Nem todo mundo sabe o que isso vem a ser. A final de onde vem a tal da emergência? Apresentemo-la. É filha legítima de nosso muito conhecido Ato Institucional n° 5, o famoso AI-5 de triste memória. Nasceu meio aturdida pelo barulho ensurdecedor dos protestos populares. A história de sua gestação foi contada nos idos de 1976. Em dado momento da vida nacional os militares se deram conta de que já não podiam governar como antes. Ninguém mais aceitava o poder discricionário da maneira como vinha sendo executado. Num passe de mágica, disfarçaram o arbítrio. De instrumento de exceção o AI-5 virou dispositivo constitucional, embutido na Carta outorgada. Dizia-se, então, que esse recurso era condição preliminar da abertura. Não se poderia abrir sem determinadas garantias de continuidade do Sistema. Muita gente bateu palmas – acabara-se o mecanismo maldito da excepcionalidade. Puro engano! A mudança era apenas de forma. O despotismo hibernava na figura política do Estado e das medidas de emergência.

Em essência um estado de sítio, ou de guerra usado na época da ditadura getuliana de 1937 a 1945. Com uma diferença: o sítio demanda certa aprovação do Congresso, as emergências, não. Para viger basta surgir forte resistência aos projetos e à política do Planalto, como acaba de suceder. Uma negativa do Congresso em aprovar decretos-lei inspirados pelo FMI; uma greve pacífica de envergadura; o protesto das massas contra a difícil situação que atravessam; as denúncias de roubalheiras que envolvem a oligarquia dominante são tachados de ameaças à ordem pública. Pretextando afastá-las, impõem a desordem da prepotência. E se nada disso ocorrer, uma provocação urdida nos círculos repressivos produzirá o mesmo efeito.

A abertura não passa dum engodo. É o ambiente de estufa onde vegeta o regime militar, desgastado, desmoralizado, desacreditado. Regime que se mantém com o concurso dos conciliadores que sonham chegar à liberdade pela via do menor esforço da capitulação, das súplicas ao consenso, ao entendimento… para alargar espaços políticos que se restringem a cada manifestação resoluta das forças democráticas, patrióticas e populares. De cedência em cedência, os adeptos do "congraçamento" transformam-se em cúmplices daquilo que pretendem combater. Fingem não ver que a mão estendida do presidente é um simples ardil. Não é a mão de quem oferece, mas de quem pede, impondo. Que todos se juntem a ele, chefe supremo da grei castrense, para prosseguir no malogrado roteiro da antidemocracia. No seu entendimento, abertura é para manter e não para terminar o regime que favorece o domínio de poderosos interesses estrangeiros no país, que nega o povo no encaminhamento de questões vitais do presente e do futuro de nossa pátria.

Enganam-se, porém, os que pensam que o ato despropositado do Planalto é sinal de força. Momentaneamente, pode conseguir o objetivo desejado – a aprovação do decreto 2.065, por exemplo. O saldo dessa conjura, no entanto, resulta tremendamente negativo ao governo e ao sistema que ele representa. Vai agravar mais ainda o quadro das contradições políticas internas, aprofundar a crise em que se debate a nação. Com a decretação das medidas de emergência, o regime aparece, uma vez mais, sem os véus da fantasia da pretensa abertura, tentando salvar-se por meio da exceção. E, assim, se revela de corpo inteiro o grande obstáculo que precisa ser removido, como primeiro passo à solução dos problemas angustiantes que preocupam amplos setores da população brasileira.

Só não enxerga que o regime esgotou-se – e precisa ser liquidado – quem se recusa a encarar de frente a realidade. A quase totalidade dos que vivem neste país compreende que os males que tão duramente afetam a nação foram gestados no ventre infectado da ditadura militar. Não podem ser tratados com as mezinhas do gradualismo inócuo. Exigem a intervenção decidida do povo e das forças de oposição autêntica.

Destarte chegará o dia em que Brasília amanhecerá radiosa com a liberdade que todos haveremos de conquistar.

EDIÇÃO 7, DEZEMBRO, 1983, PÁGINAS 3, 4