Nunca na história do Brasil dos últimos cento e cinquenta anos foram tão graves os problemas do país no tocante à dominação estrangeira. A "independência" e a "soberania nacional" da versão oficial escondem, de fato, uma profunda e extensa presença do imperialismo, em particular o norte-americano, em todos os aspectos da vida econômica, política e social brasileira.

Essa é uma das principais conseqüências do regime dos generais reacionários implantado com o golpe de abril de 1964. Utilizando a supressão das liberdades políticas, toda uma legislação de exceção e o terror fascista – perseguindo as organizações da classe operária e do povo prendendo e assassinando seus líderes, democratas e patriotas – os militares visaram a criar as condições para impor à nação o decantado "modelo de desenvolvimento econômico", que nada mais é do que um plano elaborado em conjunto com o capital financeiro internacional para se apoderar das riquezas do país e explorar ferozmente o povo trabalhador.

É certo que já em 1964 o imperialismo tinha papel importante na economia brasileira. Mas é a partir de então que esse papel assume predominância. Utiliza formas de exploração mais intensas, em especial os empréstimos a juros elevadíssimos. Ocupa setores estratégicos como as grandes reservas minerais e enormes extensões territoriais na Amazônia. Associa-se vantajosamente com o Estado e com grupos monopolistas nacionais, desnacionalizando a empresa nacional. Investe prioritariamente nos ramos mais dinâmicos da Indústria de Transformação. E, embora o país se tenha desenvolvido nesse período, tal desenvolvimento nada tem a ver com as necessidades da nação. Transformou, isso sim, nossa economia em apêndice das economias dos centros imperialistas internacionais, em peça da engrenagem do sistema capitalista-imperialista mundial. Submete de fato a nação sob uma nova forma de colonização – o neocolonialismo. O "modelo" elevou às nuvens o endividamento externo do país, que constitui importante papel espoliador de nossa economia. Segundo dados do Banco Central, de um total de 2,6 bilhões de dólares de dívida externa em 1961, o país passou a dever aos banqueiros internacionais, em 1970, US$ 5,25 bilhões; em 1975, US$ 21,5 bilhões; e, em 1980, 53,9 bilhões de dólares. Ou seja, aumentou dez vezes a dívida nos dez anos entre 1970 e 1980. Nos dias de hoje chega a 70 bilhões de dólares, quase três vezes o total das exportações de 1981. Representa importante parcela do PIB nacional. O país paga as mais altas taxas de risco ("Spread") no mercado financeiro internacional. O serviço da dívida impõe pesado ônus à nação. Enfim, o país entrou no círculo vicioso de contrair novos e vultosos empréstimos para pagar os compromissos anteriores. Suas reservas em divisas caíram relativamente e desequilibrou-se de maneira crônica seu balanço de pagamentos.

A INTEGRIDADE E A SOBERANIA NACIONAL AMEAÇADAS

"A impressão tida ao examinar um mapa (a localização dos imóveis estrangeiros) é a da formação de um cordão isolando a Amazônia do resto do país". Esta frase – pronunciada pelo insuspeito coronel Haroldo Veloso, o da rebelião de Jacareacanga, na CPI da venda de terras brasileiras a estrangeiros – dá bem uma amostra do quanto é grave e alarmante a ameaça à integridade territorial do país. Em que pesem as dificuldades em obter dados, verifica-se que aumentou intensamente na década de 1970 a posse da terra por estrangeiros, e a sua concentração. Pelo Recadastramento do Incra de 1976, as pessoas jurídicas estrangeiras (com 51% ou mais de capital estrangeiro) detinham 4.712.481 hectares da área total dos imóveis rurais do Brasil. E quase 90% dessas terras estavam sob domínio de apenas 43 grandes empresas! Cada uma delas, portanto, com área média de 100 mil ha. e representando, em conjunto, quase 10% da área total dos 332 imóveis rurais com mais de 50 mil ha.
A afirmação do coronel Veloso, já citada, é procedente. Em 1970, 36% da área pertencente às pessoas jurídicas estrangeiras se encontravam na Amazônia. Em 1976, esse total ia a 54%. Possuem 36,6% da área dos imóveis do Território do Amapá e nada menos que 4,6% da área ocupada do estado do Pará!

