No geral, procurou-se fornecer dados de produção, área de lavoura e aspectos das regiões onde está implantada a cultura do cacau. Foram incluídas igualmente algumas informações históricas, que mostram o sentido da evolução econômica e social das regiões agrícolas em foco. Pinceladas sobre estrutura agrária, tecnologia agrícola, formas de produção e características dos setores de classes sociais envolvidos também podem ser encontradas. A lacuna maior fica por conta da impossibilidade de dimensionar, frente à ausência de dados disponíveis, o contingente de proletários que labutam na terra em toda a grande extensão das áreas cultivadas pelo cacau na Bahia.

Os dados dos Censos Agropecuários do IBGE e dos Recadastramentos do Incra são apresentados por municípios ou micro-regiões e não por culturas. Outras fontes, a princípio, não existem. Restaria o recurso dos "cálculos aproximados". A produção brasileira de cacau ocupa uma inegável posição de destaque no quadro da produção mundial. No ano agrícola internacional de 1979-80 esta representou 1.616.000 toneladas, enquanto o cacau nacional atingiu a cifra de 294 mil toneladas, cobrindo 18,1% da produção mundial (1).

A Bahia detém o virtual monopólio da produção do país que, em 1981 (cacau em amêndoas) situou-se em 304 mil toneladas, enquanto a produção baiana chegou a perfazer o montante de 283.900 toneladas (93,3% da produção brasileira). Neste mesmo ano a área plantada ou colhida esteve em 446.139 hectares, ao passo que o Espírito Santo, que corresponde ao segundo estado em área plantada, possuía apenas 22.290 hectares de cacaueiros (4,9% do plantio baiano) (2).

“No momento, as exportações de cacau e derivados passam por certa crise, fruto das flutuações do comércio internacional do produto”.

Além de ser uma cultura voltada essencialmente para a exportação, o cacau ocupa lugar significativo neste plano. Nos 12 meses compreendidos entre dezembro de 1981 e novembro de 1982 coube ao cacau e derivados, isoladamente, 2,09% do valor das exportações brasileiras no período. Já em termos estaduais, sua participação correspondeu a 38,04% (3). No momento, as exportações de cacau e derivados passam por certa crise, fruto das flutuações do comércio internacional do produto. Haja vista que em 1977 elas obtiveram US$ 774,5 milhões, representando 6,4% do total da receita cambial brasileira (4).

A crise atinge os três últimos anos, tendo as exportações caído de US$ 786 milhões, em 1979, para US$ 496 milhões, em 1981, o que significa um decréscimo de 37%. A produção nacional aumenta, mas o comércio exterior do produto tem sua própria lógica, as compras internacionais não ocorrem em nível e preço esperados. Em função dessa vulnerabilidade da lavoura cacaueira, sobrevêm os problemas.

Tomando como referência o ano de 1977, é possível traçar um quadro exemplificativo de quais seriam alguns dos principais países importadores do cacau baiano. Os Estados Unidos colocam-se como o primeiro país da lista, com 36,4% das compras, e a ele se seguem os Países Baixos (19,4%), Alemanha Ocidental (9,0%), Polônia (5,6%), Espanha (4,9%), Iugoslávia (4,6%) e URSS (4,5%) (6).

“As firmas exportadoras representam na Bahia um setor da grande burguesia, vinculado aos negócios do cacau e dos mais privilegiados, que se apropria de parcela apreciável da mais-valia gerada no processo produtivo desta lavoura”.

O problema das exportações introduz a questão do comércio exportador. As firmas exportadoras representam na Bahia um setor da grande burguesia, vinculado aos negócios do cacau e dos mais privilegiados, que se apropria de parcela apreciável da mais-valia gerada no processo produtivo dessa lavoura. Oito grandes firmas e uma Cooperativa foram responsáveis em 1977 por 93,97% do valor das exportações baianas, entre as quais se destacaram Corrêa Ribeiro (20,34%), Copercacau (13,27%), Calheira Almeida S/A (12,06%) e Brandão Filhos S/A Comércio, Indústria e Lavoura (8,83%) (7).
A introdução do cacau na Bahia remonta a meados do século XVIII. Mas só no período compreendido entre 1890 e 1930 é que o cacau assumirá o caráter de monocultura regional, o que coincide com o momento áureo vivido por esta lavoura (8).

