A UNIVERSIDADE ATUAL: IMAGEM E SEMELHANÇA DO REGIME MILITAR
I
Introdução
Numa sociedade de classes, a Universidade e a Educação como um todo, fazem parte de sua superestrutura político-ideológica, tendo, portanto, como função, a transmissão dos valores dominantes, com o objetivo de servir, tanto do ponto de vista político como técnico-profissional, aos interesses das classes dominantes. Dessa forma, a Universidade está ligada ao modelo de desenvolvimento social e, por isso, sujeita a mudanças de acordo com as transformações operadas na sociedade. Apesar disso, as universidades são um palco importante de luta entre os diversos interesses, podendo assim contribuir para o rompimento com as bases econômicas e sociais vigentes.
II
O Golpe Militar e a Legislação que Consagrou a Reforma Universitária Antinacional, Antipopular e Antidemocrática. A partir de 1964, a Universidade brasileira passou a servir a um modelo de desenvolvimento capitalista subserviente ao imperialismo norte-americano e ao capital estrangeiro, extremamente monopolizador da renda e da propriedade da terra, garantindo a exploração da maioria da população.
O regime militar passou então a executar uma estratégia educacional para a Universidade, que seguiu a orientação anti-nacional, antipopular e antidemocrática do modelo de desenvolvimento posto em prática.
A lei 5.540 da Reforma Universitária de 1968 é um dos principais componentes dessa estratégia. A sua formulação contou com a participação direta do Departamento de Estado norte-americano, concretizada com a assinatura de vários acordos entre o Ministério da Educação e Cultura e a Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID).
A Reforma Universitária consagrou as orientações do imperialismo americano de transformar as universidades públicas em fundações. Esta forma jurídica de instituição assegura, por lei, a participação de no mínimo 1/3 de capital privado na composição dos orçamentos das universidades e segue os moldes adotados nos Estados Unidos, atendendo, ao mesmo tempo, aos interesses do governo brasileiro de descomprometer-se com a manutenção financeira da Educação, transferindo essa responsabilidade para as empresas capitalistas. Quadro 1 (p. 47)
Sendo o país submetido ao imperialismo, onde a agricultura, o comércio e a indústria são controlados pelo capital estrangeiro, conseqüentemente a Universidade passou a desenvolver o ensino e a pesquisa sob a influência de uma dominação científica e tecnológica externa e a serviço dos monopólios nacionais e estrangeiros.
Depois de implantada a Reforma Universitária, o governo propagou demagogicamente ter "democratizado" o ensino superior e "resolvido" o problema dos excedentes. De fato, o número de universitários aumentou de 142.300 em 1964, para cerca de 1.500.000 em 1983, ou seja, mais de 10 vezes. Mas, como se deu esse crescimento?
Em primeiro lugar, o aumento das vagas deveu-se principalmente à expansão da rede particular de ensino. Devido a isso, a relação existente entre a rede pública e privada em 1963 inverteu-se. Hoje, o número de estudantes matriculados em instituições de ensino superior públicas representa apenas 23% do total de universitários, contra 77% na rede particular.
Quadro 2 (p. 47)
Em segundo lugar, o Conselho Federal de Educação passou a autorizar o funcionamento de cursos superiores em faculdades isoladas e de fim de semana, oferecidas pelo setor privado. Hoje o número de estabelecimentos isolados e federações representam 92,5% das instituições superiores, abrigando 52,3% do estudantado. São cerca de 72 universidades e mais de 800 escolas isoladas. A maior parte desses estabelecimentos funciona à noite, cobra taxas bastante elevadas de matrícula e anuidade e ministra cursos de baixíssima qualidade.
Como o único objetivo dos donos das escolas privadas é a obtenção de grandes lucros, aprofundou-se a exploração do trabalho docente (apenas 12% dos professores da rede particular são contratados por regime de dedicação integral), associada à deterioração crescente das condições de ensino.
Em terceiro lugar, a pequena expansão das vagas nas escolas públicas ocorreu através da criação de universidades segundo o modelo estabelecido no acordo MEC/USAID. Das 25 universidades federais, estaduais e municipais que surgiram a partir de 1965, absolutamente todas funcionam em regime de fundação.
Em suma, além da implantação do projeto de transformar em fundações a maioria das universidades públicas, da proliferação da rede particular de ensino e das escolas isoladas, a resolução do problema dos excedentes, propagandeada pelo governo não foi verificada, mas ao contrário agravou-se, como revela o quadro 3.
Para implementar e manter este seu projeto de educação superior, o regime militar aumentou a centralização do poder nas universidades, pois o uso da força era a única maneira de o seu projeto vingar.