No entanto, esses dados ainda não dizem tudo. É sabido que as empresas estrangeiras utilizam "testas-de-ferro" para adquirir as propriedades; ou, ainda, driblando a legislação sob a supervisão do governo, registrando-as pura e simplesmente como pessoas jurídicas nacionais, como é o caso, por exemplo, do grupo Brascan. Assim, já em 1968, o IBRA relacionava propriedades de pessoas físicas e jurídicas estrangeiras com uma área total de 12.943.947 ha., correspondente a mais da metade do estado de São Paulo e mais do que a soma das áreas de Rio Grande do Norte e Paraíba.
Todo esse processo foi subsidiado por isenção de impostos, benefícios fiscais e empréstimos fornecidos por bancos oficiais brasileiros. Além disso, nessas propriedades mantiveram-se ociosas terras aproveitáveis em proporção maior que nas propriedades não estrangeiras. A tendência claramente expressa desses investimentos é constituir imensas reservas para a especulação futura.
Esse fenômeno relaciona-se também com interesses de dominação de áreas ricas em minerais. Na década de 1970 aumentou o número de requerimentos para pesquisa mineral pelas grandes companhias estrangeiras. Elas utilizaram o expediente de fazê-lo através de pequenas empresas representantes, procurando com isso assegurar o domínio de áreas estratégicas, reservando-as para exploração quando lhes convier.

É evidente o atentado à soberania nacional patrocinado pelo regime. Os grandes grupos estrangeiros sentem-se à vontade para pressionar a abertura do monopólio estatal do urânio; disputam a exploração de carvão mineral e do xisto betuminoso no Sul; preparam-se para assaltar as imensas reservas de Carajás etc. Enquanto isso, o país necessitava importar, em 1980, 70% dos minerais consumidos. A produção mineral constitui apenas 2% do PIB. O modelo "tripartite" de exploração – associação entre o Estado, grupos privados nacionais e estrangeiros – serve apenas de sustentáculo aos imperialistas, pois com exceção do ferro, onde o estado detém 56% da exploração, mas da metade da produção mineral do país pertence a grupos estrangeiros, não computada a exploração do petróleo. Nos metálicos não-ferrosos essa porcentagem chega a 61% e nos não-metálicos (excluído o carvão) a 85%. O ouro é disputado pelos grupos Cominco, Goldfields e Anglo American. As reservas de bauxita estão divididas entre Alcoa, Alcan, Ludwig, Rio Tinto Zinc, Pechiney, Kayser e Reynolds. O alumínio é dominado pela Alcan, Alcominas e o grupo monopolista nacional Votorantin. O grupo Penarroya (Cobrac e Plumbum) detém praticamente 100% da exploração do chumbo. E assim por diante.

O SETOR INDUSTRIAL E DE SERVIÇOS

Os investimentos estrangeiros no país, segundo o IBGE, eram de 1,7 bilhão de dólares até dezembro de 1968. Em julho de 1974, o total já alcançava 5,1 bilhões de dólares, havendo portanto um crescimento de 201% nos cinco anos e meio aí considerados. Em dezembro de 1979, após mais um período de cinco anos e meio, esse montante ia a 16 bilhões de dólares, cravando mais um aumento de 213%. Quer dizer, a cada cinco anos e meio o capital estrangeiro triplicou sua entrada em nosso país, na década de 1970.

Os investimentos norte-americanos sempre predominaram no conjunto, com algo em torno de 30% do total; seguem-se os capitais da Alemanha Ocidental, com cerca de 12%; Japão e Suíça, com cerca de 10% cada e outros países da Comunidade Econômica Européia – Inglaterra, França, Canadá, Bélgica etc. – com menos de 5% cada.

A grande maioria desses investimentos concentra-se na Indústria de Transformação – 76% do total. Desses, até dezembro de 1979, 19,3% foram investidos no ramo da química, 17% no de material de transporte, 12,2% no de mecânica, 11% no de material elétrico e de comunicação e 11% no de metalurgia. Dessa forma, os cinco ramos aí considerados concentram 70% do capital estrangeiro investido na indústria de transformação, ou seja, mais de 50% de todo capital estrangeiro investido no país até dezembro de 1979!

Esses ramos são justamente os básicos e dinâmicos da indústria. Apresentaram no período os mais altos índices de crescimento. Dominando-os, o capital estrangeiro estende também o domínio sobre o conjunto da indústria. Assim é que, por exemplo, nos ramos de material de transporte, material elétrico e de comunicações e mecânica – que entre 1966 e 1973 apresentaram taxas de crescimento superiores a 15% ao ano – a participação das multinacionais é de respectivamente 96%, 76% e 74%.