O florescimento da cultura representa inicialmente um progresso de vulto para o Sul da Bahia. "Com a cacauicultura, a região emergiu do marasmo em que se mantinha por quase quatro séculos, no regime de policultura e atividades extrativas de pequeno porte. Foi a atividade que atraiu e fixou contingentes humanos à região, permitiu seu desbravamento, obrigou à abertura de estradas, desenvolveu os aglomerados urbanos existentes e fez surgir novos" (9).

A crise de 1929, ao desorganizar a vida econômica da região, vem mostrar de forma avassaladora a vulnerabilidade da agricultura voltada para a exportação num quadro de economia dependente.
Afora essa situação estrutural de dependência, que faz com que a lavoura do cacau sinta de forma direta os efeitos das oscilações cíclicas de expansão e crise do comércio internacional, a própria região nunca conseguiu canalizar os recursos oriundos dos negócios do cacau em benefício de um desenvolvimento econômico consistente. A evasão de rendas, na compra de bens de consumo que ela mesma poderia produzir, e particularmente a fuga de capitais, está na raiz da persistente fragilidade de seu desenvolvimento industrial (10).

“A evidência da concentração transparece no fato de os 10 maiores municípios produtores representarem 44,78% do volume global da produção estadual”.

A cultura do cacau na Bahia atinge uma área ampla do estado, formada por 83 municípios onde existem plantações do produto. Esta disseminação da cultura não nega, mas inclui uma natural concentração da produção numa área mais restrita, propriamente identificada como região cacaueira. A evidência da concentração transparece no fato de os 10 maiores municípios produtores representarem 44,78% do volume global da produção estadual. São eles, por ordem de importância: Ilhéus, Camacã, Itabuna, Una, Canavieiras, Itajuipe, Uruçuca, Coaraci, Ibirataia e Ibirapitanga (11). Dentro da região cacaueira, em sentido restrito, o cacau representava, em 1970, 86,5% da área explorada pelos principais cultivos e 88,6% do Valor Bruto da Produção (12).

A criação da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), em 1957, representou um fato novo, com importantes desdobramentos no plano da intervenção dirigida do estado no sentido de ultrapassar impasses vividos pela lavoura cacaueira. O nascimento da CEPLAC se fez num momento de crise na comercialização do produto, com a queda, em 1956, de 50% do preço internacional do cacau. Até o ano de 1965, quando começa sua intervenção direta no processo produtivo, a ação do organismo volta-se, no essencial, para o apoio creditício. Experimentadas as limitações desse recurso, posto que utilizado isoladamente, deflagra-se um processo de renovação agronômica das práticas desenvolvidas na lavoura, processo iniciado em 1965, mas intensificado em 1970.

Descrevemos aqui aspectos do balanço feito pela CEPLAC acerca dos progressos técnicos ocorridos na cultura do cacau, quando do estabelecimento de novas Diretrizes para a Expansão da Cacauicultura Nacional, válidas para o período de 1976-1985. O objetivo deste procedimento é retratar o grau já alcançado pelas transformações tecnológicas definitivamente incorporadas à lavoura cacaueira. Os dados referem-se à Bahia e ao Espírito Santo, mas devido à relevância excepcional que esta assume no contexto da produção nacional, eles não chegam a distorcer a realidade e prejudicar o objetivo proposto.

As áreas onde se desenvolveram práticas de combate às pragas do cacaueiro passaram de 75 mil hectares, em 1967, para 223.400 hectares, em 1977, representando um crescimento de 431,2%. A área trabalhada no combate à podridão parda, partindo de 11.720 hectares, no ano de 1967, atingiu 76.500 hectares, em 1977, com incremento de 652,7%. Em igual intervalo de tempo, a adubação do cacaueiro de 2.356 hectares foi incrementada em 6.343,9%, chegando a situar-se em 149.700 hectares. Em 1970 a prática de calagem na lavoura cacaueira concentrou-se numa área de 11.980 hectares, sendo que em 1977 seu alcance foi de 17.100 ha (aumento de 142,7%). Por fim, a evolução da prática de controle de sombreamento registra acréscimo de 1.624% entre , quando esteve em 2.321 ha, e 1977, quando a área trabalhada passou para 37.700 ha. (13).

“Em 76% das propriedades a área safreira não é superior a 30 hectares (… ) As buraras e pequenas propriedades ocupam urna área safreira de 35,94% e são responsáveis por 31,39% do volume total produzido”.

O cacau foi inicialmente explorado através da pequena propriedade. À medida que a cultura cresce e se expande no período de 1890 a 1930, tornando-se amplamente dominante, a pequena propriedade perde terreno, consolidando-se a concentração da propriedade da terra, processo que encontra paralelo no setor de comércio externo, corolário essencial da lavoura de exportação.

