O Caráter das Leis Econômicas no Socialismo
Alguns camaradas negam o caráter objetivo das leis da ciência, principalmente das leis da Economia Política no socialismo. Negam que as leis da Economia Política refletem o caráter regular de processos que se realizam independentemente da vontade dos homens. Consideram que, em virtude do papel especial que a história reservou ao Estado Soviético, este e seus dirigentes podem abolir as leis da economia política existentes, podem "formar" novas leis, "criar" novas leis.
Equivocam-se profundamente. Confundem as leis da ciência, que refletem processos objetivos da natureza ou da sociedade, processos independentes da vontade dos homens, com as leis promulgadas pelos governos, criadas pela vontade dos homens e que possuem unicamente força jurídica. De modo algum, porém, elas podem ser confundidas.
O marxismo concebe as leis da ciência – quer se trate das leis das Ciências Naturais, quer das leis da Economia Política – como o reflexo de processos objetivos que se realizam independentemente da vontade dos homens. Os homens podem descobrir estas leis, chegar a conhecê-las, estudá-las, levá-las em conta em sua atividade e utilizá-las no interesse da sociedade; porém não podem modificá-las nem aboli-las. E menos ainda podem formar ou criar novas leis da ciência.
Quer isto dizer, por exemplo, que os efeitos da ação das leis naturais, os efeitos da ação das forças da natureza sejam em geral inelutáveis, que as ações destrutivas das forças naturais se manifestam sempre e em toda parte como uma força inexorável e espontânea que não se submete à influência do homem? Não, não quer dizer isso. Se excluirmos os processos astronômicos, geológicos e outros análogos nos quais os homens, inclusive quando chegam a conhecer as leis do seu desenvolvimento, são verdadeiramente impotentes para neles influir, em muitos outros casos os homens não são, em absoluto, impotentes para influir nos processos naturais. Em todos esses casos, os homens, uma vez conhecidas as leis da natureza, podem, tomando-as em consideração e apoiando-se nelas, utilizando-as e aproveitando-se devidamente, reduzir a esfera de sua ação, encaminhar noutra direção as forças destrutivas da natureza e fazer que tragam proveitos à sociedade.
Tomemos um exemplo entre muitos. Em tempos remotíssimos, o transbordamento dos grandes rios, as inundações e as destruições de casas e de campos semeados eram considerados calamidades inelutáveis, contra as quais os homens nada podiam fazer. No entanto, com o decorrer do tempo, ao elevar-se os conhecimentos dos homens, quando eles aprenderam a construir diques e centrais hidrelétricas, tornou-se possível preservar a sociedade de calamidades como as inundações, que antes pareciam indomáveis. Mais ainda: os homens aprenderam a submeter as forças destrutivas da natureza, domá-las, por assim dizer, a amansá-las, a fazer com que a força da água prestasse serviço à sociedade, e a utilizá-la para irrigar os campos e obter energia.
Quer isto dizer que os homens, desta maneira, aboliram as leis da natureza, as leis da ciência, criaram novas leis da natureza, novas leis da ciência? Não, não quer dizer isto. A verdade é que tudo o que se faz para prevenir a ação da força destrutiva da água e para utilizar essa força no interesse da sociedade faz-se sem violar, no mínimo que seja, modificar ou destruir as leis da ciência, sem criar novas leis da ciência. Ao contrário, tudo isto é feito rigorosamente à base das leis da natureza, das leis da ciência, uma vez que a infração das leis da natureza, por mais insignificante que seja, conduziria apenas à desorganização, ao fracasso.
“(…) tanto quanto nas Ciências Naturais, as leis do desenvolvimento econômico são leis objetivas que refletem os processos do desenvolvimento econômico, processos que se verificam independentemente da vontade dos homens.”
O mesmo se pode dizer das leis do desenvolvimento econômico, das leis da Economia Política, Quer se trate do período do capitalismo, quer do período do socialismo. Aqui, tanto quanto nas Ciências Naturais, as leis do desenvolvimento econômico são leis objetivas que refletem os processos do desenvolvimento econômico, processos que se verificam independentemente da vontade dos homens. Os homens podem descobrir essas leis, chegar a conhecê-las e, apoiando-se nelas, aproveitá-las no interesse da sociedade, orientar noutra direção a ação destrutiva de algumas leis, limitar a esfera de sua ação, dar livre curso a outras leis que vão abrindo caminho; porém, não podem destruir ou criar novas leis econômicas.
