Registramos, para evitar repetições, que os dados estatísticos apresentados em bruto ou trabalhados, quando não explicitada a origem, são do Censo Agrário de 1980 – Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: Sinopse Preliminar; Tabulações Avançadas; Culturas Temporárias e Permanentes etc…

CARACTERÍSTICAS GERAIS DO CAMPO BRASILEIRO

O Brasil, além de ser um país de dimensões continentais (8.500.000 km²), é possuidor em todo o seu território de solo fértil e condições climáticas propícias à atividade agropecuária, durante todo o ano, salvo raras exceções. Agregue-se a isso a existência de numeroso e operoso contingente populacional dedicado às atividades agropecuárias. Temos assim um país com imenso potencial agrícola e que é, como sempre foi, tradicional exportador de produtos agropecuários.

Alguns números básicos comprovam o que dissemos: é de 369.587.872 ha a área de terra disponível para uso nas atividades agropecuárias e florestais, sendo toda ela potencialmente produtiva. Desta área, cerca de 120.000.000 de ha estão inaproveitados. Dedica-se a essa atividade um contingente nada desprezível de 21.109.890 pessoas ocupadas, distribuídas em 5.167.578 estabelecimentos agropecuários; utilizam-se 530.691 tratores; o movimento de financiamentos bancários é da ordem de 370 bilhões de cruzeiros; o rebanho bovino soma mais de 120 milhões de cabeças, mais de uma por habitante. É o Brasil o 2º produtor mundial de soja, com 12.593.125 toneladas em 1980, sendo que o valor global da produção agropecuária ultrapassa 1,4 trilhão de cruzeiros.

Quadro 1 (p. 28)

Como está distribuída a posse da terra e sob que condições se processa essa produção, são questões básicas que necessitam ser estudadas e analisadas. Contrastando com a grandiosidade dos, dados acima citados, as condições de vida dos camponeses, assalariados e demais trabalhadores rurais são precaríssimas. Os preços dos gêneros básicos da alimentação popular são proibitivos para os operários e demais trabalhadores. Mas os preços pagos aos produtores de gêneros alimentícios básicos não remuneram corretamente essa atividade, levando-os à crise e em muitos casos à mudança de cultura, ou à perda da propriedade, o que os transforma em assalariados agrícolas, ou os leva a engrossar o surto migratório, rumo às periferias das grandes cidades e às zonas de fronteira agrícola. As condições de saúde, educação, moradia e transporte são precárias e os direitos trabalhistas não são respeitados, sendo os assalariados agrícolas submetidos a condições leoninas de trabalho. Por fim, as crescentes e cada vez mais radicais disputas em torno da posse da terra atestam que a busca de um "pedaço de terra" para produzir e sobreviver é uma das aspirações básicas do homem do campo.

A CONCENTRAÇÃO DA PROPRIEDADE FUNDIÁRIA

A característica básica e historicamente permanente de nossa estrutura fundiária é o monopólio da terra nas mãos de poucos proprietários. As últimas estatísticas disponíveis vêm confirmar essa realidade. Enquanto os estabelecimentos com menos de 10 ha (9,99) correspondem a 50,3% do total, a área por eles ocupada é de apenas 2,4%. Por outro lado, os estabelecimentos com mais de 100 ha, que perfazem 10,2% do total, açambarcam 79,9% da área ocupada. Destacam-se nesse quadro 62 superlatifúndios com mais de 100.000 ha cada, ocupando uma área de 14.547.048 ha, muito superior à área ocupada por 2.603.576 pequenas propriedades, com menos de 10 ha, que é de 8.994.718 ha.
Agrupando de acordo com o tamanho dos estabelecimentos por grupo de área, teremos o seguinte perfil da distribuição da propriedade fundiária no país: Este perfil é eloquente por si mesmo e mostra quão concentrada está a propriedade fundiária em nosso país. Essa situação é dinâmica e à medida que se incorporam novas áreas à produção, cresce essa concentração.

