NA PRIMEIRA PÁGINA
Com semelhante declaração, ameaça a todos os países do Hemisfério, em especial aos que se situam na área da América Central. Em essência, quis dizer que onde forem contrariados os interesses norte-americanos aí intervirá o poderio militar da superpotência que ele representa. Ora, os países desta imensa região continental não gozam, na verdade, de completa independência. Apesar de a terem proclamado há muitos anos e constituído Estados nacionais, foram caindo, um após o outro, na rede da dependência dos poderosos monopólios estadunidenses que utilizaram, com tal objetivo, métodos variados de cunho econômico, militar, cultural e político para submetê-los. A monocultura, o controle das riquezas naturais, o treinamento de forças militares e de polícia, a implantação de multinacionais, a intromissão nos meios de comunicação, o endividamento externo – tudo em favor dos Estados Unidos – serviram de instrumento de sua dominação no conjunto da América Latina. Ademais, os EEUU levaram a efeito intervenções armadas em vários países do Continente, insuflaram e provocaram a queda de regimes liberais ou progressistas, sustentaram e sustentam ditaduras sanguinárias.
Natural, portanto, que os povos latino-americanos, em particular os da Centro-América onde o peso do atraso e da opressão reacionária e estrangeira é mais duro, se levantem para lutar pela libertação nacional. Esse movimento emancipador que vem de longe, agora se intensifica com o crescente despertar da consciência democrática e antiimperialista desses povos. Triunfou a revolução na Nicarágua que derrubou o velho e odiado regime somozista pró-ianque. Também em El Salvador e na Guatemala aproxima-se o dia da vitória sobre seus piores inimigos. Noutros lugares, os governos militares, apoiados por Washington, estão cada vez mais abalados pela luta das forças democráticas e patrióticas.
Eis a razão por que o sr. Reagan ameaça, e passa das palavras aos atos de agressão a El Salvador e à Nicarágua. Defende, assim, o ponto de vista de que a soberania e a independência dos países da América Central não são assuntos dos povos desses países, mas problema dos Estados Unidos.
As atitudes agressivas dos imperialistas com relação aos países mais fracos é muito antiga. Hitler vociferou contra os regimes existentes na Áustria e na Tchecoslováquia que não seriam simpáticos aos alemães. Embora ali inexistissem governos esquerdistas, mas liberais, usou da força: anexou a Áustria e invadiu a Tchecoslováquia. Interveio depois na Polônia, onde por sinal vigorava um sistema fascista. Na década de 1960, os Estados Unidos agrediram o Vietnã que, segundo o Pentágono, comprometia, com a sua luta de libertação nacional, o esquema de defesa norte-americano no Sudeste Asiático, a milhares de quilômetros da costa estadunidense. Antes tinham intervindo na Coréia com o intuito de dominá-la e contrapor-se à Revolução Chinesa vitoriosa. Também a Rússia, depois de ter abandonado o socialismo, enviou forças militares para a Tchecoslováquia e a Polônia, objetivando impedir ali mudanças políticas em discordância com os interesses soviéticos. Há cerca de três anos, mandou tropas ao Afeganistão a fim de "prevenir" a instauração de governos não sintonizados com Moscou. Todos esses são casos de flagrante desrespeito à soberania e à independência das nações, atos de bandoleirismo internacional.
É de notar que nestes últimos tempos, igualmente o regime militar brasileiro tem-se manifestado de forma semelhante em relação aos nossos vizinhos. No período do governo Médici, o Brasil andou imiscuindo-se no Uruguai e na Bolívia. Considerava intolerável a presença de governos liberais ou esquerdizantes nas nossas fronteiras. Recentemente, voltou a usar a mesma linguagem com referência ao Surinã, “que poderia vir a ser envolvido por Cuba". E o pior é que as declarações oficiais vieram acompanhadas do anúncio da criação de "forças especiais" para operar no Continente em caso de necessidade. É mais chocante ainda essa conduta do governo brasileiro quando se sabe que o nosso país vai perdendo características essenciais da sua soberania ao submeter-se às imposições do FMI.
Evidentemente adotar a monarquia ou a república (burguesa ou socialista), ter governo presidencialista ou parlamentarista, regime liberal ou progressista, traçar a linha de conduta internacional mais conveniente à nação, fazer ou não fazer a revolução – são coisas que dizem respeito à autodeterminação dos povos, aspecto importante da soberania e independência nacional. Ninguém tem o direito de intervir nos assuntos internos de outro país. Nem por meio da força, nem de pressões intoleráveis.
O princípio da soberania, da autodeterminação não depende do beneplácito dos poderosos. É uma conquista dos povos.
EDIÇÃO 6, JUNHO, 1983, PÁGINAS 3, 4