OS OPERÁRIOS E A CRISE
Raimundo – Agradeço pela oportunidade deste encontro com os companheiros da classe operária, com a qual estão as grandes esperanças de libertação do nosso país e nosso povo. O trabalho que vamos fazer é relativamente difícil: todos vocês têm uma experiência muito viva, rica e muito a dizer. Além disso, são muitos os temas. Eu discuti com o pessoal da Princípios quais eram os temas de preocupação. Não há temas obrigatórios, cada um pode seguir de acordo com o que a experiência lhe indica.
Nosso debate não deve ficar apenas nas questões mais imediatas. Também deve procurar abordaras perspectivas mais gerais da luta dos operários, a mais longo prazo.
A idéia, portanto, é, em primeiro lugar, pegar um período de mais ou menos 20 anos, da crise da época de Jango para essa crise de agora. Vamos verificar o que mudou: como estão os empresários? O que eram e o que são agora? Estão mais fortes, estão mais fracos? Como era o governo e como é? Um governo de mais liberdades, de menos liberdade? Como é a classe operária, como era e como é? Que mudanças ela teve do ponto de vista de tamanho, composição? Que setores cresceram? Como evoluiu seu grau de instrução, sua distribuição pelo Brasil? Há ou não uma evolução da luta operária? Há um conjunto de experiências que a classe operária acumulou nesta sua história já longa.
Um outro aspecto: as notícias dos jornais a cada dia falam muito da automação, do crescimento da mecanização do trabalho. No Brasil a automação é um fato, até mesmo a robotização. Que vocês acham do destino da classe operária nesse aspecto?
Num segundo momento trataríamos da crise atual. Estamos vivendo uma crise e isso é consenso entre todas as classes do país. Quais são as perspectivas dessa crise e quais são as perspectivas da classe operária nessa crise? Quanto tempo ela vai durar? No que vai desembocar? Qual o papel da classe operária nessa crise? O que ela pode fazer do ponto de vista político, do ponto de vista do seu próprio futuro? O Brasil vai continuar se industrializando, a classe operária vai progredir. Ela pode aspirar o controle político do país; ou o seu papel é apoiar os setores mais progressistas dentre os que estão aí por cima? Por último desceríamos às questões mais específicas do momento presente relacionadas com as lutas dos trabalhadores'. A idéia é ir afunilando, do geral para o particular. Vamos, portanto, ao debate.
Nilson Bahia, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Petroquímicas da Bahia – Iniciando com uma abordagem mais geral, examinemos, por exemplo, o que ocorre com a evolução da tecnologia no Continente latino-americano. Seu solo é rico em minérios, em riquezas que servem para a fabricação de bens de capital, armamentos, de tudo o que é necessário para os países desenvolvidos, os países ricos continuarem a crescer e manter seu padrão de vida. Assim, a questão do poder na América Latina está muito relacionada com as riquezas do seu sub-solo. Muitos presidentes de países do nosso continente caíram por tentar impedir a exploração dessas riquezas. Isto nos leva a crer que só haverá efetiva liberdade na América Latina com o controle das suas riquezas. Verifica-se também que não se pode discutir a história da luta operária sem levantar esses aspectos. Dentro desse enfoque, é fundamental verificar que os avanços da luta operária se dão no processo de exploração das riquezas nacionais e da industrialização do país.
Não considero que exista um novo sindicalismo. Para mim, o que existe é o sindicalismo, que vem sendo construído desde que existe o capital e o trabalho. É evidente que houve erros e acertos na trajetória do sindicalismo. Houve a influência de várias correntes políticas dentro do movimento operário que avaliaram a luta sob uma má perspectiva e fizeram certas alianças, que já foram julgadas por todos.
Você levantou um questionamento também sobre a automação. Queiramos ou não ela vai acontecer, porque a sociedade humana caminha para uma utilização cada vez maior da ciência. Mas, a gente tira a seguinte conclusão: da mesma forma que os nossos exploradores utilizam as técnicas mais avançadas nos seus países, essas mesmas técnicas devem ser utilizadas para construirmos uma sociedade nova aqui.
De 1964 para cá ocorreram mudanças na estratificação social. Só uma classe permaneceu em seu lugar na pirâmide: aqueles 5% que aumentaram sua riqueza ainda mais. Outro aspecto interessante de se assinalar é que antes de 1964 era possível encontrar médicos, engenheiros etc., atuando como profissionais liberais e formando verdadeiras fortunas. Hoje, com as multinacionais, os engenheiros, por exemplo, são meros profissionais de carteira assinada e muitos deles com salários, em alguns focais, bem menores que os de certos operários especializados.
Outra consequência do modelo implantado a partir do golpe foi a evasão das riquezas nacionais e a dominação do nosso país.
José Freitas, metalúrgico de Porto Alegre – Quem acompanha a situação da classe operária e a situação política do país há muitos anos, nota que ocorreu um enorme crescimento numérico e uma modernização da classe operária brasileira nos últimos 20/25 anos. Instalou-se no Brasil uma moderna indústria, principalmente a automobilística, indústria de ponta, altamente mecanizada, com tecnologia estrangeira. Na sua grande maioria essas indústrias são multinacionais. Com o golpe de 1964, a classe operária foi duramente atingida na sua organização sindical e política, com as intervenções nos sindicatos, a perseguição às suas lideranças e a proibição de se organizar em partido político.
