Em sua célebre obra A Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural, Darwin demonstrou que os animais e as plantas se modificam e se transformam sem cessar, que o aparecimento de formas novas, assim como o desaparecimento das antigas, não é devido a um ato criador de Deus, mas resultado de uma evolução natural e histórica. As pesquisas ulteriores efetuadas em animais e plantas fósseis confirmaram a teoria evolucionista de Darwin e comprovaram que os organismos antigos têm uma estrutura mais simples que a dos organismos recentes e que o homem evoluiu das formas menos complexas às formas mais complexas.

Darwin explicou, em sua teoria, como a variabilidade e a hereditariedade são propriedades dos organismos. As modificações úteis à planta ou ao animal, em sua luta pela vida, fixam-se, acumulam-se e, transmitindo-se por hereditariedade, determinam o aparecimento de novas formas vegetais e animais. Como assinalou Marx, "Darwin assestou um golpe mortal à 'teologia' nas ciências naturais". Isto constituiu grande vitória da interpretação materialista dos fenômenos da natureza.

Não obstante, Marx e Engels consideravam que a doutrina darwiniana continha erros essenciais, notadamente quando afirmava que a luta no seio de uma mesma espécie constituía fator decisivo do fenômeno biológico, dando razão assim à teoria reacionária de Malthus, o malthusianismo. Com efeito, se Darwin pôde demonstrar de maneira irrefutável a origem do homem a partir dos macacos antropóides, ele não soube sair do terreno puramente biológico para dar uma solução completa a este problema. Coube aos fundadores do marxismo resolver cabalmente o problema da origem do homem, ao demonstrar que foi o trabalho e o emprego de ferramentas o que mais contribuiu para separar o homem do animal irracional.

Em sua obra O Papel do Trabalho na Transformação do Macaco em Homem, Engels escreveu: "O trabalho, dizem os economistas, é a fonte de todas as riquezas. E o é efetivamente (…) em conjunto com a natureza que lhe fornece a matéria a ser convertida em riqueza. Mas o trabalho é infinitamente mais importante ainda. É a condição fundamental, primeira, de toda a vida humana e a tal ponto que, num certo sentido, se pode afirmar: o trabalho criou o homem".

O exagero do papel da luta pela vida na evolução dos organismos é um erro básico da teoria de Darwin. Em nome desta luta subsistem as teorias reacionárias e racistas. Sem dúvida, grande foi o mérito de Darwin em ter estudado as raças humanas e constatado entre elas forte semelhança em numerosos aspectos, bem como estreito parentesco pelo sangue. Este estudo conduziu a tirar conclusões científicas de uma comunidade de antepassados da espécie humana, conclusões confirmadas por inúmeras pesquisas posteriores.

"As raças humanas são o resultado do desenvolvimento histórico."

Assim, a teoria de Darwin e a ciência opõem o monogenismo ao poligenismo – teoria da origem do homem a partir de macacos diferentes. A teoria racista do poligenismo perdeu seus apoios principais, e a Declaração Sobre a Raça e os Preconceitos Raciais (UNESCO, Paris, 26.9.77) reconhece:

a) todos os homens que vivem em nossos dias pertencem à mesma espécie e descendem da mesma fonte; b) a divisão da espécie humana em raças é, em parte, convencional e arbitrária, não implica em hierarquia de qualquer ordem que seja. Numerosos antropólogos acentuam a importância da variabilidade humana, mas crêem que as divisões "raciais" têm interesse científico limitado e podem conduzir a uma abusiva generalização; e
c) no estágio atual dos conhecimentos biológicos, não se poderia atribuir as realizações culturais dos povos a diferenças de potencial genético. As diferenças entre tais realizações explicam-se plenamente por sua história cultural. Os povos do mundo de hoje mostram possuir potenciais biológicos iguais, o que lhes permite atingir qualquer nível de civilização. O racismo falsifica grosseiramente os conhecimentos relativos à biologia humana".

Deste modo, a ciência marxista obtém nesse aspecto importante vitória. O trabalho e o uso de instrumentos de trabalho permitiram as modificações físicas no ser humano, o desenvolvimento de sua mão e de seu cérebro, o aparecimento da linguagem falada, que criaram uma distinção essencial entre o homem e os outros animais. A produção material e não os fatores geográficos e biológicos – como tratam de fazer crer os sociólogos reacionários – representou o papel determinante no desenvolvimento do homem que é, em última instância, um ser social.
Com este trabalho, não pretendemos redigir um tratado de antropologia, mas tão-somente fazer uma introdução às realidades econômicas e sociais de Daomé.

"As raças são, para a espécie humana, algo como as variedades em relação às espécies na sistemática zoológica”.

É evidente que o conjunto dos caracteres comuns distintivos do homem indica que todas as raças humanas atuais se encontram num mesmo grau elevado (em relação aos outros animais) de desenvolvimento da sua organização física.
Não se pode negar a existência das raças e as diferenças raciais. As raças humanas são o resultado do desenvolvimento histórico. A influência exercida pelas condições naturais sobre o desenvolvimento das raças humanas está fora de dúvida.

Estas condições naturais de vida, extremamente complexas, têm jogado um papel importante no aparecimento, formação, atenuação e, diríamos mesmo, no desaparecimento dos caracteres raciais. Malgrado sua complexidade, elas não podiam, entretanto, jogar o seu papel com toda a intensidade conhecida no surgimento das espécies vegetais e animais. Com os homens primitivos dispersos na superfície da terra, as condições naturais de vida atuaram com grande intensidade. Concebe-se facilmente que elas perderam progressivamente sua importância devido ao aumento do papel dos fatores sociais. Os fenômenos sociais têm, por conseqüência, anulado, no desenvolvimento do homem, o papel da seleção natural de Darwin, válido para os animais e os vegetais.
As raças são, para a espécie humana, algo como as variedades em relação às espécies na sistemática zoológica.

