Assistimos hoje, no Brasil, a um festival de entreguismo jamais visto na história do País. O governo dos militares recorreu ao Fundo Monetário Internacional para obter recursos, dando em troca um liberalismo ainda maior nos cuidados com a evasão de capitais, levados pelas empresas estrangeiras, e jogando sobre os trabalhadores uma política de mais arrocho. E a dívida externa já ultrapassou a barreira dos US$ 100 bilhões. Enquanto isso, continua-se tramando, por debaixo do pano ou descaradamente, fórmulas falsas de pagar essa dívida.

Uma dessas fórmulas mágicas é a do Projeto Grande Carajás, não raro apresentado como o empreendimento de "salvação do Brasil", por aqueles que o querem rapidamente implantado. No entanto, todas as evidências levam a um só caminho: a exploração das riquezas naturais, da região do Araguaia/Tocantins, da forma em que foi planejada e já está em execução só fará aumentar a dívida externa do Brasil e colocará sob o controle do capital estrangeiro uma das maiores províncias minerais do mundo. De quebra, o Carajazão, no conjunto dos seus subprojetos, oferece sérios riscos ao meio-ambiente da Amazônia Oriental.

ASSALTO PREMEDITADO

Com certa frequência, vemos a questão da Amazônia brasileira ser tratada de forma romântica, de defesa do "verde pelo verde". Em outros casos – especialmente o de alguns intelectuais que vivem na própria região – afirma-se que o assunto só pode ser tratado com o rigor necessário por habitantes daquela região. Os dois enfoques são visivelmente incorretos. O primeiro, porque é reacionário, por ser contra o progresso sem fazer distinção entre o desenvolvimento que atende aos interesses do povo brasileiro e aquele que apenas satisfaz ao imperialismo e seus aliados internos. O segundo, porque restringe a questão a seus aspectos regionais. Não leva em conta que a ocupação da Amazônia, na forma "planejada" pelo regime militar, é antinacional e, portanto, contrária aos interesses de todo o povo brasileiro, que pode e deve levantar, em uníssono, sua voz em oposição a essa política.

Não há dúvidas, entretanto, de que o processo de exploração da Amazônia em curso não dá atenções à manutenção do equilíbrio ecológico da região. O solo da Amazônia é, em grande parte, um solo pobre, arenoso. Em várias áreas, já se observa o efeito dramático da erosão que as torna inaproveitáveis. Já em fevereiro de 1976, o jornalista Lúcio Flávio Pinto citava o caso de rios, como o Gurupi e o Caeté, que em curto espaço de tempo deixaram de ser navegáveis, como decorrência do desmatamento (1). Também é de alguns anos a constatação da mudança no regime de chuvas em partes da Amazônia.

O solo da Amazônia é, em grande parte, um solo pobre, arenoso. Em várias áreas já se observa o efeito dramático da erosão que as torna inaproveitáveis

Experiências do passado, como a do Noroeste do Paraná, onde a erosão é hoje um problema grave, não são levadas em conta. Nenhum novo projeto implantado na Amazônia é precedido de estudos científicos criteriosos e as consequências do desmatamento de vastas áreas contíguas de florestas, incluindo as proximidades de cabeceiras de rios, são imprevisíveis. O processo de ocupação da região, no entanto, resume-se a um assalto premeditado e indiscriminado às suas riquezas, sem atentar-se para nenhum outro aspecto.

A partir de 1965, quando o Hudson Institute, dos Estados Unidos, fez o primeiro levantamento aerofotogramétrico da região e foi criada a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), foram sendo fixadas condições favoráveis aos grandes investimentos na Amazônia. De um modo geral, grandes empresas apossam-se, a preços irrisórios, de vastas extensões de terra e nelas investem pouco ou nenhum capital próprio. A principal fonte de recursos é a própria SUDAM, que administra o sistema de incentivos fiscais para a região. Grupos estrangeiros, da Volkswagen ao Barclays Bank, beneficiam-se dessas facilidades, detendo enormes extensões de terra. Só a fazenda Vale do Rio Cristalino, da Volks, é equivalente a 1.400 glebas de 100 hectares. A preços de 1974, quando foi aprovado esse projeto, a multinacional recebeu Cr$ 116,4 milhões de incentivos fiscais e investiu Cr$ 38,8 milhões em recursos próprios.

