Nos últimos dias do mês de maio um grupo de navios da marinha de guerra soviética, que cruzam o Mediterrâneo, foi recebido com todas as honras no porto iugoslavo de Dubrovnik. Era a terceira visita, no ano em curso, de barcos de guerra soviéticos. No ano passado efetuaram cinco visitas em quatro portos desse país. Também a frota norte-americana do Mediterrâneo fez o mesmo número de visitas à Iugoslávia.

Tentando diminuir o efeito negativo dessa presença militar, a agência Taniug anunciou, a 26 de maio, que as equipagens dos navios soviéticos teriam ido a Dubrovnik "visitar os monumentos culturais e históricos da cidade".

Contudo, as pessoas não são assim tão ingênuas. Todos sabem que os navios soviéticos não foram ao Mediterrâneo e ao Adriático com o objetivo de contemplar monumentos culturais nem para distribuir confeitos.

As frotas militares são bases móveis, tanto quanto as outras bases militares fixas das superpotências. Elas deslocam-se nos mares visando à terra. O mar serve apenas de acesso aos lugares escolhidos por seus fuzileiros navais.

Os iugoslavos costumam apresentar seu país como "à margem dos blocos". É fato, porém, que aceitam em suas águas territoriais e acolhem nos seus portos as bases flutuantes desses
blocos. A Iugoslávia exprimiu suas preocupações a propósito da intervenção soviética na Tchecoslováquia e no Afeganistão. Ainda há pouco manifestou igualmente inquietude face a uma eventual interferência da União Soviética na Polônia. De tais fatos surge a questão: essas preocupações são simples manobras ou correspondem à realidade? Como inquietar-se com quem entra pela janela enquanto deixa a porta aberta? De uma parte, denota preocupação pelas intervenções e ocupações soviéticas em diferentes países, de outra parte, convida a entrar em seus portos as frotas militares do Mediterrâneo que perseguem os mesmos fins! Não é verdade que os barcos militares da União Soviética nesse mar são parte integrante do mesmo exército que ocupa outros países?

Os dirigentes da Iugoslávia demonstram grande vigilância e protestam com toda seriedade oficial contra um balão das crianças de Tirana conduzido pelo vento além das fronteiras, mas ao mesmo tempo, em suas cidades costeiras, flertam e são gentis com os invasores da Tchecoslováquia e do Afeganistão. Acusam a Albânia de ameaçar a paz nos Bálcãs e na Europa por ter publicado em Zéri i Popullit certo número de artigos de apoio às reivindicações inteiramente legítimas dos albaneses de Kossovo. Porém, as pessoas munidas de uma lógica sã se perguntam: por que eles se mostram tão hospitaleiros com os porta-aviões do social imperialismo soviético que percorreram milhares de milhas para aproximar-se da costa da Albânia? Ou isto será uma expressão da política do "não-alinhamento”? As visitas e a permanência de esquadras soviéticas nos portos iugoslavos tornaram-se um fato militar que ameaça diretamente a segurança dos povos que habitam a costa do Adriático, assim como os Bálcãs e, em certa medida, a Europa central. Na prática, os soviéticos criaram uma base militar de grande potência no plano estratégico e tático. Mesmo sem maiores conhecimentos militares, é fácil compreender o papel dessa frota no Adriático, seja em tempo de paz, seja no caso de um conflito localizado ou de grandes dimensões. Não é necessário possuir muitos conhecimentos políticos para se dar conta de que a presença da esquadra soviética nos portos iugoslavos e os serviços que ali recebe efetuam-se nos termos de um acordo concluído entre Moscou e Belgrado.
Ao longo da história, o Adriático tem sido a via natural das caravanas marítimas ligando a Europa Central com o Oriente. É isto que explica por que durante a Primeira Guerra Mundial, assim como no curso da Segunda, o bloqueio e o desbloqueio do canal de Otrante foi uma das maiores preocupações das partes beligerantes. Mas a importância do Adriático, enquanto via marítima das mais valiosas da Europa, aumentou ainda mais na época atual uma vez que os portos da costa italiana descarregam a maior parte do petróleo transportado pelos oleodutos para os mercados austríacos, alemães etc. O ataque a esses centros de ligações vitais é uma das tarefas primordiais do Almirantado soviético que as atribui à sua frota do Mediterrâneo. Ela pode atacar também a rota do petróleo destinado ao Ocidente, em caso de conflito, à saída do canal de Suez ou em alto-mar, mas para o Almirantado é mais fácil cortá-la próximo do litoral italiano, pois seus vasos de guerra podem abrigar-se nos fiordes da costa montenegrina.

"A ocupação dos portos albaneses de Vlora e Durres inscreve-se no vasto plano de agressão da frota soviética”.

O bloqueio do canal de Otrante, bem como o ataque e a destruição dos portos italianos e a ocupação dos portos albaneses, principalmente de Vlora e Durres, inscrevem-se no vasto plano de agressão da frota soviética no Adriático, objetivo para o qual os hegemonistas grão-sérvios contribuem generosamente.