No presente momento, acho que se passa por uma fase de maior atuação política da classe operária. Nota-se hoje uma alteração bastante significativa, profunda, na maneira de pensar da classe operária. Com o agravamento da crise, a possibilidade de uma saída individual desapareceu. O trabalhador não encontra meios de buscar cargos dentro da empresa; também se esvaziou muito a postura conciliatória, de ser um "operário-padrão".
Tudo isso provocou um salto na compreensão dos operários. Eles começam a se dar conta de que o capitalismo não é eterno. Inclusive nas fábricas já se discute mais a questão de que o capitalismo não trará o progresso para todos. Observa-se que há um maior esclarecimento da classe operária, uma preocupação com as questões políticas nacionais e internacionais, um interesse em ler as notícias que circulam.
Importa assinalar ainda que os trabalhadores não se beneficiaram em nada com o progresso ocorrido no Brasil nos últimos 20 anos. Pelo contrário, hoje somos vítimas do modelo implantado e o reflexo disso é a tremenda crise que vivemos.
Paulo Paim, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Canoas (RS) e coordenador da Inter-sindical do RS – O golpe de 1964 trouxe privilégios à burguesia e permitiu até uma ascensão à classe média. Com o passar dos anos, a própria classe média começa a sentir, em meio à recessão e no sistema administrado pelos generais, que a política implantada não acarretou em nenhum benefício para o trabalhador. Então, hoje, a classe média começa a se encontrar com os trabalhadores, o que é indício de grandes mudanças. Num momento de crise, em que a classe média se vê totalmente atingida, ela só tem uma saída: ou se alia aos trabalhadores ou é engolida pelo atual sistema.
Hoje, o conjunto dos trabalhadores discute amplamente as suas formas de organização e efetivamente está acontecendo um novo momento em nível nacional. A classe operária está pensando muito na forma de se organizar e de como avançar para mudar o modelo econômico, voltado para uma minoria que explora a grande maioria, que são os trabalhadores. A convulsão que aí está é fruto do sistema vigente hoje no país. Penso que os trabalhadores estão dando a resposta aceleradamente, a passos largos. Na minha opinião, estamos muito próximos de uma virada e os trabalhadores terão seu espaço, um sistema totalmente diferente do capitalismo.
Juraci, secretário-geral do Sindicato dos Químicos do ABC – No meu entendimento, após o golpe de 1964 mudou inclusive o comportamento da classe operária brasileira. Antes do golpe, quando começou a haver grandes mobilizações, com a ocorrência de algumas grandes greves no Brasil, o capitalismo internacional procurou preservar seu patrimônio e seu direito de investir no Brasil e explorar os brasileiros. A saída que encontrou para isso foi o golpe de Estado e a implantação de uma ditadura militar que tivesse o controle do sistema econômico do país. Desde então os trabalhadores se sentiram castrados. Porém, as indústrias multinacionais que vieram para cá não construíram apenas automóveis e máquinas, mas também meios de comunicação. Hoje, estes meios são muito amplos e os trabalhadores fazem uso disso para tomar conhecimento do que acontece aqui e também fora do país. Através dessas informações, passam a ser mais esclarecidos.
Acredito que o sindicalismo brasileiro está inaugurando uma nova era. O pessoal que está encaminhando o movimento sindical hoje deve ser considerado como pioneiro. A luta dos trabalhadores passa por várias etapas: uma etapa de começo de incerteza, de insegurança. De repente, verificamos que os trabalhadores começam a avançar a ganhar confiança em si mesmos e passamos a uma segunda etapa que é a das conquistas concretas. Dentro desse raciocínio considero que o sindicalismo brasileiro não vai mais regredir em relação à fase que está iniciando.
O próprio sistema capitalista provoca o desenvolvimento político dos trabalhadores, porque é um regime explorador, opressor, e toda vez que alguém está sendo oprimido, esboça uma reação.
Batista, metalúrgico de São Bernardo do Campo – Participou dos comandos de greve de 1978, 1979 e 1980 – Eu vou me pronunciar primeiro sobre a automação. Depois de trabalhar em duas grandes empresas, a Mercedes e a Volks, percebi um pouco como se têm dado as transformações nesse sentido. Eu acredito que esse desenvolvimento da automação vem acirrando ainda mais a contradição entre o capital e o trabalho, na medida em que, com a instalação de uma máquina mais automatizada, mais sofisticada, o trabalhador produzirá um determinado artigo em muito menos tempo e aí o excedente de mais-valia é muito maior.
Eu também acho que nas duas últimas décadas a classe operária passou por importantes transformações. Cresceu seu contingente numérico, inclusive pela penetração do capitalismo no campo. Eu creio que essa alteração no contingente numérico também exerce influência no grau de consciência e na qualidade da luta dos trabalhadores. Sob o regime implantado em 1964, os trabalhadores acumularam um grande número de batalhas enfrentadas contra o capital e o governo. E nessas batalhas que os operários começam a adquirir mais experiência.
Vejo também que ao longo desses 20 anos, a pequena burguesia, afetada pela crise econômica sofreu uma redução no seu poder econômico. Por isso, a classe média vem aderindo cada vez mais às reivindicações da classe operária.