O caso mais típico de incentivos e favorecimentos, porém, é o do Projeto Jari, do americano Daniel Ludwig. O projeto de reflorestamento, produção de celulose e papel, de arroz e exploração mineral do Jari ficou isento de quase todos os impostos, inclusive o de importação de máquinas e equipamentos, além de se beneficiar dos incentivos da SUDAM. Durante a fase mais intensa de implantação, o Jari acumulou uma dívida externa, com aval do governo brasileiro, de US$ 526 milhões, que à época representava 1% do total da dívida do Brasil no exterior. Mais recentemente, o Jari foi "nacionalizado", no que se refere ao projeto de papel e celulose, sendo transferido para um consórcio de empresas, que têm à frente o Grupo Azevedo Antunes, enquanto o Banco do Brasil assumiu sua dívida. Por duas razões, porém, o projeto continuou sendo controlado por Ludwig: primeiro, porque Azevedo Antunes é seu velho sócio e testa-de-ferro no Brasil; segundo, porque Ludwig continuará tendo uma participação de 5% nos lucros até o ano 2014.

A maior parte das reservas de minérios conhecidas na Amazônia também está sob o controle de grupos econômicos, na maioria estrangeiros, embora algumas sejam da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), empresa estatal, como é o caso da hematita (minério de ferro) da Serra dos Carajás. As principais reservas de minérios estratégicos, como a bauxita, no entanto, estão em mãos estrangeiras.

A QUEM INTERESSA O CARAJÁS?

O ferro da Serra dos Carajás foi descoberto em 1967, pela CVRD, que logo iniciou negociações para associar-se à Companhia Meridional de Mineração, subsidiária da United States Steel, para uma possível exploração conjunta das reservas. Em 1970 foi criada a Amazônia Mineração S/A (AMZA), com capital dividido entre a CVRD (50,9%) e a Meridional (49,1%), submetendo com isso o próprio cronograma de exploração das reservas aos interesses do grupo americano. O projeto ficou parado até que, em 1977, a CVRD comprou de volta a parte da Meridional pela quantia de US$ 50 milhões, embora a AMZA pudesse ser considerada uma empresa fantasma.

Ao longo dos anos, pesquisas geológicas feitas na região, especialmente pela Docegeo, subsidiária da CVRD, registraram a ocorrência de outros minérios, em abundância. Logo Carajás passou de uma reserva de minério de ferro, cuja viabilidade econômica de exploração causava polêmicas a uma das maiores províncias minerais do mundo. Sem contar a área de minério de ferro, a CVRD investiu, de 1971 a 1980, US$ 112,3 milhões em pesquisa geológica. Na região de Carajás, foram descobertas jazidas de manganês (60 milhões de ton.), bauxita (50 milhões de ton.), níquel (125 milhões de ton.), estanho (100 mil ton.), ouro (300 ton.) e vários outros, como cassiterita, prata, zinco, cromo e chumbo, cuja dimensão ainda não foi precisada.

Em 1980, seguindo a mesma linha de grandes projetos e obras faraônicas, o governo elaborou o Programa Grande Carajás, ou Carajazão, como passou a ser chamado. Em verdade, o projeto extrapolou a exploração mineral e passou a ser um "plano global de desenvolvimento para a Amazônia Oriental", como o definiu o empresário Sérgio Quintella (2), um de seus defensores. A concepção geral do projeto saiu do Ministério do Planejamento, sob a batuta do ministro Delfim Netto, e desde logo foi alvo de veementes críticas vindas de diversos setores da sociedade, incluindo empresários, cientistas e partidos políticos.

* Jaime Sautchuk – jornalista e escritor radicado em Brasília.

Notas
(1) Artigo publicado na imprensa do Pará e reproduzido no livro Amazônia – O Anteato da Destruição, Belém, Gráfica, 1977.
(2) Presidente da Internacional Engenharia, ocupou o mesmo cargo no Projeto Jari, por indicação de Azevedo Antunes.