"(…) desde já devemos rejeitar todas as teorias malthusianistas e social-darwinistas, racistas e reacionárias”.

Cada raça é caracterizada por sua unidade de origem, seu nascimento e sua formação em determinado território. A maior parte dos antropologistas coincide em dividir a humanidade atual em três grandes raças: a europóide, a negróide e a mongolóide que, por seu turno, se decompõem em pequenas raças. Distinguem-se ainda as subdivisões no seio das pequenas raças. E igualmente tipos de origem mista.

É preciso dizer que os agrupamentos raciais se caracterizam por uma forte variabilidade individual, e as demarcações entre as diferentes raças são geralmente intermediárias, assim como a unificação mais estreita do tipo corporal da humanidade e de suas raças. Hoje, pode-se afirmar que não existe em nenhuma parte do mundo "raças puras".

O monogenismo do homem, cientificamente provado, a criação do homem pelo trabalho e o seu desenvolvimento histórico, onde predominam os fatores sociais, reforçam a tese de Marx e Engels segundo a qual as diferenças rácicas serão eliminadas pela evolução histórica da humanidade.
Daomé é um país de 112 mil quilômetros quadrados, na Africa negra, povoado essencialmente de negros, que se dividem geralmente em dois tipos: o sudanês e o guineense. Não é fácil distinguir estes dois tipos na atual população do país, pelas características que se lhes atribui, em conseqüência de seu desenvolvimento histórico (trocas comerciais e culturais, migrações, mestiçagens etc.). As dificuldades de delimitação desses dois tipos provêm igualmente do fato de as populações de Daomé manterem desde longo tempo trocas comerciais e culturais com outros tipos e outras raças (europóide, principalmente portuguesa). Segundo nossa opinião, e nosso conhecimento, as sub-raças na África não têm sido objeto de estudos sérios até agora. Sua classificação esquemática e sua localização comportam larga margem de incerteza. Pelas conclusões a que chegamos, podemos dizer que a população de Daomé é quase exclusivamente negróide. Uma coisa é certa: constitui parte da humanidade (3 milhões de seres) vivendo num território que se desdobra ao longo do Atlântico até o rio Níger.

Se a origem do povoamento de Daomé e de toda a África é ainda questão a ser aprofundada, desde já devemos rejeitar todas as teorias malthusianistas e social-darwinistas, racistas e reacionárias, tanto em antropologia como em sociologia. Para os defensores do social-darwinismo, a luta pela vida aplica-se igualmente às sociedades humanas, disto deduzindo que sobrevivem os indivíduos fortes e bem adaptados enquanto sucumbem os fracos.

As teorias racistas, partindo de pretensa superioridade de certas raças em relação a outras, procuram legitimar a escravidão negra, a opressão colonial e a exploração imperialista dos povos das quais a população de Daomé continua a ser vítima.

A raça negra, em geral, tem sofrido com o racismo, particularmente com o europeu. Mas as outras raças conheceram elas também, esse sofrimento. É bastante citar o exemplo do racismo hitlerista, do qual os povos europeus foram vítimas. O fenômeno racista, se bem que passe, atualmente, por um claro recuo, possui sobrevivências e seqüelas sérias. Teorias confusas lhe servem de ponto de apoio. As noções de raça, de nação, de língua, de cultura são confundidas, assim como os fenômenos biológicos, com os fenômenos sociais. Esta barafunda é extremamente prejudicial, dado que concorrem para transportar as desigualdades no desenvolvimento social para o plano biológico.
Se o racismo está ligado às diferenças biológicas objetivas, às diferenças raciais, devemos dizer que é, antes de tudo, o desenvolvimento desigual das sociedades que o tem engendrado. As teorias racistas são o reflexo deformado das desigualdades sociais no cérebro daqueles que as sustentam. Chega-se mesmo a ouvir de sábios burgueses declarações tais como: "Nós, homens de ciências exatas, somos uma raça à parte". E afirmam tão mísero pensamento com a maior seriedade.

Para nós, comunistas de Daomé, o homem tem um ascendente comum e, biologicamente, atingiu elevado desenvolvimento. Mas a existência das raças é um dado objetivo. O racismo, gerado pelo desenvolvimento desigual das sociedades, das classes e da luta de classes, tornou-se uma chaga da humanidade. Fenômenos sociais como a opressão colonial, a exploração imperialista da qual nossos povos foram vítimas – e continuam a ser – não encontram absolutamente justificativa nas diferenças raciais. As teorias racistas foram inventadas para justificar e eternizar a dominação de alguns povos pelas potências estrangeiras. Estas teorias influenciaram negativamente os povos africanos em geral e os do Daomé, em particular, sendo a causa de alienações diversas do homem e cujos verdadeiros fundamentos precisam ser desvendados para que os possamos eliminar.

Desmascarando de todas as formas o racismo, pretendemos situar e resolver os problemas reais da sociedade daomeense, certos de que, sem complexos, daremos nossa contribuição à libertação da humanidade, da existência de classes, da luta de classes e de toda a alienação.
 
* Extratos do documento Introdução às Realidades Econômicas e Sociais do Daomé – NBE, Paris.

EDIÇÃO 2, JUNHO, 1981, PÁGINAS 38, 39, 40