José Gonzaga de Queirós, presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Fiação e Tecelagem de São Paulo – Como sindicalista e como trabalhador, iniciei a vida de industriário em São Paulo em 1962. Embora naquele ano a situação já não fosse boa para os trabalhadores como não era em 1963 e nem em 1964, havia pelo menos condições de trabalho, havia trabalho. Na época em que eu comecei a trabalhar na indústria têxtil, o operário de nossa categoria era um trabalhador prestigiado. Mas, o que sucedeu de 1964 para cá? O trabalhador perdeu a estabilidade, o que ele tinha de mais sagrado, perdeu a garantia de, uma vez completado o tempo de serviço de 10 anos, não poder ser dispensado da empresa em que trabalhava. Isso foi negociado com o chamado Fundo de Garantia em 1967, como condição para as grandes multinacionais se instalarem no Brasil. Esse foi um dos primeiros prejuízos que a classe operária sofreu a partir de 1964. Com o fim da estabilidade e a automação das máquinas, a modernização das empresas do setor têxtil começou a rotatividade de mão-de-obra e o desemprego. Até 1964-65, havia no setor têxtil cerca de 125 mil trabalhadores, enquanto que hoje nossa categoria encontra-se reduzida a 60 mil trabalhadores, percebendo um salário 30% inferior ao que deveria estar ganhando.
Penso que a situação não se agravou apenas para os têxteis, mas para todas as categorias de trabalhadores e todos os setores da sociedade. Nós não somos contra a automação das máquinas, contra o desenvolvimento, mas para isso, para se criar um desenvolvimento e uma automação no país, deveria haver uma administração que planejasse a colocação da mão-de-obra dispensada devido à automação. Aqui no Brasil compram-se máquinas modernas a outros países, põem o trabalhador na rua e fecham-se fábricas nacionais que deveriam produzir as máquinas necessárias ao suprimento do mercado interno brasileiro.
Até 1964, nós tínhamos um movimento sindical, se não autêntico, (pois em toda a história do sindicalismo sempre houve falhas), mas pelo menos havia um certo grau de liberdade para discutir os problemas dos trabalhadores. E estes brigavam, discutiam os seus direitos. A partir de 1964, o movimento sindical foi castrado, os líderes sindicais foram cassados e colocaram-se interventores nas entidades sindicais.
Hoje, temos uma classe operária nova. Começou a ingressar no mercado de trabalho uma juventude que não conhece o movimento sindical, que pegou o sindicalismo parado, um sindicalismo em que não se tinha o direito de reunir 2 ou 3 sindicatos para discutir os problemas de uma ou mais categorias e debater sobre a unidade sindical. De 1978 para cá, o movimento sindical começou novamente a se organizar, a debater os problemas dos trabalhadores e a fazer reivindicações, muitas vezes sofrendo repressão.
Voltando a tocar na situação do trabalhador, acho que se em 1964 era ruim, hoje ela é muito pior. Eu não conheço na história nenhuma crise no grau da que estamos enfrentando atualmente, no grau da que o trabalhador está enfrentando. O desemprego, a inflação elevada, os reduzidos índices de aumentos salariais exemplificam isso.
Mesmo para o empresário brasileiro a situação é muito pior do que era em 1964. Só no nosso setor, de 1975 até agora, fecharam mais de 300 empresas. Essa é a situação que o governo criou. E a situação dos juros. Não é possível ninguém tocar uma firma emprestando dinheiro para pagar 200, 300, 400% ao ano. Nós não somos defensores dos empresários, mas cada fábrica que fecha implica em centenas de trabalhadores na rua, desempregados.
Adias José dos Santos, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói e Itaboraí, setor ligado à construção naval – Os trabalhadores dos estaleiros têm uma tradição de luta e esta era muito intensa por volta do final da década de 1950 e início da de 1960.
Naquele período havia também dificuldades para os trabalhadores, a inflação aumentava, mas a situação do trabalhador era melhor. Por exemplo, se formos comparar, os trabalhadores que hoje exercem cargos de chefia, os encarregados, contra-mestres, supervisores, têm um padrão de vida inferior ao dos operários que trabalhavam na ferramenta no final da década de 1950, início da de 1960. Além disso, havia trabalho. O que se observa é que os trabalhadores perderam o poder aquisitivo que tinham naquele período numa proporção exagerada.
Não tenho dúvida nenhuma de que o golpe militar ocorreu em função da luta dos trabalhadores, porque esta afetava os ganhos do poder econômico. Uma vez esfriada a luta, presas as lideranças, cassadas as lideranças mais autênticas, os empresários ficaram absolutos, ampliaram seus complexos industriais, diversificaram as suas atividades e investiram em outros setores. Hoje, existem nos estaleiros poderosos complexos.
Mas a crise se agrava em cima dos trabalhadores. Portanto, todos esses anos foram altamente prejudiciais ao trabalhador.
É vergonhoso, mas constatamos que simplesmente transferiu-se para os trabalhadores o peso da crise e se continua tentando justificar que tem de congelar os salários, tem de criar decretos-lei reduzindo as migalhas que são pagas aos trabalhadores para equilibrar a economia do país.
Vital, operário metalúrgico, cipeiro, da Metal Leve – De 1964 para cá houve um crescimento muito grande do proletariado, tanto do urbano, como do rural, este último como resultado da penetração do capitalismo no campo. E uma diferença a ser colocada com relação a 1964. No que tange ao movimento sindical, embora antes de 1964 ele tivesse maior liberdade de atuação, pois não havia a repressão que existe hoje, no fundamental era um sindicalismo atrelado ao governo. Mas, de um modo geral os trabalhadores partiam para a luta, saíam às ruas, realizavam grandes greves. Havia um movimento de massas, com grande participação operária e popular. Foi contra essa luta que se deu o golpe de 1964. Foi uma forma de as classes dominantes e o imperialismo tomarem uma posição e não perderem o seu controle sobre o país.