“Dentro do quadro atual, a participação de empresários nacionais em Carajás só pode ser simbólica. Esse patrimônio é de importância estratégica para o Brasil construir sua independência, mas o nosso problema não é mobilizar intensa e urgentemente esses recursos. A questão é mobilizá-los de acordo com a nossa capacidade, de acordo com um projeto em longo prazo, a serviço dos interesses da Nação” (Severo Gomes, senador do PMDB).

Na área empresarial, a mais potente voz levantada contra a execução do projeto, nos moldes e no cronograma previstos, foi a de Antônio Ermírio de Morais, superintendente do Votorantin, o maior grupo privado nacional. O eixo central do posicionamento desse empresário é o de que as dimensões dadas ao projeto fazem com que ele seja acessível apenas aos capitais estrangeiros. Luiz Dutra Câmara, diretor da Companhia Brasileira de Alumínio, subsidiária do Votorantin, afirmou em entrevista à Folha de S. Paulo, em 31 de agosto de 1982:

– O governo está vendendo uma coisa que não é dele. O minério de Carajás pertence à Nação e o governo não pode negociá-lo dessa maneira sem nenhum sentido econômico. Isso é uma barbaridade.

O empresário, ex-ministro da Indústria e do Comércio e atual senador Severo Gomes (PMDB-SP), em entrevista ao mesmo jornal, afirmou:

“Dentro do quadro atual, a participação de empresários nacionais em Carajás só pode ser simbólica. Esse patrimônio mineral é de importância estratégica para o Brasil construir sua independência, mas o nosso problema não é mobilizar intensa e urgentemente esses recursos. A questão é mobilizá-los de acordo com a nossa capacidade, de acordo com um projeto a longo prazo, a serviço dos interesses da Nação”.

O cientista José Walter Bautista Vidal, ex-secretário de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e do Comércio, em artigo intitulado "Domínio do Subsolo, Uma Questão de Soberania", publicado pela FSP, escreveu:

"Devemos reconhecer que será difícil pensar-se em real desenvolvimento quando os recursos não-renováveis nacionais estiverem comprometidos com a manutenção dos níveis de consumo das sociedades desenvolvidas". E vai mais além: "As condições em que essas decisões têm surgido, sem o referendo nacional, podem dificultar futuramente o cumprimento dos compromissos agora assumidos".

Em setembro de 1981 foi realizado em Brasília o simpósio "Alternativas para Carajás", organizado pelo senador Henrique Santillo (PMDB-GO), em que foram levantadas críticas aos diversos aspectos do Carajazão, partidas inclusive do ex-ministro Reis
Velloso, do Planejamento. No mês seguinte, um documento da direção nacional do PMDB defendia a inconstitucionalidade do decreto-lei 1813, que criou incentivos fiscais especiais para os investimentos em Carajás.

PAGAR OU AUMENTAR A DÍVIDA?

Apesar dos protestos, no entanto, os militares e tecnocratas entreguistas empoleirados no poder continuam a tocar o projeto normalmente. A administração do projeto global saiu das mãos da CVRD e passou para um Conselho Interministerial criado para este fim, cujo primeiro secretário foi o empresário Oziel Carneiro, que deixou o cargo para candidatar-se pelo PDS ao governo do Pará, sendo derrotado. Tanto ele quanto o secretário que o substituiu, Nestor Jost, afirmaram mais de uma vez terem recebido orientação para tocar o projeto o mais rapidamente possível. Os setores mais velozes têm sido os de minério de ferro, que inclui uma ferrovia de 900 quilômetros ligando a Serra dos Carajás a Ponta da Madeira (Maranhão) e um porto; e os complexos de alumínios de São Luiz (Maranhão) e Barcarena (Pará).

A CVRD ficou com a parte menos nobre do Carajazão, que é a da exploração do minério de ferro, e com a construção da ferrovia e do porto, cujas obras estão andando normalmente, segundo a empresa. Os investimentos previstos inicialmente para essas obras são de US$ 3,6 bilhões, assim divididos: pelo menos US$ 1 bilhão em empréstimos externos diretos à CVRD, de US$ 1 bilhão a US$ 1,5 bilhão em empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e o restante de diversas outras fontes, incluindo algum capital próprio da empresa.

