os desempregados) ganha novas dimensões. Por isso, é falso pensar que, passada a crise – se acaso chegar esse momento –, tudo volte à antiga situação, como apregoam os mistificadores. Não. Os povos terão de conviver com índices elevados de desemprego permanente, com alto custo de vida, com impostos ainda mais pesados, com a criminalidade em ascensão, com parcelas ponderáveis de menores abandonados. Porque esses males acompanham o capitalismo, como a sombra segue o corpo. Quanto mais ele se desenvolve, maiores mazelas arrasta consigo. Precisamente por essa razão, sua existência é posta em causa. Os trabalhadores se dão conta de que esse regime não pode continuar, está superado, necessita ser substituído por outro, cujo desenvolvimento se baseia na harmonia das forças produtivas e das relações de produção.
As páginas de Princípios agasalharão, com um zelo particular, os trabalhos concernentes à teoria. Nas condições atuais do mundo e do nosso país, a frente teórica adquire importância sobressalente, de primeiro plano. Os revisionistas soviéticos adulteraram princípios imortais da ciência de Marx, Engels, Lênin, e Stalin, estabeleceram a confusão e criaram um ambiente de ceticismo, de renegação dos fundamentos da doutrina revolucionária do proletariado. Anos depois, os eurocomunistas, enterrados até o pescoço no atoleiro do oportunismo e da mais abjeta colaboração de classes, alardearam a criação de novo e singular caminho para o socialismo, o caminho da suposta integração pacífica do capitalismo naquele regime social, sem revolução, nem ditadura do proletariado. Também os chineses entraram em cena, arvorando o estandarte cor-de-rosa do pensamento Mao Tsetung, “enriquecido” com as recentes contribuições de Deng Xiaoping e seu bando, defensores da aliança (e da integração) com os imperialistas e a reação mundial. E, em meio a essa sarabanda distorcionista, afloram os “críticos” burgueses e pequeno-burgueses do marxismo, fantasiados de restauradores de princípios revolucionários. Todos eles orquestram a sinfonia inacabada dos ataques grosseiros ao marxismo, inimigos que são do socialismo proletário, científico e revolucionário. Desfiguram o marxismo-leninismo a partir de posições de direita e de “esquerda”, isto quando não o põem simplesmente de lado.
Em tais circunstâncias, salta à vista a extraordinária importância que assume a luta teórica. É necessário, antes de tudo, ajustar as contas, definitivamente, com o revisionismo contemporâneo, nas suas diferentes modalidades. Esta batalha vem sendo travada faz tempo. Mas não se pode dizer que o adversário tenha sido suficientemente desmascarado e suas idéias totalmente desacreditadas. Há muito que realizar nesse terreno para tornar mais clara e convincente a traição revisionista ao marxismo, em particular a dos soviéticos, que se esforçam por manter a fachada socialista e marxista-leninista, por trás da qual cometem crimes abomináveis, na ânsia de conseguir o domínio mundial.
De outra parte, é preciso também ajustar contas com o reformismo, antiga e tenaz tendência de fundo pequeno-burguês no movimento operário. Não se pode vencer essa tendência apenas no campo político. Ela somente será erradicada por meio do conhecimento profundo de suas raízes e de seus fins, o que demanda apoio na teoria. O reformismo tende a manifestar-se com força no seio dos trabalhadores e igualmente na sua organização de vanguarda. Está ligado ao fato de que a revolução burguesa em nosso país vem sendo realizada paulatinamente, gradualmente, conservando, tanto na estrutura como na superestrutura, antigos entraves retrógrados, se bem que as principais tarefas democrático-burguesas não foram ainda resolvidas, nem o serão através dos métodos em curso. Em certo sentido, essas tarefas tornaram-se mais candentes com a expansão da grande propriedade territorial e com a maior penetração do capital estrangeiro. O processo gradualista ocorre, em boa parte, porque a burguesia teme as possibilidades revolucionárias da classe operária no caso de uma ruptura radical com as velhas formas de dominação. Trata de contornar a revolução: utilizando o reformismo para embotar a consciência de classe do proletariado.
O reformismo ganhou terreno no Brasil com a vitória do movimento armado da Aliança Liberal, em 1930. Desde então vêm sendo distribuídas migalhas aos assalariados; elaborou-se uma legislação social enganadora, fundada na conciliação de classes, que alimenta ilusões nas conquistas parciais, na “proteção” legal aos trabalhadores, privados, na realidade, do direito elementar de livre organização. No seio da vanguarda, essa tendência refletiu-se em determinados períodos no reboquismo em relação à burguesia nacional, na resistência a uma política de classe independente, unida ao esforço de ir ao campo com o objetivo de concretizar a aliança operário-camponesa sob a direção do proletariado. As alianças no plano político dirigiam-se, principalmente, à pequena-burguesia urbana. Notadamente desde 1957, com a adesão da maioria da vanguarda ao revisionismo kruschevista, o reformismo alcançou novas dimensões. Foram abandonadas as ressalvas opostas ao seguidismo e ao espontaneísmo. Esposaram-se abertamente o gradualismo, as chamadas reformas de estrutura, os sucessivos governos democráticos e nacionalistas, desprezando-se até mesmo a palavra-de-ordem de reforma agrária radical, orientações estas que encontraram resistência enérgica dos que, em 1962, reorganizaram a vanguarda proletária sob firmes alicerces marxistas-leninistas.
Lênin ligava o reformismo com a questão da hegemonia da classe operária. Para ele, o proletariado somente era revolucionário quando tinha consciência da idéia da hegemonia de sua classe. “O proletariado que tem consciência desta tarefa é um escravo que se rebela contra a escravidão. O proletariado que não adquiriu consciência da hegemonia de sua classe, ou que renega essa idéia, é um escravo que não compreende sua situação de escravo ou, no melhor dos casos, é um escravo que luta por melhorar sua condição de escravo, não, porém, para extinguir a escravidão” (O Reformismo na Social-Democracia Russa).
Princípios propõe-se a estimular o interesse pela teoria, pelo estudo sistemático dos clássicos, incentivando simultaneamente a audácia do pensamento inovador, apoiada nos princípios, pois o marxismo-leninismo não é dogma, mas um guia para a ação e a criação. Pretende fomentar, assim, a pesquisa científica, especialmente na esfera social, considerando a existência de problemas teóricos ainda não de todo esclarecidos no movimento operário brasileiro, ou que reclamam maior aprofundamento, ou, então, vinculados às transformações que se deram, nestes últimos tempos, no Brasil.
Princípios reservará, de igual modo, lugar a questões relativas à História, à crítica literária e artística, bem como a outros temas de valor cultural que possam contribuir para elevar o conhecimento veraz da nossa realidade e revelar novas perspectivas ao progresso social, às transformações que a sociedade brasileira está a exigir. Tudo focalizando, evidentemente, à luz da concepção do mundo da classe operária.
Deste modo, Princípios preenche uma lacuna que se fazia sentir no campo editorial. Certamente, o programa da revista é uma afirmação de propósitos. Sua realização plena será alcançada na medida em que puder superar muitas deficiências, em particular no aspecto material e humano. Ela crescerá com o desenvolvimento teórico e ideológico das forças de vanguarda e com o concurso dos estudiosos dos problemas da emancipação nacional e social de nosso povo.
 
EDIÇÃO 1, MARÇO, 1981, PÁGINAS 5, 6