Agora, na minha opinião, criou-se uma situação nova, pois a crise não era tão profunda quanto é hoje, do ponto de vista da crise do capitalismo. Penso que hoje, devido à natureza da crise que estamos vivendo, torna-se muito difícil para as classes dominantes fazerem uma concessão, não porque não queiram, mas porque não há possibilidade.
Roque, operário da indústria plástica, atualmente desempregado e membro do Comitê de Desempregados – Eu não domino bem a situação, porque em 1964 eu vivia na roça e depois numa pequena cidade do interior. O que a gente percebe é que de 1964 para cá o capital estrangeiro penetrou grandemente no país, interessado apenas em levar as nossas riquezas. Os governos pós-1964 deram todo o apoio à indústria internacional, até chegar ao ponto em que chegamos. O Brasil foi fracassando, o cruzeiro foi se desvalorizando e os capitais eram enviados para o exterior. Tudo isso gerou a crise, o desemprego, a fome e a miséria.
A gente sente que hoje a classe operária das grandes cidades é mais forte, pois há um grande número de operários nas grandes indústrias e nessas empresas os operários são mais unidos.
Raimundo – Agora seria bom discutirmos um pouco o momento atual, de crise, analisarmos que crise é esta, qual a sua profundidade. Interessa ouvir também as opiniões que vocês têm sobre o significado dessa crise para os trabalhadores, quais as possíveis saídas, dentro daquela visão de que em 1963-64 houve uma grande crise, uma convulsão política e aí ocorreu o golpe, e foi implantado um novo modelo econômico que é esse que está aí. Agora está havendo outra grande crise. Que solução política ela pode ter? Que papel os trabalhadores podem desempenhar? Na sua luta por libertação, para conseguir seus objetivos eles têm aliados? O Brasil é um país capitalista-dependente, com uma dívida externa enorme, submetido à pressão dos grandes banqueiros internacionais, de países imperialistas; vivemos sob regime ditatorial, com uma Constituição de base militar e uma organização jurídica de base policial, com leis como a de Segurança Nacional que sufocam o povo. Essa dívida prejudica mais alguém além dos trabalhadores? E essa LSN se aplica a outras camadas além das camadas trabalhadoras? Atinge também setores da burguesia? Então, seria examinarmos a perspectiva da época atual, fazermos um certo prognóstico e discutirmos qual o comportamento que mais interessaria aos trabalhadores.
Nilson Bahia – Estamos vivendo um processo de descenso econômico, em que o grande capital internacional promove a oligopolização, não existindo espaço para o crescimento. Para os trabalhadores não aumentaram os salários, não melhorou a situação e a exploração continua. O Brasil cresceu em termos de obras faraônicas para beneficiar os que se encontram no poder.
O momento atual é um momento em que os trabalhadores devem continuar sua organização de luta, um momento de expectativa, de se buscar uma saída de onde meteram o país, um momento de nos organizarmos, de entendermos as coisas de modo muito concreto. E um momento de luta, de garra, para se construir a greve geral, realizar mobilizações amplas de massas, seminários, debates como este, para podermos obter um esclarecimento sobre a realidade nacional e internacional, nunca nos esquecendo da questão do continente latino-americano que é um ponto chave numa luta conjunta de libertação.
José Freitas – Entendo que há um grande interesse por parte dos trabalhadores de ir mais a fundo na compreensão dos problemas, de entender no que vai resultar toda a situação que estamos vivendo, de ter clareza sobre as causas do desemprego, da crise e descobrir a saída política. Os trabalhadores sentem que a situação se torna cada vez mais difícil para eles e assim passam a se incorporar nas lutas sindicais.
Neste momento de crise é de grande importância sabermos articular as reivindicações imediatas dos trabalhadores com as reivindicações mais gerais, tendo em conta que nos marcos do movimento puramente reivindicatório o avanço da classe operária será limitado. Mesmo porque, não se pode alcançar mudanças mais profundas nos marcos do regime vigente. É nessa ótica que a classe operária vai compreender o seu papel na sociedade, que é o de conquistar uma nova ordem social, o socialismo.
Hoje, a questão se liga a mudanças no aspecto político, à luta pela conquista da liberdade. E eu vejo como muito positivo o fato de nos últimos dois anos a classe operária estar começando a se manifestar, o mesmo ocorrendo com outras camadas sociais. O fato é que o regime militar tenta manipular de todas as maneiras as eleições, as informações, no sentido de manter o monopólio do poder político. Penso que a classe operária só vai evoluir e compreender melhor, se ela tiver condições de tomar conhecimento das diversas propostas políticas, com os seus representantes, os revolucionários, os comunistas podendo apresentar com liberdade as suas propostas para serem discutidas por todos os trabalhadores. Nesse processo, a classe operária vai aprender e compreender a importância do seu papel na sociedade, vai saber como atuar nos sindicatos, perceber a importância de fazer alianças com outras forças sociais.
Paulo Paim – Verifica-se dentro das fábricas uma ampla discussão. O que o sistema prometeu aos trabalhadores? Veio o "milagre brasileiro", disseram: "vamos apertar o cinto porque depois se divide o bolo". Muito bem. O que veio para os trabalhadores? Recessão, arrocho, desemprego em massa, intranquilidade, um clima de terror.
É um momento de crise, mas também de união dos trabalhadores com a classe média, para construir com muita luta, com muita garra uma ampla organização, queiram ou não as forcas mais reacionárias. Esse avanço está no dia-a-dia, nas ruas, nos bairros, dentro das fábricas. Hoje é preciso que o movimento sindical atue nos bairros e nas fábricas, que se some aos movimentos populares.