No entanto, ocorre que o financiamento do BNDE deverá ser, total ou parcialmente, simples repasse de empréstimos externos (o banco não discrimina a origem do capital ao emprestá-lo). Além disso, os recursos vindos de "outras fontes" incluem vendas antecipadas de minério de ferro no mercado externo. Este tipo de negócio consiste em vender o produto a preços especiais para entrega futura, recebendo o pagamento no ato da venda. Por implicar em pagamento de uma taxa, a venda antecipada representa um financiamento externo, embora não seja incluída no total da dívida externa.

A CVRD tomou para si a custosa tarefa de criar a infra-estrutura de transportes (ferrovia e porto) para favorecer os capitais estrangeiros. A empresa multinacional explora o minério em algum país e o exporta in natura para o seu país-sede, onde a própria empresa o processará (não raro exportando o produto final ao país de origem do minério)

Em outras palavras, isto tudo quer dizer que a CVRD está fazendo essas obras de viabilização técnica da exploração de minério com a maior parte dos recursos obtidos em fontes externas. E não se sabe de onde a empresa estatal vai obter o retorno desse capital, já que o minério de ferro, que em 1956 era exportado a US$ 26 por tonelada, só conseguiu ultrapassar a barreira dos US$ 20 por tonelada em 1982 com tendência a estabilizar nessa faixa de preços. A óbvia conclusão a que se chega, então, é a de que a CVRD tomou para si a custosa tarefa de criar a infra-estrutura de transportes (ferrovia e porto) para facilitar a implantação de outros empreendimentos que, pelo que tudo indica, estarão sob o controle de capitais estrangeiros (1).

A CVRD estará, assim, repetindo sua interessante história. A empresa foi criada em 1942 com o propósito de desenvolver a Vale do Rio Doce, em Minas e Espírito Santo. Um dos ex-presidentes da empresa, Fernando Roquette Reis, escreveu, em artigo publicado pelo Jornal do Brasil, em 22 de fevereiro de 1981: “A CVRD tem quase quatro décadas de experiência em como não desenvolver uma região". Mais adiante arremata: "(…) a alta direção da CVRD dificilmente escapará ao destino de se extrair e transportar minério de ferro nesse novo túnel (a ferrovia Serra dos Carajás/Ponta da Madeira)". As reservas de ferro em Carajás somam 17,8 bilhões de toneladas e a empresa pretende exportar 50 milhões de toneladas anuais, a partir de 1985.

A QUESTÃO DO ALUMÍNIO

Os investimentos da CVRD para explorar o ferro de Carajás, pelas previsões iniciais superam em algumas centenas de milhões de dólares os da implantação do campo petrolífero de Prudhoe Bay no Pólo Norte, se não contarmos o oleoduto lá construído. Para o economista americano Michael Tanzer (2), que foi alto funcionário da Esso, os maiores problemas de um projeto mineral estão no seu estágio de implantação, durante o qual podem ocorrer quatro imprevistos: o minério pode não ser tão abundante; o custo de produção pode revelar-se mais elevado; os investimentos podem ser maiores do que o esperado; e os preços do produto no mercado podem não seguir uma tendência desejada. No caso de Prudhoe Bay, que levou dez anos para ser implantado, o empreendimento deu certo, segundo Tanzer, porque as reservas eram de fato de 9,6 bilhões de barris de petróleo e, principalmente, porque os preços do produto no mercado internacional cresceram rapidamente. O projeto da CVRD, que levará sete anos para ser implantado, poderá não ter a mesma sorte simplesmente por tratar-se de minério de ferro e não de petróleo.