Uma das peculiaridades da Economia Política consiste em que suas leis não são duradouras, como as leis das Ciências Naturais, pois as leis da Economia Política, pelo menos a maioria delas, atuam no transcurso de um período histórico determinado, e depois cedem lugar a novas leis. Mas as leis econômicas não são destruídas, cessam de atuar devido a novas condições econômicas e saem de cena para dar lugar a leis novas, não criadas pela vontade dos homens, que nascem sobre a base de outras condições econômicas.
Invoca-se o Anti-Dühring de Engels, sua fórmula de que, ao ser liquidado o capitalismo e transformados em propriedade comum os meios de produção, os homens adquirem o domínio sobre seus meios de produção e se libertam do jugo das relações econômico-sociais, convertendo-se em "senhores" de sua vida social. Engels chama a essa liberdade "necessidade feita consciência". Contudo, que pode significar "necessidade feita consciência"? Significa que os homens, uma vez conhecidas as leis objetivas ("necessidade"), as utilizam, com plena consciência do que fazem, no interesse da sociedade. Por isso Engels diz nessa mesma obra:
"As leis de suas próprias ações sociais, leis que até agora se opunham aos homens como leis estranhas, como leis naturais que os mantinham submetidos, serão aproveitadas pelos homens com pleno conhecimento de causa e, portanto, serão por eles dominadas". Como se pode ver, a fórmula de Engels não fala em favor dos que pensam que no socialismo é possível abolir as leis econômicas existentes e criar outras novas. Bem ao contrário: essa fórmula não exige a abolição das leis econômicas, mas que se as conheçam e sua sábia aplicação.
Diz-se que as leis econômicas têm um caráter espontâneo, que sua ação é irresistível, que a sociedade é impotente diante delas. Isto não é certo. É fazer das leis um fetiche, entregar-se a elas como um escravo. Está demonstrado que a sociedade não é impotente ante as leis econômicas; que pode, apoiando-se nelas depois de as conhecer, limitar a esfera de sua ação, aproveitá-las no interesse da sociedade e “domá-las" como ocorre com as forças da natureza e com sua leis, tal como no exemplo citado do transbordamento dos grandes rios.
Invoca-se o papel especial que corresponde ao Poder Soviético na construção do socialismo e se diz que esse papel permite-lhe destruir as leis do desenvolvimento econômico existente e "formar" outras novas. Isto tampouco é correto.
O papel especial do Poder Soviético deve-se a duas circunstâncias: em primeiro lugar, ao fato de que o Poder Soviético não teve de substituir uma forma de exploração por outra, como sucedeu nas velhas revoluções, mas suprimir toda exploração; em segundo lugar, devido a que, como não existia no país nenhum germe de economia socialista, o Poder Soviético teve de criar, “em terreno virgem", por assim dizer, novas formas de economia, as forma socialistas de economia.
Indubitavelmente, esta era uma tarefa difícil e complexa, sem precedente. Todavia, o Poder Soviético cumpriu-a com honra. Cumpriu-a, porém, não porque tivesse destruído as leis econômicas existentes e “formado" outras novas, mas unicamente porque se apoiou na lei econômica da harmonia obrigatória entre as relações de produção e o caráter das forças produtivas. As forças produtivas do nosso país, particularmente na indústria, tinham caráter social, mas a forma da propriedade era privada, capitalista. Baseando-se na lei econômica da harmonia obrigatória entre as relações de produção e o caráter das forças produtivas, o Poder Soviético socializou os meios de produção, fê-los propriedade de todo o povo e desta maneira destruiu o sistema de exploração e criou as formas socialistas de economia. Se não tivesse existido essa lei e sem nela apoiar-se, o Poder Soviético não teria podido cumprir sua tarefa.
A lei econômica da harmonia obrigatória entre as relações de produção e o caráter das forças produtivas pugna por abrir caminho nos países capitalistas, desde há muito tempo. E se ainda não desbravou o caminho e não alcançou plena liberdade, é porque tropeça com a renhida resistência das forças sociais que estão condenadas a desaparecer. Aqui nos deparamos com outra peculiaridade das leis econômicas. Diferentemente das leis das Ciências Naturais, nas quais o descobrimento e a aplicação de uma nova lei quase não encontra obstáculos, na esfera econômica o descobrimento e a aplicação de uma nova lei, se ela fere os interesses das forças sociais fadadas a desaparecer, choca-se com a mais forte resistência por parte dessas forças. Necessita-se, por isso, uma força social capaz de vencer essa resistência. Essa força em nosso país foi a aliança da classe operária e dos camponeses, que representavam a esmagadora maioria da sociedade. Essa força não existe ainda em outros países, nos países capitalistas. Nisso consiste o segredo por que o Poder Soviético conseguiu derrotar as velhas forças da sociedade, a fim de que a lei econômica da harmonia obrigatória entre as relações de produção e o caráter das forças produtivas obtivesse o mais amplo campo para o seu desenvolvimento em nosso país.
