A Situação Econômico-Política do Rio Grande do Sul
Embora recém-começada, a atual crise econômica, devido a suas proporções, é a mais grave da história do Brasil.
Seus reflexos no Rio Grande do Sul são sentidos praticamente em todos os setores da economia, com repercussão em nível nacional, pelo peso do estado no conjunto da economia brasileira.
O entendimento da real dimensão da crise, de sua extensão, de sua evolução e conseqüências econômico-sociais ficará por demais limitado se não for compreendido o que é a estrutura econômica riograndense, bem como as transformações que nela se verificaram.
Apesar de o Rio Grande do Sul ser um dos 5 principais pólos industriais do país, o conjunto de sua economia se assenta em grande parte no setor agropecuário, tanto em nível de produção como de ocupação de mão-de-obra, pelo menos em termos relativos. Quanto ao número de trabalhadores, por exemplo, estatísticas oficiais indicam que, em 1972, a agropecuária empregava 48% da mão-de-obra ocupada no estado, somando 1.365.219 pessoas, num total de mais de 2 milhões e 800 mil empregados. Era o setor que, segundo as mesmas fontes, proporcionalmente, mais vinha absorvendo mão-de-obra até 5 anos atrás.
Contudo, contrariamente à indústria, a agropecuária é a parte da economia gaúcha com menos assalariados, apesar de ter o maior índice de ocupação de mão-de-obra, comparado com os dos setores secundário e terciário. Em 1972, apenas 14,5% dos que trabalhavam no campo percebiam salário, o que é explicado pela realidade da estrutura de produção do setor, onde é maciça a participação do trabalho familiar em minifúndios. Conforme indicaram dados preliminares, em 1978 esses minifúndios (74,3% das propriedades agrárias) ocupavam tão somente 21% da área rural do estado, contra 69% da área ocupada pelos latifúndios (compreendendo cerca de 15 milhões de hectares) distribuídos entre apenas 21% das propriedades rurais. No tocante às transformações ocorridas, pode-se dizer que as de maior peso foram o fomento e direta subordinação do setor agrícola, até certo ponto moderno, e de ramos industriais ao modelo econômico exportador do regime militar.
As transformações por que passou a agricultura têm levado à crescente e premeditada secundarização da produção de gêneros alimentícios. É de se citar, por exemplo, o que ocorre com a cultura do feijão preto: de uma área cultivada de quase 260 mil hectares, em 1970, que produziu pouco mais de 245 mil toneladas, passou o Rio Grande a cultivar, em 1977, um total de 175 mil hectares com uma produção de 109 mil toneladas, chegando à condição de importador para atender ao consumo interno, estimado em 180 mil toneladas. A safra de 1980-81 deu-se em maior superfície plantada – 227 mil hectares – mas, em face da baixa produtividade, a colheita não passou de 128 mil toneladas.
Com outras culturas alimentícias verifica-se o mesmo fenômeno. O trigo, segundo estatísticas do governo, teve uma área semeada, na última safra, 33% inferior à de sete anos atrás. Já a soja, produto de exportação, registra situação inversa, expandiu-se. De 300 mil hectares plantados em 1962-63, passou a explorar 4 milhões de hectares na safra de 1979-80.
"Os preços disparam, privando milhares de famílias de trabalhadores do consumo de alimentos”.
A conseqüência mais sentida desse processo tem sido a constante redução da oferta de gêneros alimentícios de origem agrícola e o aumento de seus preços. Nas condições atuais de crise, quando passam a influir novos e mais danosos fatores, os resultados aparecem com maior virulência. Os preços disparam, privando milhares de famílias trabalhadoras do consumo de alimentos na quantidade necessária.
Com o avanço da crise em que o regime militar mergulhou o Brasil, esta realidade desponta ainda mais sombria, pois os déficits na balança comercial e as crescentes somas exigidas para o pagamento de juros e "amortizações" da sempre mais elevada dívida externa levam o governo dos generais, preso a uma lógica reacionária, a não tocar em seu imutável "modelo exportador", do qual, como já foi dito, setores da economia riograndense são um componente.
Junta-se a isto outra característica, igualmente saliente: a existência, no estado de um parque industrial cujos ramos mais importantes estão em função da agricultura da região (transformação de produtos agrícolas, produção de máquinas e implementos para a lavoura e a pecuária, de fertilizantes e defensivos contra pragas e da exportação para outros pontos do país e para o exterior). Significa dizer que o desempenho desta indústria está na dependência da conjuntura nacional e da do mercado internacional.
Objetivamente, nessas circunstâncias, a exploração capitalista sobre a classe operária aumenta nesse setor sempre que a conjuntura lhe é adversa, como nas condições atuais de crise do capitalismo brasileiro e internacional. Portanto, a contradição fundamental da sociedade capitalista – entre o proletariado e a burguesia – tende a aparecer com maior força, criando melhores possibilidades para que a classe mais revolucionária de nossa sociedade – a classe operária – compreenda a real natureza opressora do capitalismo e o profundo antagonismo existente entre as duas classes.
Esta é uma das transformações ocorridas e que tem um forte peso no momento presente para os destinos da luta de classes do proletariado. "Surgiu, outrossim, uma burguesia agrária, boa parte dela comprimida entre latifundiários (…) e as multinacionais monopolizadoras do comércio externo e da produção de fertilizantes e defensivos agrícolas”.