Pela estratégia utilizada pelas grandes companhias multinacionais do setor mineral, pode-se assegurar que nenhuma delas faria o que a CVRD está fazendo em Carajás – o que, obviamente, não quer dizer que se alguma delas o fizesse seria bom para o Brasil. Demonstra apenas o quanto a empresa estatal brasileira está sendo útil aos gaviões estrangeiros, que obviamente se interessam pelo filé mignon de Carajás. No capitalismo monopolista, segundo Michael Tanzer, a questão do risco adquire maior importância no campo mineral do que em outros setores. O casamento perfeito entre o aumento dos lucros com a redução dos riscos é o segredo das grandes companhias mineradoras.
A principal tática dos grandes cartéis do setor mineral sempre foi a de controlar e explorar o maior volume de minério possível em todo o mundo e agregar a ele o menor valor possível. Em outras palavras, sempre que possível e economicamente interessante, a empresa multinacional explora o minério em algum país e o exporta in natura para o seu país-sede, onde a própria empresa o processará (não raro exportando o produto final ao país de origem do minério). No entanto, ao longo dos anos essas grandes empresas adaptaram-se às novas condições surgidas. E esse é um aspecto fundamental para quem quiser entender a concepção do Carajazão.

Vários ministros (Delfim Netto, Cesar Cals, Camilo Penna, por exemplo) têm repetidas vezes dito ter sido uma conquista do governo brasileiro o fato de multinacionais estarem implantando no Brasil indústrias de processamento de bauxita (minério de alumínio). Não se poderia, segundo esses porta-vozes, dedicar aos projetos de alumínio em implantação em São Luís do Maranhão e no Pará, as mesmas críticas que se faz à Bethlehem Steel (americana) que, em associação com o grupo Azevedo Antunes, há mais de 20 anos suga à exaustão o manganês da Serra do Navio, no Amapá, e o exporta. No entanto, trata-se apenas de mais uma tentativa de "vender" uma idéia falsa sobre os verdadeiros objetivos do Projeto Grande Carajás. A disputa pelo controle de reservas minerais, especialmente na área dos metais não-ferrosos, continua tão intensa quanto era décadas atrás. Na obra já citada, Michael Tanzer afirma: "Uma vez que uma boa reserva mineral é descoberta (…), a empresa que a encontrou faz o que pode para evitar que outras encontrem reservas semelhantes". Uma vez de posse da reserva, a empresa a utiliza da forma que mais a interessa. É muito comum a prática do que se chama de "sentar na mina" – ou seja, a empresa segura reservas às vezes durante décadas sem explorar e sem deixar que outros o façam.

Em 1967, Daniel Ludwig obteve do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) a concessão de vinte áreas de bauxita na região dos rios Trombetas e Paru, próximo do Projeto Jari. A intenção de Ludwig era a de ingressar no fechado setor do alumínio, controlado pelo cartel das Seis Irmãs (Alcoa, Alcan, Péchiney, Kaiser, Reynolds e Alusuisse) (3). O empresário ficou "sentado" nas reservas até 1980, quando decidiu vendê-las à Aluminium Company of America (Alcoa), também americana, numa transação nebulosa autorizada pelo Ministério das Minas e Energia. Já à época, o presidente da Alcoa no Brasil, Alain Belda, afirmou que não era do interesse da empresa "a exploração imediata" das reservas que acabava de adquirir.

Os cartéis minerais fazem o que for preciso para controlar reservas. Em alguns casos, mantêm truculentas ditaduras militares. Em outros, preferem modos mais "civilizados", como o de fazer associações com governos locais e controlar reservas através dos estatutos da empresa que é criada. Esse é o caso, por exemplo, do Projeto Trombetas, considerado integrante do Grande Carajás, embora situe-se à margem norte do rio Amazonas. As reservas do Trombetas estavam com a Alcan até 1974, quando a CVRD resolveu associar-se à multinacional canadense para explorar a bauxita ali existente.

A Mineração Rio do Norte (MRN), até então de propriedade da Alcan, passou a ter a seguinte composição acionária: CVRD (48,9%), Alcan (20,2%), Companhia Brasileira de Alumínio (10,6%), Shell (5,3%) e Reynolds, Norsk Hydro e Aluesa (15,0%). A MRN passava, assim, a ter 59,5% de capital nacional, se somadas as partes da CVRD e da CBA (Grupo Votorantin). Na prática, porém, é a Alcan e demais sócios estrangeiros que controlam a empresa, já que, pelo acordo de acionistas que a CVRD concordou em assinar, qualquer decisão de maior importância só pode ser tomada com a aprovação de mais de 75% (em alguns casos 90%) do capital votante, inclusive alterações de preços do minério (4). E pior: a CVRD utilizou recursos externos para integralizar sua parte na MRN (5).