Quadro 3 (p. 47)
O governo levou à prática as recomendações do Relatório Meira Mattos, de nomear os dirigentes universitários diretamente pelo Poder Executivo e de eliminar qualquer participação dos estudantes, professores e funcionários na administração das escolas. Dessas recomendações resultaram a assinatura dos decretos-lei 477 e 228, implantando um verdadeiro clima de terror nas universidades e cassando o direito dos estudantes de se organizarem em âmbito nacional e estadual, colocando a UNE e as UEEs na ilegalidade. Em 1979 entrou ainda em vigor a lei 6.733, que faculta ao Presidente da República o direito de nomear os reitores das fundações.
III
Crítica à Universidade Atual
Do exposto e da observação da realidade atual, concluímos que a Universidade brasileira é cada vez mais privatista e paga pelos alunos. As semestralidades são reajustadas inclusive acima do INPC. Não só a rede privada cresceu e suplantou a rede pública, como, mais recentemente, as vagas nas públicas têm sido reduzidas gradualmente e essas universidades vão se deixando envolver pela mentalidade empresarial, através da crescente cobrança de taxas e da adoção de fundações privadas no interior das instituições públicas (como é o caso da Universidade Federal do Paraná).
A Universidade não goza de autonomia e é submetida ao regime, tanto do ponto de vista da gestão financeira como do desenvolvimento da produção científica. Os orçamentos das universidades públicas são compostos a partir dos tetos financeiros estipulados arbitrariamente pelo MEC. Tomando conhecimento desses tetos, as instituições de ensino federal elaboram os seus orçamentos, que precisam ainda passar pelo crivo da SEPLAN, podendo sofrer mais cortes.
Quanto ao aspecto científico e didático-pedagógico, a comunidade universitária brasileira não opina e muito menos tem poder de decisão. A política de pesquisa e ensino é determinada pelo CFE de forma arbitrária. Este órgão não tem condições de representar os interesses dos estudantes, professores e funcionários, pois todos os seus membros são nomeados pelo presidente da República.
Nas universidades brasileiras é vetada a participação da comunidade universitária nas decisões. Os reitores das escolas públicas federais são nomeados pelo presidente da República e os das estaduais pelos governadores, através da elaboração de listas sêxtuplas pelos Conselhos Universitários. Nas particulares, são nomeados pelas Mantenedoras. Nos órgãos colegiados é muito reduzida a participação dos estudantes e professores, sendo que os funcionários não têm assento nestes órgãos.
Os regimentos internos e estatutos são castradores e autoritários e existem instrumentos de intimidação e controle da comunidade universitária. Nas universidades públicas, funcionam as famosas Assessorias de Segurança e Informação, diretamente ligadas ao SNI. Não raro, as universidades particulares e institutos isolados, são equipados com polícias especiais, circuitos internos de TV e até mesmo canis.
Quanto à qualidade de ensino, a pesquisa é muito reduzida nas universidades, sendo que as particulares abarcam somente 2% de pesquisa realizada em instituições de ensino. A infra-estrutura (salas de aula, prédios, laboratórios, bibliotecas, etc.) é, no geral, insuficiente e ineficiente. Na maioria das escolas superiores, principalmente nas privadas, o quadro de professores está muito aquém das necessidades e desqualificado.
IV
A Universidade de que o Povo Brasileiro Precisa
A Educação é um direito da população ao qual corresponde um dever do Estado. Para que, de fato, o povo tenha acesso à Universidade, ela deve ser pública e gratuita.
Além disso, o conteúdo social do ensino deve estar a serviço do desenvolvimento da sociedade e não das empresas monopolistas nacionais e estrangeiras.
A universidade deve ser democrática e autônoma. Os seus dirigentes, em todos os níveis, devem ser eleitos diretamente pelos estudantes, professores e funcionários, com igual poder de participação. Os órgãos de direção universitária precisam ser compostos paritariamente por estes três setores.
A Universidade não pode ser tolhida em suas decisões pelo poder público. A obrigação do Estado é manter financeiramente as escolas, de forma a proporcionar o desenvolvimento crescente das suas condições de ensino e pesquisa. À comunidade universitária deve ser garantida a autonomia para direcionar democraticamente a sua produção no interesse de um desenvolvimento nacional, independente e progressista.
A luta por esta Universidade é parte integrante da luta pela transformação geral da sociedade. Somente será vitoriosa com o fim do regime militar, e a constituição de um governo que assegure a democracia, a liberdade e a soberania nacional.
* Osmar Pires é estudante de Agronomia na Universidade Federal de Goiás, diretor de Assistência Estudantil da UNE.
** Acildon de Mattos é estudante de Arquitetura na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (SP), diretor Tesoureiro da UNE.
EDIÇÃO 6, JUNHO, 1983, PÁGINAS 48, 49, 50