Na atualidade, convive na região cacaueira, em integração e conflito, uma gama diversificada de tipos e tamanhos de propriedade de cacau, com o predomínio econômico da média e grande propriedade.
As pequenas propriedades, por sua vez, possuem diferenças sensíveis em relação à produção camponesa típica desenvolvida no vasto interior agrícola do estado da Bahia. Esta diferença não se configura particularmente na presença de vulto da exploração do trabalho assalariado, como se verá, mas nos métodos aperfeiçoados de cultivo do cacau e na renda auferida. Estudo recente precisa de maneira sintética esse fenômeno, quando constata: "Em 76% das propriedades a área safreira não é superior a 30 hectares (… ) As buraras e pequenas propriedades ocupam urna área safreira de 35,94% e são responsáveis por 31,39% do volume total produzido" (14).

No tocante às relações sociais de produção existentes no interior das pequenas e das grandes propriedades, não há como negar as desigualdades, constituindo duas formas de produção distintas. Pesquisa de grande envergadura realizada em 1972 pela CEPLAC/IICA apresenta dados relevantes acerca da natureza da força de trabalho que é utilizada tanto pelas unidades de produção familiares quanto pelas unidades tipicamente capitalistas presentes na região cacaueira.

“Entre as empresas capitalistas o trabalho assalariado representa 91,42% da força de trabalho global”.

As unidades familiares mostram um emprego ínfimo de trabalhadores assalariados (4,07%), sendo a maioria destes de assalariados temporários (88,57%). Nota-se, por outro lado, que 20% da força de trabalho de familiares trabalham para terceiros, representando ponderável componente de proletarização. A ocorrência deste fenômeno serve para relativizar qualquer ilusão taxativa de um progresso econômico linear e geral da pequena produção familiar no cacau.

Entre as empresas capitalistas o trabalho assalariado representa 91,42% da força de trabalho global, sendo de interesse constatar que os trabalhadores permanentes correspondem a 62,18% do contingente de assalariados, contra 37,82% de trabalhadores temporários (15).

O peso representado pela categoria de trabalhadores permanentes, traço singular da cultura do cacau, prende-se ao tipo de tecnologia usada de forma mais ou menos ampla no trato desta cultura, a partir das inovações técnicas introduzidas na região pela ação da CEPLAC. Chega-se ao ponto de considerar que "a adoção generalizada da nova tecnologia absorve um contingente de mão-de-obra 48,2% maior do que o absorvido com a tecnologia tradicional" (16). A importância do trabalho assalariado permanente é tão inegável que ainda hoje a região cacaueira apresenta-se "expedidora de trabalhadores eventuais e administradores e fortemente receptora de trabalhadores permanentes" (17).

“Surgem no meio dos trabalhadores rurais reações de insatisfação e revolta que animam a luta social (…) insatisfação que, na confluência de determinadas condições objetivas e subjetivas, transforma-se na revolta universal dos explorados”.

A decantada opulência da cultura cacaueira, orgulho e inspiração das classes dominantes baianas, não encontra correspondência ao nível das condições de vida e trabalho dos produtores reais, o proletariado do cacau e os pequenos proprietários. São conhecidas as dificuldades em que se debatem as chamadas buraras, pequenas roças de cacaueiros que produzem até 400 arrobas por ano. Em que pese a grande incidência de assalariados permanentes nas fazendas, a estes são negados direitos trabalhistas elementares. Diagnóstico da própria CEPLAC indica os seguintes números reveladores: 15,10% dos assalariados têm repouso remunerado; 20,57% recebem 13º salário; 22,14% têm férias remuneradas; e 23,18% possuem carteira assinada (18). A modernização da cultura do cacau trouxe para uma parcela de trabalhadores novos problemas ligados ao uso de insumos industriais que oferecem perigo à saúde daqueles que manipulam esses produtos. É o caso do combate à podridão parda, que envolve a pulverização das áreas de cacaueiros com fungicidas à base do cobre, feita normalmente sem nenhuma proteção especial. Em face dessas situações, surgem no meio dos trabalhadores rurais reações de insatisfação e revolta que animam a luta social. Um estudo de 1974 versando sobre a problemática da escassez de mão-de-obra na lavoura cacaueira, publicado pela CEPLAC, chega à constatação de que 68,3% dos trabalhadores entrevistados manifestam desejo de deixar a atividade do cacau (19). Trata-se de um indicador inconteste de insatisfação. Insatisfação que, na confluência de determinadas condições objetivas e subjetivas, transforma-se na revolta universal dos explorados, nem sempre manifesta, às vezes distante de sua expressão consciente e organizada, mas ainda assim viva e persistente.