Mas o que se precisa saber não são tanto as vantagens, de todo evidentes, tiradas pelos soviéticos desse acordo, e sim as garantias e promessas que o Kremlim forneceu aos seus parceiros sérvios neste complô, a entente secreta e os planos urdidos contra os povos da zona do Adriático e do Mediterrâneo.

O acesso ao Adriático tem sido o grande sonho estratégico dos czares russos e dos krails sérvios. Isto é também um dos elementos fundamentais que determinam seus laços e colaboração no passado. Com efeito, a expansão da Sérvia para o mar é parte constituinte do plano de expansão russa para os mares de água quente. A ajuda e o apoio que a Rússia concedeu à Sérvia em todas as épocas, a fim de que ampliasse o seu território, têm feito desse país um poderoso bastião russo nos Bálcãs e representa um perigo permanente para os seus vizinhos eslavos e não-eslavos em nossa península. Intentando sustentar os territórios por ela usurpados e impulsionar mais ainda sua expansão territorial, a Sérvia foi sempre compelida a pedir a proteção do czar de todas as Rússias e defensor de todos os eslavos.

Certamente os tempos são outros. Mas a mentalidade chauvinista, as concepções geopolíticas não mudaram nem em Moscou, nem em Belgrado entre os nacionalistas sérvios.
Os povos de todo o mundo que odeiam a guerra imperialista e lutam contra o desencadeamento de um novo conflito mundial não podem assistir sem inquietude ao genocídio e às perseguições perpetradas pelos grão-sérvios contra os albaneses que vivem em Kosovo e em outros lugares da Iugoslávia, bem como suas calúnias contra a República Popular Socialista da Albânia. Os povos vêem que esses atos dos grão-sérvios, cuja pressão, aparentemente, é hoje preponderante na política exterior da República Federativa Socialista da Iugoslávia não são devidos a atos de "irredentistas" e de "contrairredentistas", de "revolucionários" e de "contra-revolucionários". Fazem parte do complô silencioso que visa à República Popular Socialista da Albânia, fortaleza invencível da luta contra o revisionismo imperialista soviético, e aos albaneses que habitam a Iugoslávia. São não apenas fator importante de estabilidade da Federação iugoslava, como também sério obstáculo ao assalto soviético-búlgaro que ameaça os próprios povos da Iugoslávia, da República Popular Socialista da Albânia e de outros países. A polêmica iugoslavo-búlgara, a propósito da questão da Macedônia, que ora se eleva, ora se ameniza, é um subterfúgio que serve para manter aberto o corredor de Vardar e de Kosovo, tendo em vista um eventual ataque soviético nos Bálcãs. Se as pessoas se detêm por um momento que seja sobre esse ponto e procuram refletir no intuito de saber quem lucra na Iugoslávia com a presença da frota soviética nos portos de Split, Dubrovnik, Kotor e Tivar chegarão logicamente e sem qualquer dúvida à conclusão de que são os círculos chauvinistas sérvios, tanto os que se encontram no poder; como os que a ele aspiram chegar. Atualmente, só esses círculos têm necessidade de um apoio militar estrangeiro a fim de realizar seus objetivos no plano interno e no externo.

Ninguém põe em dúvida que com a morte de Tito se travou uma luta pelo poder entre a República da Sérvia e as da Croácia e Eslovênia. Esta luta era não somente previsível mas também considerada inevitável. Ainda quando vivia o marechal Tito, os presidentes daquelas Repúblicas tratavam de ocupar posições vantajosas para a batalha futura. Os croatas-eslovenos utilizavam como arma de defesa a autogestão, criaram economias distintas, relativamente independentes do centro, fusionaram seus capitais com os do Ocidente, lutaram no sentido de aprovar leis e inaugurar práticas suscetíveis de lhes assegurar certa independência econômica internamente e no exterior. De seu lado, a Sérvia manteve suas fortalezas tradicionais – o exército, a segurança pública, a diplomacia e o aparelho burocrático central.

Impotente para frear o desenvolvimento destas tendências, Tito não achou outro caminho para prolongar ao máximo a existência do que ele havia criado, senão exigindo pretensas presidências colegiadas da Federação Iugoslava e do Comitê Central da Liga dos Comunistas Iugoslavos, instâncias essas onde cada um dos representantes das diversas Repúblicas procurava tirar tudo que podia para os seus e nada deixar para os outros .