Entre os censos de 1970 e 1980, a área ocupada aumentava em 22,7% e isso correspondia a um incremento de 4,9% no número de estabelecimentos. Analisando comparativamente esse aumento da área ocupada e das propriedades segundo os grupos de área, e reduzindo a variação a pontos percentuais, teremos o seguinte quadro:

Quadro 2 (p. 29)

Ao aumento de 22,7% da área ocupada não corresponde uma redistribuição efetiva da propriedade que visasse beneficiar os camponeses sem terra ou com terra insuficiente; pelo contrário, como o quadro 2 mostra, quanto maior a faixa de área das propriedades, maior a incorporação de áreas ocupadas. Donde se deduz que essa ampliação se fez em função da grande propriedade e para reforçá-la, acentuando ainda mais o caráter concentrador de nossa estrutura fundiária. Assim, no curto espaço de 10 anos, as propriedades com mais de 1.000 ha e menos de 10.000 ha aumentaram em 29,5% o seu número e ocuparam uma área 31,9% superior à anterior. O crescimento mais notável se deu na área dos superlatifúndios com mais de 10.000 ha, que aumentaram em 66,5% quanto ao número e 75,6% com relação à área anterior. Contrastando com isso, as propriedades de até 10 ha diminuíram a área ocupada em (-) 0,9% e aumentaram o número de propriedades em 3,3%, indicando um processo de fragmentação em curso. As áreas entre 10 e 100 ha tiveram pequeno incremento quanto à superfície ocupada (7,3%) e o número de propriedades em 4,2%.

As formas de concentração se dão tanto em função da expansão da fronteira agrícola, com a incorporação de terras novas, como em função da modernização do processo produtivo, geralmente vinculado a lavouras de exportação

As formas de concentração se dão tanto em função da expansão da fronteira agrícola, com a incorporação de terras novas, como em função da modernização do processo produtivo, geralmente vinculado a lavouras de exportação. Exemplo desse segundo caso é a diminuição de 9.817 estabelecimentos em Mato Grosso do Sul entre 1975 e 1980, quando da adaptação da produção local à exportação.

Esse processo de concentração atinge todo o território nacional, incorporando as diferenças regionais quanto à "idade" da ocupação fundiária. Agrupando os Estados em 3 grandes regiões de produção agropecuária, por localização geográfica, importância econômica e estágio de ocupação do solo, teremos a grosso modo:

1) Sul/Sudeste – região industrializada, a mais desenvolvida do país, onde se encontra o centro dinâmico da nossa economia. E onde é gerada a maior parte da nossa produção agrícola exportável e se situam os maiores centros consumidores quanto à população e ao poder aquisitivo. Abrange os Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

2) Nordeste – região de colonização antiga, pouco industrializada, com tradicional produção agropecuária para exportação (cana), e voltada em boa parte para o consumo interno. Abrange: Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia.

3) Fronteira Agrícola (Centro-Oeste e Norte) – região de ocupação recente onde se localizam as zonas de expansão da agricultura e da pecuária. Tem tradição extrativista e agrupa os estados de: Acre, Amazonas, Rondônia, Pará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e os Territórios de Roraima e Amapá, além do Distrito Federal.

Trabalhando os dados referentes a cada uma dessas regiões, quanto ao número de estabelecimentos e à área das propriedades, obtemos o quadro 3:

Quadro 3 (p. 30)

O perfil fundiário dessas regiões mantém a característica principal do país, a concentração. Na região de Fronteira Agrícola, onde esse processo é mais gritante, as propriedades com mais de 1.000 ha ocupam 66,9% da região, caracterizando-se como o maior índice de concentração do país. No Nordeste e no Sul/Sudeste os estabelecimentos de até 100 ha correspondem a 93,5% e 69,9% do total, respectivamente, embora ocupem somente 27,6% e 29,8% da área agricultável de cada região. Na região Sul/Sudeste, as propriedades de 10 a menos de 100 ha correspondem a 53% dos estabelecimentos e ocupam 26,9% de área agricultável. Deve-se mencionar que é nessa região onde se desenvolve a agricultura mais dinâmica e moderna do país. Por outro lado, no Nordeste, 67,6% dos estabelecimentos têm menos de 10 ha, caracterizando-se quanto à extensão em autênticos minifúndios. Vale ressaltar que essa região é uma das mais atrasadas e de agricultura mais tradicional.

Esse processo acelerado de concentração é o resultado básico da política agrária do governo militar. Os sucessivos planos "distributivistas" de "reforma agrária localizada" e outros que tais, concentram ainda mais as propriedades nas mãos de poucos

Esse processo acelerado de concentração é o resultado básico da política agrária do governo militar. Os sucessivos planos "distributivistas" de "reforma agrária localizada" e outros que tais, concentram ainda mais as propriedades nas mãos de poucos, e com isso tornam cada vez mais difícil o livre e democrático acesso do camponês à terra, reforçando a grande propriedade privada que mantém expressivos contingentes de terras ociosas e é um entrave ao desenvolvimento da agricultura e da nação.

EVIDÊNCIAS DA PRODUÇÃO CAPITALISTA NO CAMPO

Como se comportam quanto à produção essas propriedades? Pois, além do tamanho, jogam importante papel as riquezas por elas geradas, riquezas que se materializam pela quantidade de produtos e pelo respectivo valor produzido.