A região cacaueira é pioneira no desenvolvimento do sindicalismo rural no estado da Bahia. Em 1952 ocorre a fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ilhéus e Itabuna, reconhecido pelo Ministério do Trabalho em 1957, sendo que até 1960 a Bahia contava com 3 sindicatos, entre as 8 entidades sindicais que possuíam então este estatuto em todo o país. Os 9 sindicatos de trabalhadores rurais fundados e legalmente reconhecidos no período compreendido entre 1957-67 concentram-se todos no Sul do estado e a maioria na própria área cacaueira.

Entretanto, é grande e antiga a debilidade do movimento reivindicatório dos assalariados do cacau. Notícias de lutas de alguma envergadura remontam à década de 1930 e, mais recentemente, aos anos 1950. Segundo revela levantamento exaustivo de informações contidas nos Boletins Estatísticos da Justiça do Trabalho da região cacaueira, de 1960 a 1975, os problemas trabalhistas aí registrados em sua grande maioria "estão relacionados a questões de aviso prévio, férias e 13° salário" (20). Não abarcam, como se vê, reivindicações salariais e iniciativas coletivas de maior alcance. É justo supor, ainda assim, a existência de conflitos sociais localizados, cujo registro se perdeu ou mesmo não alcançou a memória coletiva do movimento proletário no estado da Bahia.

* José Valdo de Oliveira é sociólogo baiano.

Referências Bibliográficas
(1) IICA. CEPLAC/Cacau, 25 anos. Desenvolvimento e Participação. Brasília, IICA, 1982, p. 92.
(2) FIBGE. Anuário Estatístico do Brasil – 1981. Rio de Janeiro, FIBGE, 1982.
(3) CPE. Informe Conjuntural, Salvador (18).
(4) CEPLAC. Anuário Estatístico do Cacau – 1978. Brasília, CEPLAC, 1979, p. 127.
(5) CPE. Informe Conjuntural, Salvador (15).
(6) CEPLAC, op. cit. nota 4, p. 127.
(7) CEPLAC, op. cit. nota 4, p. 210.
(8) GARCEZ, Angelina, N. R. e FREITAS, Antonio F. G. “Bahia Cacaueira: um estudo de histórica recente”. Salvador, UFBa, 1979, (Estudos Baianos, nº 11), pp. 20-25.
(9) CEPLAC/IICA. “Diagnóstico Sócio-Econômico da Região Cacaueira”, Vol. 8; História Econômica e Social. Ilhéus, CEPLAC, 1976, p. 55.
(10) CEPLAC/IICA, op. cit. nota 9, pp. 53-58.
(11) VERGARA, Júlio R. “Aspectos da Distribuição da Produção e Área de Cacau do Estado da Bahia”. Itabuna, CEPLAC, 1980. (Boletim Técnico nº 75 do Centro de Pesquisas do Cacau), p. 15.
(12) CEPLAC/IICA. “Diagnóstico Sócio-Econômico da Região Cacaueira”, vol. 14, Estrutura Agrária. Ilhéus, CEPLAC, 1976, p. 3.
(13) CEPLAC. Diretrizes para Expansão da Cacauicultura Nacional 1976-1985. Brasília, CEPLAC, 1977, pp. 46-8.
(14) VERGARA, Julio R. A. nota 11, pp. 20-1.
(15) CEPLAC/IICA. “Diagnóstico Sócio-Econômico da Região Cacaueira”, vol. 11, Mão-de-Obra e Elementos de Relações de Produção. Ilhéus, CEPLAC, 1976, p. 36.
(16) RAMALHO, Elomar Duarte. “Escassez de Mão-de-Obra na Região Cacaueira da Bahia. Fatores Condicionantes”. Itabuna, CEPLAC, 1977; (Boletim Técnico n° 57 do Centro de Pesquisas do Cacau), p. 34.
(17) ARAÚJO, José, Bezerra. Salários, Preços e Mobilidade do Trabalho em 10 Micro-regiões do Estado da Bahia. Salvador, 1979.
(18) CEPLAC/IICA, op, cit. nota 15, p. 43.
(19) RAMALHO, Elomar Duarte. op. cit. nota 16, p. 23.
(20) CEPLAC/IICA, op. cit. nota 15, p. 39.

EDIÇÃO 7, DEZEMBRO, 1983, PÁGINAS 25, 26, 27, 28, 29