Nesta luta entre os dois clãs principais, quando o clã sérvio decidir tomar conta do poder em Belgrado e enviar o seu exército a Zagreb e a Liubliana (capitais das repúblicas croata e eslovena), pois já o fez em Prishtina (capital da região de Kosovo), então a frota soviética constituirá fator fundamental; no dia D ela deverá encontrar-se "em visita" a Split, a Dubrovnik e Tivar, de onde seus fuzileiros navais em formação• regular e disciplinados contemplarão plenos de admiração e de veneração as torres venezianas da Raguse antiga ou as fortalezas pitorescas dos príncipes montenegrinos. Sem dúvida, os portos iugoslavos podem ser visitados também pelas naves de guerra norte-americanas, que poderiam ajudar o clã croata-esloveno a se opor àquela marcha dos sérvios. Em todo caso, neste jogo há certas regras e determinados detalhes que é preciso ter em conta. Em princípio, as entradas dos portos iugoslavos e os portos mesmos são bastante estreitos para receber duas esquadras ao mesmo tempo, sem contar com o fato de que tais esquadras não aceitam ser simultaneamente hóspedes de seus amigos comuns. Além disso – e é o essencial – será o Estado-Maior do exército iugoslavo quem decidirá o momento de pôr em marcha suas tropas e quem fixará a época da visita de cada um dos seus "amigos" e quais os que devem chegar em primeiro lugar.

"Na atualidade, apesar das múltiplas pressões de parte das outras repúblicas, cerca de 70% dos quadros do exército iugoslavo são de nacionalidade sérvia”.

A composição do exército iugoslavo e sobretudo os quadros dirigentes são motivo de disputas há longo tempo entre sérvios e croatas-eslovenos. Desde a sua criação, ele tem sido praticamente dirigido pelos sérvios, sejam os que vivem na Croácia, na Bósnia e na Herzegovina, Vaivodina ou no Montenegro. A fim de preservar o seu caráter, os alunos das escolas militares são escolhidos em grande parte nas regiões da Sérvia. Na atualidade, apesar das múltiplas pressões de parte das outras repúblicas, cerca de 70% dos quadros do exército iugoslavo são de nacionalidade sérvia.

Quando se fala de forças filo-soviéticas na Iugoslávia entende-se, em primeiro lugar, os altos escalões do exército e depois os diversos quadros da República da Sérvia. Desde a época da ascensão de Kruschev ao poder, mesmo nos períodos mais difíceis das relações soviético-iugoslavas. como no caso da agressão russa à Tchecoslováquia, em 1968, os generais sérvios e montenegrinos jamais cessaram de intensificar os contatos com o exército soviético. Esses contatos foram reforçados antes de mais nada através da compra de armamentos de origem russa, armamento que ocupa lugar proeminente nos equipamentos do exército iugoslavo. Atualmente, metade da aviação militar da Iugoslávia, sua força principal, é de procedência soviética, pois os aviões importados dos Estados Unidos e do Ocidente, tornaram-se obsoletos. A imensa maioria dos carros de combate provém daquela origem, sem citar os mísseis e outras armas modernas de defesa antiaérea que chegam das usinas do Ural. A artilharia terrestre e marítima é, em grau considerável, de produção soviética. A Iugoslávia obteve igualmente da URSS numerosas licenças para a fabricação de diversas armas.
Além da troca de pontos de vista e de experiências com seus homólogos soviéticos, os generais iugoslavos não deixam de passar suas férias nos sanatórios do Exército Soviético na Criméia e noutras estações climáticas. Os croatas e eslovenos esforçaram-se de todas as formas por frear e paralisar esta orientação pró-soviética do clã dominante sérvio no exército iugoslavo, mas nada conseguiram.

Todos esses fatos evidentes indicam dois fatores determinantes na evolução dos futuros acontecimentos políticos na Iugoslávia. Primeiro: existe um acordo de cooperação e de ajuda recíproca entre o clã sérvio e a União Soviética no domínio militar, que se concretiza na presença quase permanente da frota soviética nos portos iugoslavos, no fornecimento de armamento moderno soviético ao exército iugoslavo, na colaboração entre os Estados-Maiores dos dois exércitos. Segundo: o exército iugoslavo é iugoslavo apenas no nome, pois de fato é um exército sérvio como demonstra sua atuação em Kosovo. Presentemente, ele representa a única força política organizada. A Liga Comunista, a Liga Socialista, a Skupstina, a Presidência e outros organismos sociais e estatais jogam um papel de segunda ou terceira ordem.

As presidências colegiadas, da cúpula aos níveis inferiores da hierarquia do Estado e do Partido mudam sem cessar, o que as impede de fixar-se e de exercer seu poder. Enquanto isso, os Estados-Maiores militares e políticos sérvios são os únicos não atingidos por essa incessante rotação. Se eles ainda não ditam inteiramente a lei na Iugoslávia de hoje, ditá-la-ão, amanhã com a ajuda dos soviéticos.

A comédia tão bombasticamente apregoada por Belgrado a propósito da sua pretensa política de não-alinhamento e suas críticas tímidas e cheias de delicadeza, com respeito ao perigo soviético não passam de um blefe total. Sua finalidade é esconder o complô tramado e cada vez mais aperfeiçoado entre o clã grão-sérvio e os social-imperialistas soviéticos, complô que visa os povos da Iugoslávia, da Albânia, dos Bálcãs e de toda a Europa.
 
* Este artigo foi publicado em 1º-07-1981 em Zéri i Popullit (“A Voz do Povo”), órgão central do Partido do Trabalho da Albânia.

EDIÇÃO 3, NOVEMBRO, 1981, PÁGINAS 21, 22, 23, 24