Na área da economia agrícola, sua adequação ao mercado externo trouxe alterações expressivas na estrutura social do Estado. No plano das classes dominantes, o monopólio da terra tem-se reforçado e seus detentores, os latifundiários, só fazem enriquecer, seja do ponto de vista patrimonial (passaram a contar com maiores extensões territoriais), seja economicamente, a partir dos elevados lucros obtidos com o arrendamento da terra e de outras formas de especulação. Surgiu, outrossim, uma burguesia agrária, boa parte dela comprimida entre os latifundiários – a quem paga elevados preços pelo aluguel do chão que cultiva – e as multinacionais monopolizadoras do comércio externo e da produção de fertilizantes e defensivos agrícolas, largamente privilegiadas pela política do regime militar, inclusive nestes momentos de crise.
"Nessas filas concentra-se hoje um grande contingente de trabalhadores e massas populares revoltados por não terem emprego ou serem subempregados, percebendo uma renda miserável”.
Por outro lado, milhares de pequenos e médios proprietários têm sido desapropriados de suas glebas, gerando crescente êxodo para os principais centros urbanos, notadamente a Grande Porto Alegre, e para fora do estado. Com isso, o problema da terra foi agudizado, mantendo na ordem-do-dia, com mais vigor, a luta pela reforma agrária radical. Surgiu ainda uma massa considerável de assalariados agrícolas permanentes, calculada em torno de meio milhão de pessoas, reforçando o exército dos proletários urbanos, e de assalariados temporários, submetidos a uma exploração intensa e em crescimento contínuo.
Como consequência do êxodo rural, as vilas populares nos principais centros urbanos multiplicaram. Basta dizer que a população da região metropolitana de Porto Alegre (excetuando a capital do estado) cresceu 74%, entre 1970 e 1980. Nessas vilas concentra-se hoje um grande contingente de trabalhadores e massas populares revoltados por não terem emprego ou serem subempregados percebendo uma renda miserável, por morarem em condições precárias, terem transporte deficiente, não contarem com o atendimento médico necessário e assim por diante. Nessas vilas, o proletariado conta com importante força de choque vivamente interessada em combater, ao lado da classe operária, dos trabalhadores rurais e dos democratas, pela imediata derrocada do regime militar.
''Este ano, segundo dados oficiais, o custo de vida em Porto Alegre subiu mais que em outras capitais do país, comparativamente ao ano passado”.
A crise do mundo capitalista – que nos golpeia fortemente devido à dependência da economia brasileira ao mercado externo, à submissão do regime militar ao capital internacional e à política reacionária, antipopular, dos generais, responsável pela pesada situação econômica a que o Brasil foi conduzido – penetra nas mais diversas esferas da economia gaúcha, gerando problemas em cadeia que são descarregados sobre os ombros do povo trabalhador.
A crise é generalizada, vai dos déficits orçamentários do estado ao aumento do desemprego. Na agropecuária, por exemplo, não só aumentaram vertiginosamente os preços dos gêneros alimentícios, como foi atingida a indústria de máquinas e implementos agrícolas, reduzindo a produção e ampliando o número de desempregados. Este ano, segundo dados oficiais, o custo de vida em Porto Alegre subiu mais que em outras capitais do país, comparativamente ao ano passado. Nos primeiros quatro meses de 1981, a média de aumentos em nove capitais foi de 29,09%, enquanto em Porto Alegre atingiu 31,12%. Nos últimos 12 meses (até maio), o índice para aquelas capitais ficou em 108,4%, ao passo que na capital gaúcha alcançou 123% no mesmo período. A produção de suínos reduziu-se em 40%, estando prevista uma maior queda determinada pela crise do setor. Os criadores de ovelhas, por sua vez, estão às voltas com enormes dívidas, o mesmo ocorrendo com os rizicultores e os sojicultores, sendo que os pequenos e médios proprietários formam a massa mais atingida. A participação, em divisas, das exportações gaúchas no total do país, tem-se reduzido, caindo de 14,4%, em 1976, para 10%, em 1980. A venda de tratores –setor industrial ligado diretamente à agricultura – caiu 39,2% no primeiro semestre deste ano. As falências de empresas dobraram no Rio Grande do Sul: 49, no período de janeiro a maio de 1980, contra 84 no mesmo período do ano em curso. O desemprego industrial cresce significativamente na região metropolitana de Porto Alegre e em Caxias,
onde se estima que mais de 5 mil metalúrgicos, numa categoria de 25 mil, perderam o emprego.
"(…) O reacionarismo da política antipopular do regime militar e a crise econômica pioram as condições de vida do povo trabalhador”.
Se, por um lado, o reacionarismo da política antipopular do regime militar e a crise econômica pioram as condições de vida do povo trabalhador, por outro, aumentam, invariavelmente, os antagonismos de classes e trazem as massas para a luta social, política e econômica. Este ano, tivemos dezenas e dezenas de movimentações de protesto na capital e no interior do estado, mobilizando trabalhadores de diversas categorias profissionais na luta por seus direitos, além das manifestações de descontentamento dos estudantes contra a má qualidade do ensino.
EDIÇÃO 3, NOVEMBRO, 1981, PÁGINAS 28, 29, 30, 31