Alega-se que a necessidade de um desenvolvimento harmônico (proporcional) da economia do nosso país permite ao Poder Soviético abolir as leis econômicas existentes e criar outras novas. Isto é completamente errôneo. Não podemos confundir nossos planos anuais e quinquenais com a lei econômica objetiva do desenvolvimento harmônico proporcional, da economia nacional. A lei do desenvolvimento harmônico da economia surgiu em oposição à lei da concorrência e da anarquia da produção sob o capitalismo. Surgiu sobre a base da socialização dos meios de produção, após a lei da concorrência e da anarquia da produção ter perdido sua força. Entrou em ação porque a economia socialista somente pode desenvolver-se baseando-se na lei econômica do desenvolvimento harmônico da economia. Isto quer dizer que a lei do desenvolvimento harmônico da economia nacional oferece a nossos organismos de planificação a possibilidade de planificar corretamente a produção social. Mas não se deve confundir a possibilidade com a realidade. São duas coisas distintas. Para converter esta possibilidade em realidade é preciso estudar essa lei econômica, dominá-la, aprender a aproveitá-la com inteiro conhecimento de causa, impõe-se elaborar planos que reflitam em toda plenitude as exigências dessa lei. Não se pode afirmar que nossos planos anuais e quinquenais refletem plenamente as exigências dessa lei econômica.
“É impossível ‘transformar’ as leis e, menos ainda ‘radicalmente’. Se fosse possível transformá-las seria igualmente possível aboli-las, substituindo-as por outras leis”.
Diz que algumas leis econômicas, entre as quais a lei do valor, que atuam em nosso país, no socialismo, são leis "transformadas” e até mesmo "radicalmente transformadas”, sobre a base da economia planificada. Isso também não é certo. É impossível “transformar” as leis, e menos ainda "radicalmente". Se fosse possível transformá-las seria igualmente possível aboli-las, substituindo-as por outras leis. A tese da "transformação" das leis é uma sobrevivência da fórmula falsa da "abolição" e "formação" das leis. Se bem que a fórmula da transformação das leis econômicas já esteja em uso há muito tempo entre nós, temos que a ela renunciar, para sermos mais exatos. Pode-se limitar a esfera de ação destas ou daquelas leis econômicas, pode-se prevenir suas ações destruidoras, caso naturalmente estas existam, porém não se pode "transformá-las" ou "destruí-las".
Por conseguinte, quando se fala de "subjugação" das forças da natureza ou das forças econômicas, de "domínio" sobre elas etc. etc. não se quer absolutamente dizer que os homens podem "destruir" ou "formar" as leis da ciência. Ao contrário: com isto somente se quer dizer que os homens podem descobrir as leis, chegar a conhecê-las, dominá-las, aprender a utilizá-las com pleno conhecimento de causa, aproveitá-las no interesse da sociedade e, desta maneira, submetê-las, conseguir dominá-las.
Assim, as leis da Economia Política no socialismo são leis objetivas que refletem o caráter regular dos processos da vida econômica, processos que se dão independentemente de nossa vontade. Quem nega esta tese, nega no fundo a ciência; e negar a ciência é negar a possibilidade de qualquer previsão, isto é, a possibilidade de dirigir a vida econômica.
Podem dizer que o exposto aqui é acertado e universalmente conhecido, que não há nada de novo em tudo isso e, em conseqüência, que não valia a pena perder tempo repetindo verdades tão sabidas. Naturalmente aqui não há, com efeito, nada de novo. Seria, no entanto, errôneo supor que não vale a pena perder tempo repetindo algumas verdades consabidas. A realidade é que a nós como núcleo dirigente somam-se a cada ano milhares de quadros novos, de quadros jovens, que calorosamente desejam ajudar-nos, que ardentemente desejam mostrar o que valem, mas que não têm ainda uma preparação marxista suficiente, não conhecem muitas das verdades para nós bem conhecidas, vendo-se obrigados a tatear nas trevas. Estão atordoados com as realizações colossais do Poder Soviético; ficam com a cabeça tonta com os extraordinários êxitos do regime soviético, começam a imaginar que o Poder Soviético "tudo pode", que "nada o detém", que pode abolir as leis da ciência e formar novas leis. Como devemos proceder com esses camaradas? Como educá-los no espírito no marxismo-leninismo? Creio que repetir de modo sistemático as chamadas verdades "bem conhecidas", explicá-las, pacientemente, é um dos melhores meios para dar a esses camaradas uma educação marxista.
1o de fevereiro de 1952.
EDIÇÃO 4, MAIO, 1982, PÁGINAS 12, 13, 14, 15