Juraci – Estamos vivendo um momento de expectativa em que a classe trabalhadora está demonstrando sua disposição de luta e eu acho que o movimento sindical deveria ter um direcionamento um pouco mais avançado para conduzir essas lutas. A saída para os trabalhadores é fazer com que o movimento sindical seja respaldado com o assessoramento daqueles companheiros que existem em vários segmentos da sociedade, aqueles companheiros comprometidos com a luta dos trabalhadores, os intelectuais da classe operária, para buscar esclarecer os trabalhadores, fazê-los tomar consciência de que no capitalismo as crises são constantes. Não adianta nada ficarmos lutando apenas por conquistas imediatas, pois estas não resolvem os problemas dos trabalhadores. A saída está na emancipação política dos trabalhadores e da classe operária.
Na presente etapa, temos que preparar os trabalhadores para que eles entendam que as reivindicações não são apenas sociais, econômicas e jurídicas, mas também políticas.
Batista – Acho que estamos vivendo uma crise jamais vista no país. Todas as medidas do governo têm sido no sentido de agravar ainda mais a situação de miséria dos trabalhadores. Exemplo disso é esse decreto-lei da mudança salarial. Acredito que o momento atual é de acumulação de forças e de a classe operária se bater pela unidade, em torno de reivindicações comuns.
Está na ordem-do-dia a luta pela liberdade política, pela soberania nacional, que representam anseios também dos trabalhadores. Os recentes acontecimentos, as recentes manifestações de luta contra o desemprego indicam que vai haver um grande salto na luta do movimento operário, do movimento popular e democrático em nosso país. Portanto, além da unidade operária, é preciso forjar também a unidade democrática e popular, que englobe os sindicatos, o movimento camponês, os estudantes, os setores liberais e progressistas, enfim, todas as forças que se opõem ao atual regime, que é o principal responsável pela situação em que se encontram os trabalhadores e todo o povo brasileiro. A crise, a interferência do capital estrangeiro no Brasil, o acordo com o FMI, tudo isso atinge não só os operários, os camponeses, as camadas populares, mas também a pequena burguesia e a burguesia nacional. Diante desse quadro, eu creio ser necessário a classe operária buscar aliar-se aos diversos setores prejudicados pela política do regime e que a ele se opõem. Claro que a classe operária se alia mantendo sua independência, sem se deixar levar a reboque da burguesia, pois a classe operária tem objetivos muito maiores. Ela almeja o socialismo, que é uma sociedade onde não há explorados nem exploradores, onde a classe operária está no poder.
Queirós – A crise atual começou a se agravar em 1971, apesar de a situação já vir muito ruim de 1965 para cá. De 1967 a 1975 houve o arrocho salarial que fez com que os trabalhadores começassem a se organizar e reivindicar a reposição daquilo que vinham perdendo. Com as greves do ABC, e de SP, a partir de 1978, o governo bolou o decreto-lei 6708, instituindo o reajuste semestral, procurando apresentar essa modificação como uma dádiva.
Mais recentemente, surgiu o problema do desemprego. Com a recessão econômica milhares de trabalhadores foram jogados na rua, tendo sido o ano de 1981 o momento de pique dessa crise. Em 1983, esta situação está se agravando muito mais. De dezembro para cá no nosso setor tem havido muitas dispensas sem retorno, diferentemente do que havia antes, uma rotatividade de mão-de-obra entre as empresas do setor. Eu não conheço nenhuma empresa que tenha feito admissões de 50, 100 e 200 empregados. Conhecemos empresas que dispensaram 100, 200, 500 e até mil empregados. Isto caracteriza bem a situação de crise que estamos vivendo hoje. E não acreditamos que essa crise termine em 1983 ou 1984, com o governo que aí está. Este governo insiste numa política errada. Já ficou provado que tal política não dá certo. Se não houver uma mudança na política econômica, não existe nenhuma perspectiva de resolver essa crise.
Talvez, no início, a saída para a crise brasileira fosse a eleição direta, um governo eleito pelo povo, pela classe operária e que tivesse um compromisso e uma responsabilidade com o povo brasileiro. Eu acho que a partir do momento que tivermos um governo, um presidente da república eleito pelo povo, esse povo saberá cobrar desse governo as suas reivindicações, ou pelo menos o direito de sobrevivência no Brasil.
Adias – Hoje tenho mais esperança de que o poder de pressão da classe trabalhadora venha a contribuir para o fim da crise, porque hoje já temos uma classe trabalhadora mais politizada. Já há um número maior de pessoas com um maior grau de percepção das coisas. Vemos também a juventude ingressando na luta, participando. Então, a pressão dos trabalhadores pode antecipar uma solução para a crise. Mas, uma solução paliativa. Eu não vejo o fim dessa crise de uma forma definitiva. E aí teremos uma fatia de poder a depender do grau de pressão. Se eles conseguirem sufocar o movimento sindical através do aparelho repressivo ou dos acordos de cúpula, se o movimento sindical for sufocado por uma dessas duas maneiras, nossa fatia no final da crise será minguada. Eu acho que há uma possibilidade de o movimento sindical contribuir para o fim da crise, não o fim total, mas de amenizar a crise, pois o capitalismo ainda tem muito fôlego e o sistema não vai abrir assim com facilidade. Mas eu acho que nós podemos marcar um estágio importante e o movimento sindical poderá até introduzir certas mudanças na sociedade brasileira, obter algumas conquistas sociais.