Em 1979, entre as 500 maiores empresas privadas do país, 160 eram estrangeiras, assim distribuídas: 67 dos EUA, 22 da Alemanha Ocidental, 13 da Holanda, 10 da Itália, 10 do Japão, 9 da Suíça, 8 da Inglaterra etc. As dos Estados Unidos concentravam 20% do total das vendas das 500 maiores e as 160 estrangeiras detinham quase 50% das vendas das 500 maiores. Nesse mesmo ano, classificando as 20 maiores empresas de cada ramo, por vendas, eram dominados pelo capital estrangeiro: máquinas e equipamentos, material de transporte, autopeças, eletroeletrônico, têxtil, bebidas e fumo, plásticos e borracha, higiene e limpeza, distribuição de petróleo, farmacêutico e automobilístico. Além desses, mostrou na década grande expansão no setor de serviços (bancos, supermercados, magazines, comércio atacadista etc.) e não é desprezível sua participação nos demais ramos.

As multinacionais são verdadeiras sanguessugas das riquezas produzidas por nossa classe trabalhadora. As divisas aportadas são migalhas comparadas às remessas de lucros às suas matrizes, às isenções e aos benefícios fiscais de que se beneficiam, aos contratos fraudulentos com as matrizes sob a aparência de assistência técnica. Elevam a nossa dívida externa e oneram pesadamente o balanço de pagamentos. Exploram ferozmente a mais-valia dos operários, auferindo vultosos lucros. Deformam a economia do país, impondo-lhe um padrão de desenvolvimento de acordo com seus interesses de rapina.

“Em 1981, o Dieese mostrou que a mais-valia na VW chegou a 900%. O lucro líquido por veículo, na base de Cr$ 300 mil por unidade, foi de Cr$ 20 mil”.

Considerando 11 multinacionais selecionadas desde o início de sua atuação no país até dezembro de 1974, verifica-se que investiram aproximadamente US$300 milhões, remetendo suas matrizes, apenas entre 1964 e 1974, US$ 775 milhões. Assim:

Tabela p. 21

Além disso, através de manobras financeiras, estas empresas obtêm lucros muitas vezes superiores aos conseguidos em suas operações normais (são os chamados lucros não
operacionais), como constata o quadro do balanço financeiro de 3 grandes multinacionais em 1974/1975:

Tabela p. 21

Verifica-se também que as multinacionais têm grande peso no endividamento do país com o exterior. A filial brasileira da Volkswagen, por exemplo, contabiliza os fornecimentos de peças, matérias-primas etc., como empréstimos obtidos no exterior, portanto, remunerados com juros, com redução de lucros nominais e conseqüentes benefícios fiscais, além de outras vantagens. Mesmo assim, os lucros da VW do Brasil foram de 331 milhões de cruzeiros em 1976. Em 1981 o Dieese mostrou que a mais-valia na VW chegou a 900%. O lucro líquido por veículo, na base de Cr$ 300 mil por unidade, foi de Cr$ 20 mil.

O quanto isso onera também o balanço de pagamentos do país nos dá uma idéia (artigo publicado pela Folha que S.Paulo de 25-01-1978): segundo dados confidenciais do governo, em 1976, 57% do déficit da balança comercial eram de responsabilidade das multinacionais, que importaram 2 bilhões de dólares a mais que exportaram. Esses dados referem-se às 345 multinacionais existentes entre 616 maiores empresas do país nessa data.

“No ramo automobilístico, onde o país figura como 9º produtor mundial de veículos, todas as montadoras são multinacionais”.

Para finalizar, vejamos alguns dados setoriais para a indústria.
No ramo siderúrgico, o maior grupo privado estrangeiro é a Mannesmann, da Alemanha. Segundo o Guia Interinvest/70, o grupo envolvia no país 3 empresas de mineração, empresas de construções tubulares e hidráulicas, além de siderúrgicas. A Siderbrás, holding do governo com participação de 64% no ramo, em 1979, está associada com a Kawasaki Steel (japonês) e o Grupo Fínsider (italiano). O maior grupo privado nacional, o Gerdau, está associado ao poderosíssimo grupo Thyssen da Alemanha. No projeto da Usina de Tubarão, japoneses e italianos têm 49% das ações.
No ramo da química e petroquímica, com acentuado desenvolvimento na década de 1970, estão presentes, em associação com a Petrobras, os grupos Hanna Mining, Philips Petroleum e International Finance Corporation (I FC) – todos dos Estados Unidos. Esses capitais estrangeiros formam vasta trama, que alcança a Aços Villares, grupo Ultra, Minerações Brasileiras Reunidas (MBR), Alcominas etc. A predominância absoluta é de capitais norte-americanos, mas estão também presentes outros grupos, como o Du Pont. No modelo "tripartite" do setor, o sócio estrangeiro tem direito a veto.
No ramo automobilístico, onde o país figura como 9o produtor mundial de veículos, todas as montadoras são multinacionais, as 2 maiores da Alemanha (Volkswagen e Daimler-Benz). Até 1974 já haviam açambarcado 8 empresas de autopeças de porte médio além de "verticalizarem" a produção de 15 itens em autopeças.