As reservas de bauxita de Paragominas, no Pará, estavam, até 1977, em boa parte, em mãos da CVRD, de um lado, e do grupo inglês Rio Tinto Zinc, de outro. Naquele ano, porém, a Vale associou-se minoritariamente à RTZ na Mineração Vera Cruz, atrelando a utilização de suas reservas aos interesses da multinacional. Com os acordos de Trombetas e Paragominas, não há risco de a CVRD sequer tentar entrar no mercado mundial de bauxita ou processar o minério por conta própria. O cartel das Seis Irmãs, do qual a RTZ participa através da sua associada Péchiney, ficou muito satisfeito com a estatal brasileira.

Quanto ao processamento do minério, produzindo alumina e alumínio em solo brasileiro, a coisa não é diferente. Como se sabe, o alumínio é obtido através de um processo eletrolítico que o separa do óxido de alumínio (alumina). Assim, as duas matérias-primas básicas, de igual importância, para a fabricação desse metal são a bauxita (nome dado a qualquer minério com teor mínimo de 32% de alumina) e energia elétrica. Para qualquer multinacional seria, como sempre foi, fácil extrair o minério no Brasil (ou na Jamaica, Guiana, Suriname, Guiná e Austrália) e processá-lo em seu país-sede. Mas teria, então, que enfrentar os altos custos dos 16 mil quilowatts/hora de energia gastos na produção de cada tonelada de metal. Por isso, a indústria de alumínio tem seguido duas tendências, quanto à localização: uma, secundária, que busca os países do Oriente Médio, para utilizar energia termoelétrica (obtida do gás natural); outra, a principal, que prefere os países que tenham energia de fonte hídrica abundante e barata. Este é o caso do Brasil. Além disso, elas fogem de rígidas legislações de controle da poluição, já que se trata de uma das indústrias mais poluentes.

Os cabos de alta tensão que vão transportar a energia produzida em Tucuruí, no Pará, passam por cima de casas de caboclos, camponeses e comunidades inteiras que nem sonham com luxo maior do que lamparina de querosene. As indústrias Albrás, no Pará, e a da Alcan, em São Luiz, serão responsáveis sozinhas por 20% da energia a ser gerada pela hidrelétrica de Tucurui, segundo Nestor Jost informou em entrevista à revista Veja. As obras da usina estão sendo tocadas, em grande parte, com recursos externos. E o mais grave é que o governo, em portaria assinada em 13 de agosto de 1979 pelo ministro Cesar Cals, autorizou a Eletronorte a vender a energia a um preço 15% inferior ao normal, para as indústrias de alumínio que se instalarem na Amazônia.

É por essa razão, em particular, que o Japão, que teve de reduzir a quase metade a sua produção de alumínio nos últimos anos por causa dos custos da energia, resolveu produzir o metal em outros países: Venezuela, Indonésia e Brasil. Aqui, um consórcio de empresas japonesas formou a Nippon Amazon Aluminium Co. (Nalco), que se associou à Valenorte, subsidiária da CVRD, no Projeto Albrás/Alunorte. Sua produção, de 320 mil toneladas anuais de alumínio, será metade colocada no mercado interno e o restante exportado para o Japão. Como os americanos, ingleses e canadenses, os japoneses, embora detendo 49% do empreendimento, terão direito a veto em questões importantes e, de quebra, garantiram num acordo assinado com a CVRD que o preço do metal exportado para o Japão seja inferior ao do vendido no Brasil.

O caso do alumínio é bastante elucidativo e pode servir de referência para o tratamento que o regime militar pretende dar aos outros setores do Carajazão, ainda em fase de estudos e negociações. Trata-se, portanto, de um projeto tocado autoritariamente, contrário aos interesses nacionais e um verdadeiro ultraje às aspirações do povo brasileiro. É uma questão que merece um combate vigoroso e permanente de todos os setores democráticos e populares.

EDIÇÃO 5, MARÇO, 1983, PÁGINAS 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43