Observamos que os trabalhadores têm hoje uma sensibilidade muito aguda em relação aos acontecimentos. As manifestações contra o desemprego ocorridas em São Paulo não se encerraram aqui e todo o Brasil tomou conhecimento, discutiu, se posicionou a respeito.
Vital – A crise que vivemos no Brasil faz parte da crise geral do sistema capitalista mundial. No Brasil ela é agravada pela política econômica do regime, que se encaixou dentro do plano do imperialismo. Este último, na busca de solucionar os seus problemas internos, aumenta a opressão, a exploração, o saque dos países dependentes, sobretudo da classe operária.
O regime não tem feito outra coisa senão jogar o peso da crise sobre a classe operária, sobre as costas do povo.
O imperialismo busca incessantemente meios de assegurar a continuidade de seu domínio, de sair ileso da crise. De sua parte, a burguesia no Brasil e nos países dominados começa a perceber que tem de fazer alguma coisa. E a classe operária? Vejamos o que ocorre: a classe operária começa a fazer greve geral na Argentina, no Peru, em vários países da Europa. No Brasil, de repente os trabalhadores saem às ruas em luta contra o desemprego e dá nesse quiprocó todo. Então, no meu modo de ver o que está acontecendo é a classe operária buscando saídas e a própria vida vai demonstrar para ela que não vai haver resolução dos problemas sem a conquista do poder político. E a oportunidade de clarear essa alternativa é precisamente a que estamos vivendo, quando a burguesia encontra-se engolfada na crise. Eu acho muito difícil a burguesia encontrar uma saída. A tendência, na minha opinião é o aprofundamento da crise em todos os aspectos, político, econômico e social.
No nosso país, se o povo brasileiro conseguir derrubar o regime militar e implantar um novo regime e uma nova orientação econômica, vão se criar dificuldades para o imperialismo no plano mundial, pois com isso ele perderá uma base de apoio importante. Se tivermos um governo que rompa o acordo com o FMI, que suspenda o pagamento da dívida externa, isso criará um problema político e econômico mundial que no meu entendimento irá aprofundar a crise do capitalismo em todo o mundo.
E internamente, o fim do regime atual possibilitará a criação de condições para um avanço ainda maior da luta da classe operária por sua emancipação.
Roque – Para mim está bem claro que o primeiro passo para melhorar a situação da classe operária é derrubar a ditadura militar que está no poder há 19 anos. Não devemos ter a ilusão de que substituindo esse regime por um regime de oposição, com presidente eleito, isso vá resolver os problemas da classe operária, mas é um primeiro passo, para ela se organizar e lutar em melhores condições.
Raimundo – Bom, estamos chegando ao funil do debate, que é a questão do momento atual específico que os trabalhadores estão vivendo. Então, por exemplo, está colocada aí e sendo discutida no movimento sindical, uma proposta de greve geral. Existem governos de oposição que foram empossados recentemente e que são vistos de maneira diferente pelos trabalhadores. Alguns setores começam a dizer: "não se deve preparar a greve geral porque ela vai servir como pretexto para a desestabilização dos governos de oposição"; outros acham que não, que é uma forma talvez de forçar o desenvolvimento da luta. Há ainda a questão da unidade dos trabalhadores, a unidade sindical, os acontecimentos que estão para suceder nos próximos meses, a realização do Conclat, onde se discutirá a questão da CUT. E, por fim, uma questão política de ordem mais geral que é a dos partidos políticos.
Surgiram partidos novos, como o PMDB, o PT, o PDT e o PTB, mas também há partidos em luta pela sua legalização. Fala-se que os partidos políticos atrapalham, são um fator de divisão. Outros acham que, como a questão é política, os trabalhadores vão acabar se unindo politicamente e para isso, precisam de um programa político, um partido político. Então, gostaríamos de ouvir a opinião de vocês nesta última rodada sobre essas questões atuais, que dizem respeito à tática da luta dos trabalhadores no presente momento.
Nilson Bahia – Dentro do processo de aliança é preciso que todas as posições e entidades progressistas que sempre estiveram ao lado do movimento se unam. Eu não vejo a greve geral como algo que vá desestabilizar. Se nós tivéssemos condições de parar este Brasil hoje, nós pararíamos, porque o sistema não oferece uma saída. Então os trabalhadores param para acertar, para colocar suas propostas, suas reivindicações relacionadas com as condições de vida e de trabalho. E uma conquista só será obtida com um ato de força.
Acho que os trabalhadores têm de fazer política e a LSN é algo que já deveria ter sido incinerado há muito tempo. Mesmo os sindicatos devem ser políticos, embora devam ser apartidários. Não fazer política é negar uma necessidade do trabalhador. E a classe operária não vai assumir o poder se não fizer política efetivamente. As tendências políticas, as correntes políticas que sempre estiveram no movimento operário são um fator de educação política dos trabalhadores. É em cima das diversas concepções existentes que os trabalhadores têm se organizado, têm tido uma visão política, uma visão de mundo e têm se interessado por sua formação intelectual.
Freitas – Hoje, a falta de liberdade, o arbítrio vigente há quase vinte anos, ainda impede que as forças políticas coloquem claramente as suas propostas e que a classe operária as debata. Portanto, eu volto a repisar a necessidade de se articular as lutas pelas reivindicações imediatas dos trabalhadores, em grandes manifestações de massas, com a luta pela liberdade política. Sem dúvida, a greve geral é uma das tarefas atuais da classe operária. Outra questão que se coloca é a da organização da Central Única dos Trabalhadores que representa um anseio e uma necessidade da classe operária.