A indústria de bens de capital, ramo muito subsidiado da economia brasileira, a par da consolidação de grupos monopolistas nacionais, não está a salvo da participação acionária importante de grandes grupos estrangeiros. Bardella consorciou-se com o poderoso grupo alemão Voith e também com grupos franceses e norte-americanos através da empresa Mecânica Pesada. A Aços Villares idem: consorciou-se com a General Eletric e tem participação de 10% do International Finance Corporation.

“(…) urge liquidar o regime dos generais, regime de entreguismo e opressão, pilar de sustentação das forças reacionárias”.

Na produção de fertilizantes verifica-se um outro tipo de relacionamento. O estado tem participação direta como investidor através da Petrofértil, na “base” quanto aos produtos finais preponderam os estrangeiros com os grupos Bunge y Born (Quimbrasil), Philips Petroleum, IFC e Hanna Mining etc.É mais marcante ainda a participação estrangeira nos ramos da indústria farmacêutica e de fumo. Entre os 20 maiores laboratórios encontram-se apenas dois nacionais. Três empresas cigarreiras multinacionais detêm 94% do faturamento. No setor bancário, entre os 50 maiores bancos comerciais, os estrangeiros dominam não menos que 14 grupos. O Banco Real, situado entre os 5 maiores, está vinculado ao grupo ADELA. O Francês e Brasileiro, entre os dez maiores, estava vinculado ao Bungey Bom (12%) e o Crédit Lyonnais (53%) da França. A seguir aparecem ainda o Citibank (EUA), Safra (com participação suíça e libanesa), o Lar Brasileiro (do grupo Chase EUA), o América do Sul (majoritariamente do Fuji Bank – Japão), o Sudameris (participação francesa), o Banco de Crédito Nacional (também do grupo ADELA), o Cidade de São Paulo (ligado ao grupo DOW), Mercantil (ligado ao grupo Daimler Benz e Banco Alemão), Mitsubishi (Japão), Bozzano-Simonsen (grupo Lloyds – Inglaterra), First Bank of Boston (EUA), Unibanco (com participação do grupo Deltec Ranking – EUA).

POR UMA VERDADEIRA INDEPENDÊNCIA NACIONAL

Esse é apenas um quadro incompleto, visando a destacar alguns aspectos da presença do imperialismo em nosso país na última década. O Brasil sempre conheceu a dominação estrangeira desde sua independência formal em 1822. E o povo brasileiro incessantemente lhe opôs tenaz resistência, tendo a luta antiimperialista escrito gloriosas páginas da nossa história.
Essa luta, hoje mais do que nunca, assume enorme importância no cenário nacional. A classe operária, os democratas e patriotas, o povo em geral têm diante de si inadiável tarefa de pôr fim a esse estado de coisas. Para tanto, urge liquidar o regime dos generais, regime de entreguismo e opressão, pilar de sustentação das forças reacionárias – os monopolistas estrangeiros, em particular os norte-americanos, os monopolistas nacionais com eles mancomunados e os latifundiários. Erguer em seu lugar um novo regime, que assegure a liberdade, o progresso e a verdadeira independência nacional.

Material consultado e fonte dos dados
1. Anúario Estatístico do IBGE – 1980.
2. Relatório alternativo do oposição na CPI das multinacionais.
3. “Quem é quem” – Visão, 1977-1980.
4. Revista Exame, 1981.
5. Jornais: Movimento, em especial de 14-03-1977. Folha de S.Paulo, de 25-01-1978 e Folhetim de 03-02-1980, O Estado de São Paulo, de 11-03-1977, Tribuna do Luta Operária.

EDIÇÃO 4, MAIO, 1982, PÁGINAS 20, 21, 22, 23, 24, 25