Numa primeira análise, podemos afirmar que quanto menor a área da propriedade, maior é o espaço reservado à produção agrícola. Da área global das propriedades agrícolas (369.587.872 ha), cerca de 120.000.000 ha são terras não cultivadas, mantidas ociosas, geralmente com fins especulativos, a entravar seriamente o progresso do campo e do país. Lamentavelmente, os dados disponíveis até o momento não nos permitem discriminar por grupos de áreas a percentagem de terra utilizada e não utilizada. Entretanto, trabalhando os dados do último censo agropecuário podemos chegar a um quadro comparativo (Quadro 4), que nos dá preciosa indicação e mostra que, quanto menor a área da propriedade, mais intensamente utilizada ela é.

Quadro 4 (p. 31)

Assim, enquanto as propriedades de até 10 ha utilizam 64,6% de suas áreas na produção agrícola, e as de 10 a 100 ha, cerca de 30%, a faixa de 100 a 1.000 ha utiliza apenas 13,3%. E os grandes latifúndios com mais de 1.000 ha utilizam apenas 6,1%. Isto confirma que quanto maior a propriedade, menor a utilização produtiva agrícola.

É evidente que parte dessa área não utilizada é dedicada à pecuária. A falta de dados não nos permite precisar em quanto, mas isso não altera a constatação fundamental de que quanto menor a propriedade, maior o seu aproveitamento, sendo que a atividade pecuária é desenvolvida particularmente nas grandes propriedades.

Essa importante participação das propriedades menores no volume e no valor da produção agrícola fica evidenciada com maior nitidez quando se a analisa a partir de produtos chaves da nossa agricultura.

Selecionando os cinco principais produtos agrícolas de exportação: soja, café, cana-de-açúcar, cacau, laranja; e os cinco de consumo interno: feijão, arroz, milho, mandioca, trigo; e mais as criações de gado bovino, suíno e de aves; e trabalhando os dados relativos à produção e ao valor da produção em 1980, obtemos o quadro 5, onde os números são índices percentuais relativos à produção global e ao valor global da produção de cada produto (ver Quadro 5).

A análise do quadro nos mostra que no setor mais dinâmico da agricultura, o de exportação, com exceção da cana-de-açúcar, as propriedades de 0 a 100 ha produzem em torno de 50% da produção e do valor desses produtos. Essa tendência mantém-se na produção para o mercado interno, onde com exceção do arroz, a absoluta maioria da produção e do valor é gerada nas propriedades de até 100 ha, com destaque para a mandioca e o feijão – 89,3 e 82,1 pontos percentuais, respectivamente. Na pecuária para a criação de bovinos, a tendência se inverte e a absoluta maioria dos rebanhos está nos estabelecimentos superiores a 100 ha (74%), pondo a nu o caráter extensivo dessa atividade. Já na criação de suínos e aves, voltam a predominar largamente os estabelecimentos de até 100 ha – 81,1% e 81,3% respectivamente. A falta de dados não nos permite correlacionar o valor da produção por grupos de áreas, o que nos proporcionaria uma análise mais detalhada da pecuária.

Se privilegiarmos nesta análise não a destinação do produto (mercado externo ou interno), mas sim o volume da produção e o valor da produção, o papel das propriedades de até 100 ha se mantém destacado, pois por volume da produção os cinco primeiros são: cana, milho, soja, mandioca e arroz; e quanto ao valor os cinco primeiras são: cana, soja, milho, café e feijão. São produtos onde a atividade se dá, com exceção da cana, nas propriedades de até 100 ha.

Quadro 5 (p. 32)

As propriedades de 0 a 10 ha têm relativamente pequena importância na produção para exportação, chegando ao máximo de 10% no caso do café, enquanto sua importância é maior nos produtos de consumo interno, com destaque para o feijão – 29,6% e 30,9% – da produção e do valor da produção respectivamente, e mandioca com 39,3% e 43,6%. Este é um indicador de que as propriedades de até 10 ha são, em seu conjunto, de baixa produtividade, usam técnicas e insumos modernos em pequena escala, menor que aquelas situadas na faixa dos 10 aos 100 ha. Quadro 5 Sofrem um processo de fragmentação, como é constatado no quadro 2, e é aí onde existe um dos redutos de agricultura e pecuária atrasadas e de subsistência, situado no Nordeste e no Norte. Sobre esse assunto voltaremos em outro trabalho.