No plano político mais geral, vejo a necessidade de se criar uma frente democrática e da unidade dos interesses do povo e de a classe operária poder organizar-se livremente num Partido político que represente seus interesses de classe.
Paim – Eu considero um crime contra a classe trabalhadora certas teorias que, para sua infelicidade, estão surgindo, como essa de que não é o momento para a greve geral, que esta vai tirar a estabilidade dos governos de oposição. A greve geral está se forjando de modo natural e é um direito dos trabalhadores. No meu entendimento, os trabalhadores exigem que no CONCLAT se discuta amplamente sobre a formação da CUT.
Nós entendemos que a classe operária está vendo na CUT o rompimento na prática com o sistema sindicalista vigente no país, atrelado ao Ministério do Trabalho. Na sua formação, a CUT passará a dar um cunho político e uma direção unitária a todos os trabalhadores do país.
Gostaria também de deixar claro que discordo de alguns enfoques segundo os quais esse ou aquele grupo político prejudica o conjunto dos trabalhadores. Pela experiência que se tem no Estado, somente unindo todas as forças políticas é que se vai conseguir fazer os trabalhadores, em seu conjunto, avançarem. Há exemplos, nos momentos de confronto, em que essas forças têm marchado sempre juntas. Acho que tem de haver um amadurecimento político do conjunto do movimento sindical e também das forças políticas para permitir o avanço dos trabalhadores.
Encerrando, quero afirmar que considero que a história dos trabalhadores brasileiros será forjada por eles próprios. E esta história está sendo forjada a cada dia que passa.
Juraci – Acho que a questão da CUT será amplamente discutida no CONCLAT. Lá, todos os trabalhadores do campo e da cidade debaterão e defenderão as suas posições com relação à criação da CUT. O objetivo da criação da CUT é fortalecer o movimento operário em nível nacional e dar uma perspectiva ao movimento.
Nós sabemos que essa perspectiva de encaminhamento concreto das lutas dos trabalhadores só vai se dar quando eles tiverem o seu organismo de cúpula, dirigindo todos os segmentos do operariado brasileiro de norte a sul.
Com relação à greve geral, nós sabemos que é a única saída. Agora, o que precisa ser feito, e o movimento sindical não deve se furtar a isso, é a preparação.
Batista – A greve geral é uma das grandes forças para se conquistar uma efetiva democracia no país. Porque até hoje ainda persiste uma lei de greve, uma estrutura sindical e uma CLT que atrelam o movimento sindical ao Ministério do Trabalho. Até hoje ainda persistem leis que proíbem o partido da classe operária de colocar abertamente as suas idéias. Então, eu acredito que a greve geral é uma força do movimento operário, dos trabalhadores, para conquistar a efetiva liberdade neste país.
Acredito que os governos de oposição abrem um maior espaço para a participação dos trabalhadores e que devem cerrar fileiras com eles.
Acho também que a greve geral é um passo fundamental inclusive para romper com certas doenças que existem no movimento sindical, como o divisionismo e o cupulismo.
Sobre a situação, a tática dos trabalhadores, eu acho que na unidade democrática e popular, deve prevalecer o interesse da classe operária. Nós já temos experiências históricas em que o movimento operário, sob a direção de setores reformistas, acabou indo a reboque da burguesia.
Queirós – A situação em que nos encontramos hoje exige a unificação da classe operária. Eu não vejo outra maneira de fazermos frente à situação que vivemos hoje, senão através da unidade de todos os trabalhadores.
Quanto ao problema político, eu sou favorável à legalização de todos os partidos políticos. Acho que se existem o PDS, o PMDB, o PDT, o PTB e o PT, devem ser legalizados, também todos os demais partidos políticos e cada um que se filie ou participe daquele partido que considerar mais conveniente ou mais combativo. E na época de uma eleição, o trabalhador tem o direito de escolher o partido que quiser. Quando se limita e se restringe outros partidos, está-se cerceando o direito de liberdade democrática do povo.
O movimento sindical brasileiro vive sérios problemas em todos os estados, porque não consegue se unir e falar a mesma linguagem do trabalhador. Eu, sinceramente, acredito na greve geral, mas não para o momento. Nós que costumamos ir para porta da fábrica conversar com o trabalhador, não queremos dizer que ele seja covarde, que ele não vai fazer greve, mas existe um receio de fazer uma greve diante da situação de desemprego, pois o trabalhador foi levado ao terrorismo do desemprego. Então, é uma situação difícil, onde se tem de trabalhar na base para conscientizar o trabalhador de que fazendo ou não a greve ele está perdendo o emprego. Se ele está trabalhando hoje, ele é o futuro desempregado de amanhã. Diante da situação que nós estamos vivendo, talvez a greve geral não seja uma greve de confronto com os patrões, mas uma greve política, para demonstrar ao governo que a situação está insuportável. Acho que será muito mais uma greve de caráter político do que reivindicatório.
Não vejo a greve como um fator de desestabilização dos governos de oposição. Não há dúvidas de que houve aproveitadores no movimento de São Paulo. Como haverá também se se decretar uma greve geral. Os oportunistas sempre aparecem e a história do movimento sindical registra que todas as vezes que os trabalhadores foram às ruas para reivindicar alguma coisa, os aproveitadores sempre apareceram para destruir o moral do trabalhador.