Se ao invés do tamanho da propriedade, tomarmos como referência o tamanho das lavouras, mais destacado ainda fica o papel das áreas de O a 100 ha na nossa produção agrícola. Isto assume maior importância, quando temos presente que é a parte realmente produtiva dos estabelecimentos agrícolas o que importa do ponto de vista capitalista. Assim, uma análise da produção e do valor da produção que tenha por base a área das lavouras e não a área total dos estabelecimentos, é um indicador muito mais seguro "de onde", em que faixa de tamanho se processa a nossa produção agrícola. Tomando os mesmos dez produtos com que estamos trabalhando, e correlacionando valor da produção e produção com o tamanho das áreas de lavoura, obtemos o quadro 6: Quadro 6 (p. 33)

A análise a partir do tamanho das lavouras e não da propriedade deve ter presente que numa mesma propriedade pode-se desenvolver mais de uma lavoura, embora isso não anule a análise do quadro, que tem como objetivo central verificar a produção e o valor da produção de acordo com as áreas das lavouras.

Com exceção da cana, que fica com 19,5%, no mínimo 50% da produção e do valor da produção desses produtos básicos de nossa agricultura, são obtidos em lavouras de até 100 ha. Naquelas que se dedicam fundamentalmente ao consumo interno, essa participação é bem maior, ficando além de 80% para três deles (feijão, milho e mandioca) e na faixa dos 50% para o arroz e o trigo. As áreas de lavouras de 0 a 10 ha, embora dêem contribuição pequena quanto à produção e ao valor da produção dos itens analisados, contribuem mais quanto à produção e o valor da produção do que as propriedades de até 10 ha, sendo isso um indicador de que essas lavouras devem pertencer a estabelecimentos que produzem pelo menos mais de um tipo de cultura. Assim, os dados nos mostram que boa parte da propriedade de até 100 ha é na realidade uma unidade produtiva de porte médio a grande de produção intensiva, moderna, capitalista, com assalariamento de mão-de-obra, que não deve ser, no fundamental, confundida com a propriedade camponesa autárquica baseada no trabalho familiar.

Chamo a atenção para o fato de que a faixa de 100 a 500 ha, constituída por empresas capitalistas de grande porte, joga importante papel, cerca de 30%, na produção agrícola. Produção essa também realizada de forma intensiva, moderna, e que pelas suas características assalaria em toda ela mão-de-obra. Destaque para duas lavouras recentes: soja e laranja.

É a cana a única lavoura que se realiza principalmente em áreas superiores a 500 ha, caracterizando a união de grandes propriedades com a grande produção, pois a atividade agrícola aí também se faz de forma avançada, com a utilização intensa de tecnologia e capital e abundante assalariamento de mão-de-obra.

Disto resulta uma importante característica de nossa agropecuária destacada participação das propriedades de até 99,9 ha na produção, sendo que, considerando-se, área realmente produtiva, essa participação de áreas de até 99,9 ha mais destacada.

A utilização de fatores moderno de produção também se faz presente de forma crescente nas atividades agropecuárias. Destes fatores, o que mais efetivamente cresceu foram os tratores. De 1970 a 1980, passamos de 165.870 para 530.691 unidades representando um aumento de 219,9%, significando um trator para cada dez estabelecimentos e 696,4 ha/trator, enquanto em 1970 existia um trator para 30 estabelecimentos, com cada trator tendo de trabalhar 1.173,33 ha. O uso de adubos e de defensivos também cresceu e difundiu-se. A falta de dados atualizados não "nos permite comparações globais, mas, tendo-se como referência os 10 produtos que estamos analisando (5 de exportação e 5 de consumo interno), é esse o quadro (quadro 7) de utilização desses insumos em 1980:

Quadro 7 (p. 34)

Tal quadro mostra um alto grau de utilização desses insumos nos nossos principais produtos agrícolas. Isso nos chama a atenção para a escala de integração da agricultura com a indústria de insumos modernos e é um importante indicador da intensidade da nossa produção agrícola. Em alguns produtos, como café e trigo, o índice do uso de adubos atinge quase 100%.

O uso do crédito também tem se expandido e tem sido uma das molas mestras da expansão do modelo agropecuário implantado pelos militares a partir de 1964. Entre 1971 e 1976 o crédito rural cresceu em 143% e em 1977/78 representou 65% do Produto Bruto da Agricultura (1).

* Ronald Freitas é colaborador do Jornal Tribuna Operária e da revista Princípios.
A segunda parte deste artigo será publicada no número seguinte de Princípios.

Notas
(1) Perspectivas da Agricultura Brasileira para 1977-78. Ministério da Agricultura, Brasília 1977.

EDIÇÃO 6, JUNHO, 1983, PÁGINAS 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36