Abdias – Acho que é preciso acabar com certos preconceitos. O trabalhador aprende a vida toda que não pode fazer política e que sindicato não pode fazer política. É um tabu que precisa acabar. O trabalhador precisa fazer política, o sindicato é um instrumento político da classe trabalhadora e o partido político é importante. Uma sociedade não se organiza se ela não tiver partidos políticos e todos os segmentos sociais têm o direito de fundar legalmente os seus partidos, para que todo mundo tenha espaço de aderir ou não aderir, por livre opção.
Com relação à greve geral, eu a vejo como um instrumento da classe trabalhadora. Ela tem de ser construída. Eu não diria que nós marquemos um prazo para daqui a 15 dias deflagrar a greve geral, mas não podemos ficar na utopia de dizer que não é hora e não é tempo e ninguém se lançar a jogar a proposta de greve geral para os trabalhadores como um mecanismo de pressão, um instrumento de luta; uma forma política de pressionar o regime. Se isso não for feito todos os dias, em todos os lugares, será utópico tudo o que estamos pensando.
É claro que devemos preservar determinados momentos, mas não podemos ficar justificando o não uso dos mecanismos de pressão dos trabalhadores por temermos desestabilizar os governos que democraticamente nós elegemos. Inclusive, acho que se esses governos querem demonstrar colaboração com o movimento sindical, com os trabalhadores, devem impulsionar o movimento e não encarar a greve geral como um fator de desestabilização.
Tomando como exemplo o 1° de Maio no Rio, acho que o Brizola não atrapalhou. No Rio, o 1° de Maio foi um dia de protesto, de luta, de contestação.
Vital – A própria crise vai forçando os operários a irem se organizando. Hoje, cresce o número de sindicalizações, o pessoal procura mais o sindicato, tomam-se iniciativas. O Congresso dos Metalúrgicos foi um exemplo. De repente, convoca-se um congresso e aparecem mais de mil delegados, querendo participar. Veja também o exemplo da luta contra o desemprego em São Paulo, os trabalhadores saindo às ruas, buscando uma solução. Eu entendo que a classe operária, os trabalhadores necessitam cada vez mais da unidade, sobretudo nesta situação de crise. Quanto mais unidos os operários estiverem, mais vitórias eles poderão obter. Voltando a me referir ao Congresso dos Metalúrgicos como exemplo, lá o que a gente viu foi um grande número de companheiros levantando essa questão da unidade. É preciso identificar as lutas que unificam e assumir essas lutas.
Quanto aos partidos políticos, eu acho que no momento atual, é muito importante que cada partido político tenha o direito de se organizar livremente e manifestar abertamente sua opinião e defender suas propostas. Quem vai decidir se tal ou qual proposta é a mais avançada ou mais justa são os próprios trabalhadores. A greve geral é uma aspiração dos operários, uma necessidade. E claro que ainda existe aquele medo de perder o emprego, mas dentro da fábrica o que a gente ouve é o seguinte: "se não for uma greve geral que pare tudo nós não vamos resolver os problemas. Só vamos encontrar uma solução no dia que parar o Brasil, parar tudo". Mas, nós devemos ter consciência de que a greve geral não surge assim num belo dia, ela precisa ser construída. O medo, a insegurança do trabalhador só vão ser superados colocando para ele propostas de luta realizáveis, que em vez de prejuízo, tragam acumulação de força. Eu vejo com muita expectativa, com muita esperança, a realização do CONCLAT em agosto, onde nós podemos avançar inclusive na definição de formas de luta mais concretas.
Quanto ao problema da desestabilização dos governos de oposição, eu vejo o seguinte: a classe operária, os trabalhadores, precisam de aliados. E neste momento nós precisamos muito de aliados. Acho que o exemplo da presença do Brizola no 1° de Maio no Rio foi bem a propósito. Vejo também que em toda aliança há dois aspectos: o da unidade e o da luta. A classe operária só vai conseguir consolidar as suas alianças na medida em que tome iniciativas, que se lance à luta.
A situação que vivemos é muito delicada e nós temos que saber como avançamos, até onde vamos e como vamos arrastar os nossos aliados conosco. Mas, de forma alguma os operários devem abrir mão dos seus interesses, das suas reivindicações, porque dizem respeito às nossas necessidades objetivas. Vamos dizer que os desempregados não estão morrendo de fome, quando estão? Tem que arranjar uma solução, em nível tanto estadual como federal.
Roque – A greve geral deve ser construída e o trabalhador brasileiro está disposto a ela. Para fazer a greve geral, os sindicalistas devem realizar assembléias com os trabalhadores e com os desempregados. Mas é preciso acabar com a divisão, conquistar a unidade.
No que se refere aos partidos políticos, nós sabemos que o Partido que serve aos trabalhadores é aquele que defende os seus interesses. E o governo não permite que esse partido se legalize, porque isso não vai beneficiar em nada o capital estrangeiro, os latifundiários, a burguesia.
Raimundo – Chegamos ao final do nosso debate. Faltou aprofundar mais em torno dos pontos levantados. Como se trata de uma primeira iniciativa e também de uma coisa ampla, de ouvir muitas opiniões, fica assim este debate como mais uma introdução a uma série de preocupações atuais da classe operária e como uma amostra do quanto podemos ir mais adiante na discussão, no debate para compreender os problemas que os trabalhadores estão vivendo.
EDIÇÃO 6, JUNHO, 1983, PÁGINAS 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16